Brasileiros decifram DNA do verme da ‘barriga d’água’

Uma pesquisa iniciada em abril de 2002 que acaba de ser publicada na revista Nature Genetics deve trazer benefícios à saúde pública do Brasil e do mundo. O seqüenciamento de cerca de 92% dos genes do parasita responsável pela esquistossomose abre as portas para novos estudos que poderão desenvolver drogas e vacinas contra a doença.

Vermes macho (mais grosso) e fêmea da espécie S. mansoni , que provoca a esquistossomose ou barriga d’água (fotos: Fiocruz)

Cientistas de nove laboratórios paulistas integrantes da rede Onsa (Organização para Seqüenciamento e Análise de Nucleotídeos na sigla em inglês) apontaram 45 genes do Schistosoma mansoni com grande potencial para o desenvolvimento de medicamentos, e 28 outros que podem levar à criação de vacinas. Ao ampliar de 160 para 510 o número de genes plenamente conhecidos do verme e indicar a existência de mais 14 mil, o estudo traz informações valiosas para a compreensão do seu ciclo de vida.

A comparação dos genes descritos com equivalentes conhecidos em outros seres vivos permitiu identificar quais são responsáveis por funções vitais do verme, bem como aqueles que produzem substâncias tóxicas ao homem. Os pesquisadores apontaram a função de cerca de 45% do material genético do parasita: esses genes atuam em processos tão distintos quanto o desenvolvimento de tecidos, a maturação sexual ou o combate ao sistema imunológico humano.

Ao contrário do que se fez no seqüenciamento do genoma humano, por exemplo, o estudo do S. mansoni não buscou descrever a totalidade de seu DNA. A equipe procurou ‘soletrar’ apenas os trechos do código genético diretamente envolvidos na síntese de proteínas, com a ajuda do chamado método Orestes — uma técnica de seqüenciamento desenvolvida no Brasil e aplicada também no genoma do câncer.

 

Os genes do S. mansoni foram seqüenciados nas diversas etapas do ciclo de vida do verme, como nas fases em que ele é um miracídio (esq.) ou uma cercária (dir.). Visite o site da Fiocruz para saber mais sobre a doença

A esquistossomose, popularmente conhecida como ‘barriga d’água’, é endêmica na maioria dos países subdesenvolvidos e atinge aproximadamente 200 milhões de pessoas por ano. Seu controle é muito difícil, pois a proliferação do verme ocorre naturalmente em ambientes sem tratamento de esgoto.

 

“A maior importância da conclusão dessa pesquisa está no apontamento de novos alvos para o estudo da comunidade científica”, aposta Ricardo DeMarco, um dos 37 autores do artigo da Nature Genetics . O projeto foi coordenado por Sérgio Verjovski-Almeida, da Universidade de São Paulo (USP) e teve financiamento de US$ 1 milhão fornecido pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) e pelo Ministério da Ciência e Tecnologia.

Além da USP ainda participaram do estudo laboratórios da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e dos Institutos Adolfo Lutz e Butantan. Este último, aliás, já iniciou, ao lado da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), uma colaboração para a pesquisa de drogas e vacinas contra a esquistossomose.

Na mesma edição da Nature Genetics em que foi publicado o artigo brasileiro, um outro trabalho, assinado por pesquisadores chineses, oferece uma descrição dos genes de uma outra espécie de Schistosoma , encontrada na Ásia. Nesse artigo, a equipe de Ze-Guang Han, do Centro Nacional de Genoma Humano, seqüenciou cerca de 87% dos cerca de 15 mil genes do S. japonicum .

Julio Lobato
Ciência Hoje On-line
15/09/03