Uma equipe de cientistas da Universidade de São Paulo (USP) encontrou no modelo animal uma forma de desvendar os mistérios por trás do autismo. Após induzir uma infecção bacteriana em ratas grávidas, os pesquisadores identificaram nos filhotes características comuns em pessoas com o distúrbio, como a dificuldade de socialização, comunicação e comportamentos repetitivos.
O estudo fez parte do mestrado e doutorado do biólogo Thiago Kirsten, realizados na Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia da USP sob orientação da também bióloga Martha Bernardi. Para simular o autismo nos ratos, Kirsten injetou a toxina lipopolissacarídeo da bactéria Escherichia coli no nono dia e meio de gravidez das roedoras.
Segundo o pesquisador, o lipopolissacarídeo é capaz de mimetizar uma infecção bacteriana na rata grávida e, embora não seja transmitida para os filhotes, a infecção materna gera consequências para a prole. “Expostas a essa toxina, as ratas produzem mediadores inflamatórios e, mesmo que a toxina não alcance o feto, esses mediadores são responsáveis pelo aparecimento de características do autismo nos filhotes”, explica.
Nas ratas prenhes, a infecção causou sintomas passageiros, enquanto os filhotes apresentaram características do autismo que duraram até a idade adulta. “Encontramos prejuízos na comunicação, redução da socialização e brincadeira dos jovens, inflexibilidade cognitiva e comportamentos repetitivos”, diz Kirsten.
Em humanos, o autismo é mais comum em homens do que em mulheres, chegando a uma proporção de quatro para um. Curiosamente, as características comportamentais do distúrbio foram mais comuns nos machos do que nas fêmeas.
Após analisar o comportamento dos animais, a equipe estudou o cérebro dos ratos afetados e identificou pela primeira vez uma alteração na produção do neurotransmissor dopamina. “Mostramos que o cérebro da prole apresenta redução nos níveis de dopamina e da enzima que participa de sua produção. Essa substância está envolvida no controle de movimentos, aprendizado, humor, emoções, cognição, sono e memória”, acrescenta Kirsten.
Papel do sistema imunológico
O biólogo destaca que um dos objetivos do estudo é alertar para a possibilidade de uma única exposição à toxina bacteriana durante a gestação acarretar o nascimento de um bebê com autismo. “É algo a que todos estão sujeitos”, diz. “Não podemos dizer que toda infecção bacteriana durante a gestação gera filhos com autismo, mas esse é mais um dos gatilhos ambientais que podem desencadear o distúrbio.”
Kirsten explica que, por apresentar características das principais esferas comportamentais ligadas ao autismo, o modelo induzido pela infecção bacteriana materna é completo. “Nosso modelo permite testar uma série de hipóteses e pesquisar eventuais alterações genéticas e proteicas nos cérebros desses indivíduos”, explica.
O estudo também indica a importância do papel do sistema imunológico na gênese do autismo. “Se por um lado mutações e heranças genéticas ligadas ao autismo são relativamente raras, seria difícil imaginar que uma mulher adquira uma infecção durante a gestação? Claro que não”, ressalta. “Isso ajuda a entender o porquê de 1 para cada 100 crianças ser diagnosticada com autismo!”
Atualmente, a equipe testa substâncias que interferem no sistema imune das ratas grávidas infectadas, impedindo que a resposta imunológica da mãe afete o filhote. “Estamos testando anti-inflamatórios nas ratas prenhes e esperamos encorajar futuras intervenções em humanos que amenizem ou mesmo revertam os prejuízos trazidos pelo autismo”, completa Kirsten.
Mariana Rocha
Ciência Hoje On-line