Atração infecciosa

 

As pessoas atraem mais mosquitos vetores da malária quando têm no sangue o protozoário causador da doença em sua fase transmissível ao inseto. Essa foi a constatação de pesquisadores quenianos e franceses que observaram o comportamento dos mosquitos diante de crianças não infectadas e com dois estágios diferentes da infecção (transmissível ou não ao mosquito). Eles concluíram que os parasitas são capazes de modificar fatores como o odor corporal dos indivíduos a fim de garantir maiores chances de reprodução. Os resultados apontam a importância da rapidez no diagnóstico e no tratamento da malária para conter a epidemia.

Em experimentos realizados no Quênia, os cientistas construíram três tendas, conectadas por tubos que desembocavam em uma câmara central. Em cada tenda, foi colocada uma criança na faixa etária de três a quinze anos, com um diferente estado de infecção pelo protozoário que causa a forma mais grave da malária ( Plasmodium falciparum ): não infectada, no estágio inicial de infecção e em uma fase mais avançada da doença.

Na câmara, foram depositadas cerca de cem fêmeas da espécie Anopheles gambiae , o principal mosquito transmissor da malária na África. Os tubos de plástico continham em suas extremidades um olfatômetro, capaz de transportar os odores exalados pelas crianças até a câmara – o cheiro das pessoas, associado a sua temperatura corporal, é o principal fator que influencia o mosquito na hora de picá-las.
 
Enquanto as crianças cochilavam, os pesquisadores observaram quantos insetos se dirigiam para cada tenda. Os mosquitos não chegavam a sugar o sangue das crianças, pois eram barrados por telas na entrada da tenda. O número dos que tentaram alcançar a tenda das crianças com o protozoário em um estágio mais avançado era quase duas vezes maior do que daqueles que voaram para as outras tendas. “Nessa fase, o parasita atinge a forma ideal para se reproduzir no corpo do mosquito e posteriormente ser passado para uma nova vítima”, explica Cláudio Ribeiro, chefe do Laboratório de Pesquisas em Malária do Instituto Oswaldo Cruz, da Fiocruz. A experiência foi repetida mais onze vezes com crianças diferentes, e os resultados foram semelhantes.
 
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O mosquito Anopheles gambiae é o principal vetor da malária na África, onde o estudo foi realizado.
(foto: Jim Gathany / CDC)

Para comprovar que a atração dos mosquitos por aquele grupo de crianças não era uma mera coincidência de características individuais – como se elas sempre tivessem tido ‘sangue doce’ –, todos os participantes do estudo foram medicados e curados. Duas semanas depois, foram submetidos aos experimentos outra vez. Foi verificado, então, que o número de mosquitos que voavam em direção a cada tenda era praticamente igual.

 
Os resultados foram relatados em um artigo na revista PLoS Biology de setembro. Segundo Jacob Koella, pesquisador da Universidade Pierre e Marie Curie (França) que liderou os experimentos, os parasitas conseguem modificar a temperatura e odor de seus hospedeiros com o objetivo de sinalizar para os mosquitos o momento em que estão prontos para sair do organismo humano. “Assim, eles aumentam a suas chances de sobrevivência e reprodução”, constata Koella. Em estudos anteriores, o cientista concluiu que, pelo mesmo motivo, o protozoário também estimula o mosquito a picar mais quando atinge a forma ideal para ser transmitido a humanos pela saliva do inseto.
Portanto, o diagnóstico precoce da malária causada pelo P. falciparum por meio de exames de sangue é crucial para que ela seja tratada antes que os protozoários atinjam o estágio transmissível. “Caso contrário, torna-se mais difícil conter a epidemia”, alerta Cláudio Ribeiro. Embora a espécie de mosquito estudada na África não exista no Brasil, os vetores brasileiros pertencem ao gênero ( Anopheles ) e transmitem o mesmo protozoário.

Lia Brum
Ciência Hoje On-line
08/09/05

Para saber mais sobre a transmissão da malária,
leia “Uma doença antiga e muito atual” , artigo
publicado na Ciência Hoje das Crianças n. 124