Segundo Carlos Nobre (foto), a redução das taxas de desmatamento para valores muito menores do que os medidos atualmente é fundamental para que o Brasil se torne o primeiro país tropical desenvolvido.
O Brasil assiste pelo terceiro ano consecutivo à diminuição dos desmatamentos na Amazônia. A taxa de desflorestamento na região caiu 25% entre agosto de 2005 e julho de 2006, o equivalente a uma área de 14.039 km², segundo dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) anunciados na semana passada.
Com a redução, o Brasil deixou de emitir 410 milhões de toneladas de CO 2 na atmosfera e de destruir cerca de 600 mil árvores, o que representa 10% das metas assumidas pelas nações desenvolvidas no Protocolo de Quioto. Os índices previstos para 2007, que serão divulgados no ano que vem, são ainda mais otimistas.
Segundo Carlos Nobre, pesquisador do Inpe e um dos principais nomes da climatologia no país, é preciso reduzir muito mais o desmatamento para que o Brasil atinja o estágio de potência ambiental e socialmente desenvolvida. Nesta entrevista, Nobre, que também é membro do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), fala à CH On-line sobre os recentes índices de desmatamento na Amazônia e os desafios para manter a redução dessas taxas.
Quais os principais fatores responsáveis pela redução dos índices de desflorestamento na Amazônia nos últimos anos?
A capacidade de explicar científica e precisamente as razões da queda da taxa anual de desmatamento observada nos últimos três anos ainda é limitada. Não há dúvida, analisando a situação na fronteira da expansão agropecuária na Amazônia, que somente fatores macroeconômicos, como redução do preço de commodities agrícolas e da pecuária nos últimos anos, não explica a forte redução da área desmatada de 27 mil km² em 2004 para cerca de estimados 9 mil a 11 mil km² em 2007. As ações articuladas de comando e controle, buscando dotar áreas da fronteira do desmatamento da presença do Estado de Direito, tiveram papel importante em desarticular cadeias de atividades ilícitas na exploração madeireira, na grilagem de terras públicas, no desrespeito ao Código Florestal, entre outras. Essas ações de coibir ilícitos têm ganhado eficácia, não apenas pela vontade política de implementá-las, mas também pela disponibilidade e uso de sistemas de monitoramento de alterações da cobertura da vegetação a partir de plataformas espaciais.
Atualmente, quais são as principais conseqüências do desmatamento para o meio ambiente?
Com relação ao aquecimento global, o desmatamento resulta em emissões significativas de gases de efeito estufa (principalmente o gás carbônico e o metano). Globalmente, entre 12% e 25% das emissões totais de gás carbônico têm origem nas mudanças da cobertura de vegetação, principalmente nos desmatamentos de florestas tropicais. No Brasil, segundo o inventário nacional de emissões de gases de efeito estufa, cerca de 3/4 dessas emissões provêm das alterações da cobertura florestal, principalmente dos desmatamentos da floresta tropical e do cerrado. Em resumo, desmatamentos contribuem bastante para o aquecimento global. Além disso, os excessivos desmatamentos modificam o ambiente local, tornando o clima na região mais quente e seco. Há aumento acentuado da erosão e assoreamento, quando os solos perdem a proteção das florestas, perdendo fertilidade. Igualmente as queimadas induzem a grandes perdas de nutrientes, como fósforo e nitrogênio, reduzindo ainda mais a fertilidade do solo. Desmatamentos de grande escala podem já estar afetando a diversidade de espécies biológicas e contribuindo para a extinção de muitas espécies de plantas e animais, ainda que nosso conhecimento aprofundado sobre extinções em andamento na Amazônia seja bastante limitado.
A presença do Estado nas áreas de fronteira do desmatamento teve papel importante para desarticular as atividades de exploração madeireira e permitir a diminuição da taxa anual de desflorestamento na região.
Há vários desafios a serem enfrentados para garantir a continuidade da redução dos desmatamentos na Amazônia. No prazo de 5 a 10 anos, é imperativo aumentar substancialmente a presença do Estado de Direito na fronteira de expansão dos desmatamentos. Ações de comando e controle para coibir os ilícitos devem ser intensificadas. Seria um custoso engano para o país entrar em uma fase de relaxamento em função dos louros conquistados nos últimos anos, imaginando que os vetores dos desmatamentos foram permanentemente desestruturados. Ao contrário, esses vetores estão todos presentes e aguardando o enfraquecimento da presença do Estado para voltar a atuar com a desenvoltura do passado recente. Por outro lado, ações de comando e controle podem por si só reduzir a velocidade dos desmatamentos, mas não impedi-los em longo prazo. Duas outras políticas públicas são necessárias e remetem diretamente à questão da C&T: em primeiro lugar, há que se criar incentivos para uso e recuperação de áreas já desmatadas; e, em segundo lugar, investir em desenvolvimentos científicos e tecnológicos para “trazer valor ao âmago da floresta”, na frase da geográfa Bertha Becker, da Universidade Federal do Rio de Janeiro. O Brasil deve acreditar que é possível um novo modelo de desenvolvimento para a Amazônia, baseado em uma economia da floresta, que agregue valor aos produtos derivados da imensa biodiversidade da região. Nesse contexto, os serviços ambientais dos ecossistemas amazônicos – como armazenar carbono na biomassa e o papel da floresta como sumidouro de gás carbônico atmosférico, o que mitiga o aquecimento global – devem ser valorizados, para aumentar o valor da floresta em pé e beneficiar aquelas atividades que mantenham a floresta tropical.
Qual a importância de manter esses índices de redução do desmatamento na Amazônia nos próximos anos?
O Brasil almeja tornar-se uma “potência ambiental” ou o primeiro país tropical desenvolvido. Para tanto, deve utilizar seus inigualáveis recursos naturais com sabedoria. Reduzir as taxas de desmatamento para valores muito menores do que aqueles medidos atualmente é fundamental para atingirmos o estágio de país ambiental e socialmente desenvolvido. Devemos lembrar que a população do Brasil tenderá a se estabilizar entre 230 e 240 milhões nos próximos 30 anos e, desse modo, é possível repensar o desenvolvimento do país para esse contingente que não explodirá. A eliminação da pobreza e o aumento da qualidade de vida podem perfeitamente ser alcançados para o total da população brasileira nessa escala de tempo sem avançar indefinidamente sobre os ecossistemas naturais.
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva disse estar convencido de que o Brasil pode crescer preservando a natureza. Essa premissa é viável?
Há na Amazônia brasileira cerca de 700 mil km² de áreas desmatadas. Destas, não menos de 200 mil km² estão degradadas ou abandonadas. Igualmente, há no Brasil, no mínimo, 500 mil km² de pastagens improdutivas. Em resumo, o estoque de áreas já alteradas e que podem ser utilizadas prioritariamente para desenvolvimento agrícola, seja na produção de alimentos, de bioenergia ou de materiais, é inigualável em comparação a qualquer outro país do mundo. Políticas públicas devem incentivar o uso mais racional, com melhor ciência e técnica agronômica, dessas áreas, no atendimento dos ditames de desenvolvimento, principalmente da redução da pobreza.
Entrevista concedida a Fabíola Bezerra
Ciência Hoje On-line
16/08/2007