Por trás do Nobel existe uma série de protocolos e interesses que são pouco conhecidos do grande público. A entrega oficial dos prêmios de 2011 acontece neste sábado (10/12), mas muito antes dessa data começaram os preparativos que culminaram no anúncio dos laureados, em outubro último.
A escolha de cada prêmio é coordenada por diferentes comitês. A Academia Real Sueca de Ciências é responsável pelos prêmios de Física e Química; o Instituto Real Carolíngio Médico-Cirúrgico, pelo de Medicina ou Fisiologia; a Academia Sueca, pelo de Literatura; e o Comitê Norueguês do Nobel, pelo da Paz – o prêmio de Economia não é considerado Nobel por não ter sido estabelecido em testamento pelo criador da premiação.
Todo ano, em setembro, cada um desses comitês, formados por cerca de oito pessoas, convida até três mil membros de academias e associações de ciência, professores universitários, cientistas e políticos de todo o mundo para indicar nomes para a premiação do ano seguinte.
A lista oficial de indicados fica obrigatoriamente em segredo por 50 anos, a não ser que os próprios nomeadores revelem os indicados – prática que é desaconselhada pelos comitês para evitar a formação de campanhas. Como não existe punição para a revelação dos indicados, de vez em quando a informação vaza.
Um exemplo foi a indicação do químico naturalizado brasileiro Otto Gottlieb, que em 1999 foi indicado pela Associação Brasileira de Química para o Nobel por seus estudos sobre a estrutura química das plantas. Na ocasião, a nomeação foi a público e um grupo de cientistas liderado pelo químico Peter Seidl, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, iniciou uma campanha maciça para a aprovação de Gottlieb.
Campanhas como esta são mais comuns para o prêmio Nobel da Paz, fundamentalmente político. O prêmio bateu todos os recordes de manifestação popular em 1990, quando 750 mil cartas foram enviadas para o Comitê do Nobel em apoio a um dos candidatos. Naturalmente, ele não venceu a disputa – e nós só conheceremos sua identidade em 2040.
No entanto, para todas as categorias de prêmio, os comitês são unânimes em afirmar que essas campanhas não têm impacto positivo na decisão final e podem até prejudicar o candidato.
“Lobbies e campanhas sempre têm um impacto negativo em nossas escolhas”, diz Magnus Halldin, integrante da Academia Sueca e do comitê do prêmio Nobel de Literatura.
O mesmo afirma o secretário geral do comitê do prêmio de Medicina, Goran K. Hansson: “Campanhas são raras e quando ocorrem não têm nenhum impacto positivo. Vemos esse tipo de prática com grande ceticismo.”
O comitê do Nobel da Paz também se manifesta contrariamente às campanhas, mas parece ser o mais aberto a esse tipo de manifestação: “Os lobbies e campanhas não têm nenhum impacto, nem positivo nem negativo”, diz o diretor do respectivo comitê, Geir Lundestad. “São uma perda de tempo, embora algumas visitas de partidários possam, sim, trazer informações úteis sobre o candidato.”
Divulgar é a tática
Embora as campanhas sejam mal vistas pelos comitês, a divulgação de personalidades e de seus trabalhos promovida por cientistas e políticos antes da fase de nomeação de candidatos pode ter efeito na escolha dos laureados.
Foi assim com o prêmio Nobel de Física de 2010. O físico brasileiro Antônio Castro Neto, da Universidade de Boston, que acompanhou de perto todo o processo de nomeação e premiação do holandês Andre Geim, conta que o trabalho vencedor era pouco conhecido quando foi publicado. Foi preciso investir na divulgação do estudo sobre o grafeno para que Geim levasse para casa o Nobel.
“Quando o artigo do Geim saiu na Science, em 2004, depois de ter sido recusado por outras revistas, ninguém prestou atenção, poucos viram que era importante”, diz. “Alguns meses depois, ele publicou novos resultados na Nature e a literatura sobre o grafeno explodiu. A partir daí, um grupo de pessoas envolvidas na pesquisa saiu pelo mundo dando simpósios sobre o assunto. A proliferação dessa informação se deu de modo exponencial, por boca a boca, e ficou claro que o trabalho tinha chance de Nobel.”
Em maio de 2010, quando Geim já era um dos cotados para o prêmio, Castro Neto foi chamado para participar do Simpósio Nobel, reunião em que especialistas são convidados a dar palestras sobre os temas científicos mais pungentes. Esse simpósio serve para deixar atualizados os membros do comitê, que dão sua palavra final em outubro.
Ao longo da história, muitos dos trabalhos discutidos nesses simpósios foram premiados com o Nobel. O encontro parece uma ótima oportunidade para se fazer lobby, mas Castro Neto afirma que qualquer iniciativa nesse sentido é perigosa.
“Não existe lobby para o Nobel, ou pelo menos não deveria existir, senão a nomeação pode ser comprometida”, comenta. “É claro que tem a questão do networking e da política, mas o que conta mesmo é o impacto do trabalho. Sem isso, não há chance.”
Para os mais afoitos e desconfiados, o físico avisa: “O melhor que se pode fazer se você quer que alguém ganhe o Nobel é ficar de boca calada depois das nomeações.”
Sofia Moutinho
Ciência Hoje On-line