A observação dos neutrinos tem trazido grandes novidades para a física de partículas. O Brasil começa a se destacar no campo por meio de projetos como o Double Chooz, uma colaboração internacional que já rendeu a construção de um detector de neutrinos instalada na central nuclear de Chooz, na França.
Os neutrinos são partículas muito difíceis de serem detectadas por terem carga neutra, uma massa extremamente pequena e pouca interação com a matéria. Não faz nem 60 anos que sua existência foi comprovada e, desde então, já se descobriu que existem três tipos de neutrinos, além de suas respectivas antipartículas.
Mais recentemente, no final da década de 1990, os cientistas perceberam ainda que cada tipo de neutrino (ou antineutrino) pode se transformar em outro tipo durante a sua propagação. A esse fenômeno foi dado o nome de oscilação.
O experimento Double Chooz, que reúne pesquisadores brasileiros, franceses, alemães, italianos, russos, japoneses, ingleses e estadunidenses, tem por objetivo justamente observar a transformação dos antineutrinos que são produzidos na fissão do urânio para geração de energia elétrica nos reatores nucleares.
Para isso, serão usados dois detectores idênticos. Um deles ficará a apenas 400 metros dos reatores e, a partir de 2012, vai medir a quantidade de antineutrinos de cada tipo emitidos durante a fissão nuclear. O outro, que já está pronto e começou a funcionar no início do ano, fica a cerca de um quilômetro dos reatores e vai verificar se houve oscilação dos antineutrinos, ou seja, se eles se transformaram.
Dentro de cada detector há 390 fotomultiplicadoras, tubos de vidro que absorvem luz e emitem elétrons. Essas estruturas convertem a luz produzida pelos antineutrinos em sinais elétricos que são processados por computadores.
Mistério da antimatéria
Os cientistas vão comparar os neutrinos medidos pelos dois detectores para obter o chamado ‘ângulo de mistura quântico teta 13’, que é a proporção de antineutrinos transformados depois de oscilar em curtas distâncias. Esse parâmetro é fundamental na física de partículas e até hoje não foi medido com precisão.
“O teta 13, por ser pequeno, é um dos ângulos de mistura mais difíceis de medir e é o que falta para a descrição teórica das propriedades de oscilação dos neutrinos”, explica o físico envolvido no projeto João dos Anjos, do Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas (CBPF).
A expectativa é que a medição do ângulo de mistura possa contribuir para novas descobertas na física e explicar um dos maiores enigmas da astrofísica: o sumiço da antimatéria produzida no Big Bang, explosão inicial que teria dado origem ao universo.
“Pela teoria, deveríamos ter partes iguais de matéria e antimatéria, mas esta última desapareceu”, explica dos Anjos. “O conhecimento do ângulo teta 13 vai possibilitar a medição de outro parâmetro, chamado de ‘fase de violação de carga-paridade’, que pode ser a causa dessa assimetria.”
Brasil em cena
Embora o foco do projeto sejam os antineutrinos, os pesquisadores brasileiros estão responsáveis por desenvolver um módulo eletrônico para detectar múons de alta energia.
Essas partículas, que atingem a Terra a todo instante, geram ruído na interpretação da oscilação dos neutrinos. Ao colidirem com outros átomos, os múons geram nêutrons que podem ser confundidos com os nêutrons provenientes dos neutrinos.
Os módulos eletrônicos nacionais, que já foram desenvolvidos, possuem características únicas e já estão em processo de pedido de patente.
“Estamos participando de uma experiência de vanguarda na física que estuda um fenômeno que pode estar associado a uma nova física além do Modelo Padrão”, aponta dos Anjos.
Em paralelo ao projeto Double Chooz, o mesmo grupo de pesquisadores brasileiros participa da construção de um detector de neutrinos para monitorar a atividade nuclear da usina Angra 2, no Rio de Janeiro. O projeto tem o apoio da Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA), órgão da ONU que reúne os países signatários do Tratado de não proliferação nuclear.
Controle de armas nucleares
Localizado em um contêiner posicionado a 30 metros dos reatores, o dispositivo vai medir remotamente a potência dos reatores e verificar a quantidade de plutônio produzida na queima de combustível nuclear.
O plutônio é matéria-prima para bombas atômicas e o uso de detectores de neutrinos em usinas nucleares é uma estratégia para controlar o possível desvio de plutônio para uso em armas nucleares.
“Os dados coletados pelo detector não dependem das informações de quem gerencia a usina. O equipamento monitora os reatores de forma remota e independente e acusa se o plutônio está sendo retirado”, explica o físico. Hoje, o plutônio produzido em Angra é armazenado em piscinas cheias de água que não deixam a radiação escapar.
Se o projeto tiver sucesso, a técnica poderá ser adotada pela AIEA para monitorar reatores nucleares. O uso do detector em outras usinas espalhadas pelo mundo poderia solucionar impasses como as suspeitas de estoque de armas nucleares no Irã.
“Essa seria uma grande contribuição brasileira para a não proliferação de armas atômicas”, afirma dos Anjos.
Laboratório nas profundezas da Terra
Além do detector de Angra, os pesquisadores brasileiros planejam construir ainda um laboratório subterrâneo de neutrinos em colaboração com a Argentina e o Chile. Em abril deste ano, pesquisadores dos três países se reunirão num workshop em Buenos Aires para discutir o projeto.
A ideia é criar o laboratório a 1.750 metros de profundidade, no túnel Água Negra, que vai começar a ser escavado debaixo dos Andes este ano para transportar mercadorias entre os dois países.
O túnel oferece boas condições para a pesquisa, pois as espessas rochas que o envolvem conferem proteção contra a radiação cósmica que poderia afetar os resultados das medições de partículas.
“Além de projetos de colaboração internacional como o CERN, temos que ter um laboratório na América Latina para realizar experiências como estas, que não dependem do uso de aceleradores”, afirma dos Anjos.
Sofia Moutinho
Ciência Hoje On-line