Atmosfera de Plutão pode ter duplicado em 14 anos

20 de julho de 2002, Pico dos Dias/MG. Telescópios ajustados, pesquisadores a postos: tudo pronto para a observação do raro momento em que Plutão oculta a estrela P126 . O fenômeno ocorre quando o planeta passa na frente da estrela e oculta sua luz. Essa é a hora ideal para se estudar a misteriosa atmosfera do mais distante planeta do Sistema Solar: ela fica visível nessa ocasião devido à incidência da luz da estrela. Pena que não se faz ciência só com especialistas e equipamentos de última geração. É preciso também sorte — coisa que os brasileiros não tiveram.

À esq., o sítio de Arica, no Chile, o único na América do Sul em que a
ocultação de Plutão foi vista. No Pico dos Dias, no Brasil (dir.), o mau tempo impediu sua observação (fotos: C. Birnbaum e S. Renner)

Naquele dia o tempo fechou e não foi possível ver o fenômeno do observatório mineiro, que é mantido pelo Laboratório Nacional de Astrofísica de Itajubá (LNA). Rodrigo Campos, matemático do LNA que opera os telescópios brasileiros, e dois astrônomos — o francês Stefan Renner e o argentino René Duffard, do Observatório Nacional do Rio de Janeiro — estavam lá e lamentaram a falta de sorte.

Observatórios no Brasil, Argentina, Peru, Equador, Venezuela e África do Sul formaram uma rede internacional para estudar o fenômeno, sob a coordenação dos astrônomos Bruno Sicardy (Observatório de Paris) e James Elliot (Instituto de Tecnologia de Massachusetts, EUA). No entanto, apenas na cidade chilena de Arica os cientistas conseguiram captar as preciosas imagens da atmosfera de Plutão, até então observada uma única vez, durante a ocultação estelar de 1988.

 

Imagem mais nítida disponível de Plutão e sua lua Caronte (foto: Nasa)

Os resultados da análise foram publicados em 10 de julho na revista Nature , em dois artigos, um deles com a co-autoria de Campos e Duffard. Os cientistas concluíram que a atmosfera de Plutão dobrou de tamanho nos últimos 14 anos, o que contraria a expectativa de que ela iria congelar e entrar em colapso devido ao afastamento do planeta em relação ao Sol no mesmo período.

 

“Se Plutão não tivesse atmosfera, o brilho da estrela cairia abruptamente quando ele passasse na frente dela”, explicou Duffard à CH on-line . “Na presença de gases atmosféricos, essa queda é gradual porque a luz da estrela é parcialmente barrada.” Assim, quanto maior a atmosfera, mais tempo o planeta leva para ocultar o brilho da estrela. Como esse brilho demorou a desaparecer, os cientistas inferiram que a camada atmosférica de Plutão aumentou. No entanto, ainda não há explicação precisa que justifique esse aumento.

 

Clique na imagem acima para assistir a uma
animação do Observatório de Paris que mostra a ocultação de uma estrela por Plutão (800 KB)

Em virtude da distância, do tamanho e da peculiaridade da órbita de Plutão, ainda há muito que descobrir sobre ele. “A variação no desvio da luz estelar dá pistas sobre a espessura, temperatura, pressão e composição da atmosfera”, conta Duffard. Porém, tudo o que se pode afirmar até agora é que ela contém nitrogênio, água e metano.

Além de desvendar os mistérios do planeta mais frio e distante do Sol, a possibilidade de Plutão conter características que ajudem a explicar a formação do Sistema Solar tem estimulado a colaboração internacional. O Brasil já conta com cientistas e equipamentos de ponta. Quem sabe na próxima vez que for possível observar uma ocultação o tempo ajude.

Andreia Fanzeres
Ciência Hoje on-line
10/07/03