Brasileira premiada por estudo sobre mal de Chagas

O dia internacional da mulher de 2004 traz uma boa notícia para a ciência brasileira. Lucia Mendonça-Previato (foto), professora do Instituto de Biofísica da Universidade Federal do Rio de Janeiro, recebe hoje em Paris o Prêmio L’Oréal-Unesco para Mulheres na Ciência, por seu estudo sobre a bioquímica do Trypanosoma cruzi , protozoário causador da doença de Chagas. A “recompensa”, no valor de US$ 100 mil, premia sua contribuição para o entendimento da ação do parasita e para a busca pelo tratamento e prevenção do mal de Chagas.

Lucia se dedica há 20 anos ao estudo dos açúcares complexos que representam um papel fundamental na comunicação celular — a glicobiologia. Em 1985, ela e sua equipe descobriram, na superfície do parasita, uma enzima que dificulta o combate do T. cruzi pelas células de defesa do corpo humano. Após anos de estudo, os cientistas decifraram duas atividades dessa enzima.

A primeira é a capacidade de retirar um açúcar da célula humana (o ácido siálico) e transferi-lo a si mesmo. A outra é seu poder de ligar-se a células do sistema imunológico e transmitir-lhes informações que as impedem de responder efetivamente na defesa do organismo. A elucidação desse processo poderá apontar o caminho para fabricação da vacina contra o mal de Chagas ou para desenvolvimento de novos quimioterápicos capazes de inibir esse mecanismo de ação e que sejam menos tóxicos para o paciente.

 

O Trypanosoma cruzi é o agente causador da doença de Chagas (imagem: Laboratório de Bioquímica de Parasitas/ USP)

 

É a segunda vez que uma brasileira está entre as ganhadoras desse prêmio. “Levei um susto, não acreditei quando o Günter Blobel [vencedor do Nobel de Medicina em 1999] me ligou”, conta Lucia. O cientista fez parte da comissão julgadora do prêmio, da qual também participou a geneticista Mayana Zatz, a outra brasileira que levou o prêmio, em 2001.

Em sua sexta edição, o prêmio é oferecido pela fabricante francesa de cosméticos L’Oréal e pela Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura (Unesco). Ele é entregue a cinco cientistas, uma de cada continente, com o objetivo de destacar e estimular a contribuição das mulheres para a ciência. Em 2004, a premiação destina-se a trabalhos inovadores em ciências da vida.

As outras ganhadoras da edição de 2004 do Prêmio L’Oréal-Unesco são a sul-africana Jennifer Thomson, da Universidade da Cidade do Cabo, a chinesa Nancy Ip, da Universidade de Ciência e Tecnologia de Hong Kong, a francesa Christine Petit, do Instituto Pasteur, e a norte-americana Philippa Marrack, do Instituto Médico Howard Hughes.

Formada em Ciências Biológicas pela Universidade Santa Úrsula em 71, Lucia Mendonça-Previato ingressou na UFRJ, em 70, como estagiária em microbiologia. Lá, terminou, em 76, doutorado na mesma área e partiu para o pós-doutorado em química de carboidratos, no Canadá, e em glicobiologia, nos EUA.

Previato investirá parte do dinheiro no Laboratório de Glicobiologia da UFRJ, que ela coordena, e dará continuidade ao estudo feito ao lado de sua equipe, formada por José Osvaldo Previato (seu marido), Norton Heise e Adriane Todeschini. Ela considera o prêmio importante para o Brasil, para UFRJ e para incentivar a ciência como um todo — independentemente de ser praticada por estudantes, mulheres ou homens. “Nunca tive problema no meio científico por ser mulher”, conta. “Acho que a mulher está conquistando seu espaço e respeito.”

Renata Moehlecke
Ciência Hoje On-line
Com reportagem de
Carla Almeida e Daniela Oliveira
Jornal da Ciência
08/03/04