Baía de Guanabara resiste à poluição de metilmercúrio

 

Comer peixes e frutos do mar da Baía de Guanabara pode ser menos perigoso do que imagina o senso comum. Um estudo da Universidade Federal do Rio de Janeiro verificou que os níveis de metilmercúrio nos seres vivos que habitam a baía estão bem abaixo do limite máximo permitido pela atual legislação brasileira para a ingestão de organismos predadores — 1 micrograma de mercúrio (Hg) por grama de tecido fresco.

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A concentração de metilmercúrio foi medida no tecido muscular de animais coletados na Baía de Guanabara, como a corvina (no alto) e a tainha

Há dez anos, a pesquisadora Helena do Amaral Kehrig tem analisado tecidos musculares de animais coletados nas águas da Guanabara. Ela constatou valores da substância inferiores a 0,2 microgramas de Hg por grama de tecido fresco. “Quanto ao mercúrio, os organismos não apresentam problemas para a ingestão humana”, explica.

O mercúrio é lançado na baía por indústrias que utilizam-no como catalisador para a produção de cloro e soda cáustica. Outros rejeitos industriais e urbanos ou tintas de barcos também contribuem para a poluição. Nas águas, o mercúrio passa por um processo de organificação e se transforma no metilmercúrio (MeHg). “Ambientes com muita matéria orgânica e comunidade bacteriana são favoráveis a essa reação”, explica Helena. “As bactérias fazem com que a matéria orgânica forneça o grupamento metil para o mercúrio inorgânico.”

Para o ser humano, o metilmercúrio é um agente neurotóxico que pode causar falta de sensibilidade nas extremidades, tremores, paralisia, cegueira e até a morte. O composto é transmitido de mãe para filho na gestação e pode gerar fetos com deformidades.

 

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Botos cinza achados mortos na Baía também tiveram o tecido muscular analisado

O MeHg se liga às partículas de matéria orgânica, que são consumidas pelos organismos da baía — a começar pelo plâncton (primeiro nível trófico). “À medida que subimos um nível trófico na cadeia alimentar (planctôn, mexilhões, peixes, golfinhos), há um aumento de concentração do MeHg”, explica Helena. Mas como explicar então a baixa concentração de metilmercúrio medida nos organismos da Baía de Guanabara?

 

Um dos motivos é a grande quantidade de material particulado em suspensão na coluna d’água, como esgoto doméstico, plantas, pedaços de pau e animais mortos. Eles têm a capacidade de ‘diluir’ o MeHg lançado no ambiente, que é incorporado em pequenas quantidades por cada elemento. Ao se alimentar dessas partículas, os animais absorvem apenas essa pequena proporção de MeHg. Além disso, com o tempo, todas as partículas presentes na coluna d’água se sedimentam no fundo da Baía.

Outro fator é a presença maciça de nutrientes (carbono, oxigênio, nitrogênio, fósforo, enxofre) na baía, transformados em matéria orgânica por meio da fotossíntese realizada pelas algas. “Onde há muitos nutrientes e matéria orgânica, ocorre o nascimento de muitos organismos que podem incorporar o mercúrio”, explica Helena. Por fim, as correntes marinhas do Oceano Atlântico que entram diariamente na Baía de Guanabara possibilitam a renovação de oxigênio, a troca e a ‘limpeza’ das águas de um dos mais belos e ameaçados cartões postais do Rio de Janeiro.

Denis Weisz Kuck
Ciência Hoje on-line
21/02/03