Um integrante de uma tribo africana emite um trinado seguido de um som semelhante a um ‘brrrr-humm’. Um pássaro se aproxima e, em seguida, alça voo. O humano o segue. E ambos chegam a uma colônia de abelhas. Essa busca conjunta foi agora motivo de investigação científica. E as conclusões sobre essa interação foram surpreendentes.
O início da colaboração entre membros da tribo Yao, de Moçambique, e pássaros-do-mel (Indicator indicator) perdeu-se no tempo e tem sido tema, por séculos, da história oral dessa etnia. Esse binômio raro entre humanos e animais selvagens foi notado ainda no final do século 16 por colonizadores portugueses daquele país africano. Um deles descreveu em livro, publicado no início do século seguinte, que um pássaro adentrava as igrejas para comer pedacinhos da cera das velas. Essa mesma ave, escreveu o cronista, ia de árvore em árvore, para indicar a humanos o local de colmeias. Colhido o mel, as aves, então, refestelavam-se com a cera deixada para trás.
A zoóloga Claire Spottiswoode, da Universidade de Cambridge (Reino Unido), decidiu lançar um olhar científico sobre esse mutualismo. Ela acompanhou, por dezenas de quilômetros, um grupo da tribo Yao (ou Ajaua, ou Jauá) e observou que, com a ajuda das aves, aqueles membros encontravam pelo menos uma colmeia em cerca de 75% das buscas. Sem os pássaros, esse percentual caía para algo em torno de 20%. A pesquisadora notou também que os pássaros apareceriam duas vezes mais quando eram chamados com o ‘brrr-humm’ do que com um barulho aleatório.
Os resultados de Spottiswoode e colegas estão em Science (22/07/16).
Humanos e animais têm longa história de cooperação. Por exemplo, cães ajudam o H. sapiens a caçar há milhares de anos (ver ‘Vida de cão’, em CH 338). O mesmo pode ser dito de falcões e águias. Mas esses animais foram treinados para essas tarefas. Spottiswoode diz que o comportamento dos pássaros-do-mel provavelmente evoluiu por seleção natural, pois o resultado é proveitoso para as duas espécies: os humanos colhem o mel, e os pássaros, a cera. Com a ajuda das aves, os humanos aumentam as chances de colher o alimento; com a ajuda dos humanos, os pássaros obtêm algo inacessível a eles – muitas vezes, a colmeia está no interior dos troncos das árvores, e os membros da tribo, para chegar a elas, têm que usar ferramentas rudimentares, além de fumaça para espantar as abelhas.
A tradição dos yaos diz que, se não for deixada uma recompensa (cera) para os pássaros-do-mel, essas aves, nas caçadas seguintes, podem levar os humanos na direção de um leão ou de uma cobra venenosa.
Os indicadores-grandes – outro nome desses pássaros – são parasitas. Põem seus ovos em ninhos alheios, para serem chocados por outra espécie. Desse modo, os recém-nascidos e jovens não aprendem tal comportamento (mutualismo) com os pais na infância. Segundo a pesquisadora, o que possivelmente ocorre é que eles ganham esse aprendizado mais tarde, observando os membros mais velhos do bando.
Os pássaros-do-mel habitam um vasto território africano e mantêm esse mutualismo com outras tribos. Por exemplo, os hadzas, da Tanzânia, em vez do trinado aliado ao ‘brrr-humm’, empregam, segundo a pesquisadora, um assobio melodioso.
Cássio Leite Vieira
Ciência Hoje/ RJ