Cadeia para quem precisa

Em oito anos, a quantidade de pessoas presas no Brasil mais que dobrou. O dado, à primeira vista, pode sugerir uma eficiência do país no combate à criminalidade, mas revela, ao contrário, um quadro alarmante. A opinião é do sociólogo Rodrigo Ghiringheli de Azevedo, da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS).

“Pôr todos os criminosos atrás das grades não é a solução; em geral é a causa do aumento da violência”, diz Azevedo. O argumento, embora controverso, tem sustentação. Um estudo coordenado pela jurista Ela Wiecko, da Universidade de Brasília, constatou que o índice de reincidência entre condenados a penas de prisão (53,1%) é maior que o dobro da média verificada entre réus que cumprem penas alternativas (24,2%).

O índice de reincidência entre condenados a penas de prisão émaior que o dobro da média verificada entre réus que cumprem penasalternativas

Segundo dados do Departamento Penitenciário Nacional (Depen), do Ministério da Justiça, o Brasil tinha, em dezembro de 2010, 496.251 pessoas presas em penitenciárias estaduais, federais e delegacias de polícia. O número total de vagas, entretanto, era de 298.275.

“Os presídios brasileiros estão superlotados, e ampliar o número de vagas em penitenciárias não é a solução”, afirma Azevedo. Ele explica que aproximadamente um terço da população carcerária está atrás das grades por crimes considerados não violentos, como furto e venda de mercadorias ilícitas.

“A maioria comete esse tipo de delito como forma de sobrevivência, mas, na cadeia, vira massa de manobra para facções criminosas; ao sair da prisão, está mais violenta que antes de entrar.”

Azevedo e Wiecko, junto com o sociólogo José Luiz Ratton, da Universidade Federal de Pernambuco, deram início este ano à pesquisa ‘Descarcerização e sistema penal – A construção de políticas públicas de racionalização do poder punitivo’. Em cada um dos estados, os pesquisadores coordenarão ao longo dos próximos quatro anos trabalhos de iniciação científica, mestrado e doutorado que investiguem as diversas faces do problema.

A intenção é acompanhar o sistema penal brasileiro de modo a materializar informações que apontem as melhores práticas punitivas alternativas à prisão, as reformas legais necessárias para reduzir a população carcerária, a viabilidade do sistema de monitoramento eletrônico de condenados e os casos em que há necessidade de prisão preventiva (determinada antes mesmo do julgamento por conta do risco que um suspeito representa para a sociedade).

De acordo com o Depen, 43,3% das pessoas que estão atrás das grades são presos preventivos ou provisórios, ou seja, já convivem com criminosos violentos antes mesmo de terem sido julgados.

Cela superlotada
Detentos em cela superlotada do presídio de Águas Lindas (GO), em junho de 2009. No final de 2010, o Brasil tinha quase 500 mil presos em penitenciárias estaduais, federais e delegacias de polícia. O número total de vagas era inferior a 300 mil. (foto: Antonio Cruz/ ABr – CC BY 3.0)

Mudança no Código Penal

No último dia 5, o Código Penal brasileiro sofreu alterações com a entrada em vigor da lei 12.403. A principal mudança está relacionada justamente com a aplicação da prisão preventiva, que antes podia ser decretada a acusados de qualquer crime cuja pena de prisão fosse de, no mínimo, dois anos.

Agora, a prisão preventiva só pode ser aplicada automaticamente em casos de suspeita de crimes mais graves, como homicídio qualificado, estupro, formação de quadrilha e manutenção em cárcere privado, com pena superior a quatro anos.

Isso não significa que quem for pego em flagrante cometendo um crime menor não será punido. “A prisão, nesses casos, é substituída por outras medidas, como fiança, proibição de contato com a vítima ou de sair do município, por exemplo”, explica o pesquisador da PUCRS. “Caso haja descumprimento dessas determinações, a Justiça pode decretar a prisão.”

“Muita gente confunde aplicação de pena alternativa com impunidade, mas não há relação entre uma coisa e outra”

Tanto o uso de medidas preventivas que evitem mandar um suspeito para a cadeia quanto a aplicação de penas alternativas a pessoas já condenadas são vistas com bons olhos por Azevedo. “Muita gente confunde aplicação de pena alternativa com impunidade, mas não há relação entre uma coisa e outra.”

A pena alternativa não restringe a liberdade física da pessoa, mas também não deixa de puni-la, já que a obriga a fazer algo que ela não faria espontaneamente. Lesão corporal culposa (quando não há intenção), crime contra a honra e apropriação indébita estão entre as infrações que preveem penas alternativas. “Essas punições podem ser, por exemplo, prestação de serviços à comunidade, limitação de finais de semana ou pagamento de indenização ao Estado ou à vítima.”

Outros países

A ideia de que todo infrator deve ir para trás das grades é ditada principalmente pelos Estados Unidos, país com o maior índice relativo de pessoas presas. Segundo o International Centre for Prision Studies, entidade ligada à Universidade de Essex, no Reino Unido, há 743 indivíduos encarcerados para cada 100 mil norte-americanos.

O Brasil está na 49ª posição nesse ranking, junto com Cabo Verde, com 253 presos para cada 100 mil habitantes. Em termos absolutos, entretanto, o país tem a quarta maior população carcerária do mundo, atrás apenas de Estados Unidos, China e Rússia.

Para o pesquisador da PUCRS, o Brasil deveria seguir o exemplo de países europeus como Alemanha e Bélgica, que investem em políticas de penalidade alternativa, sem, por outro lado, deixar os crimes impunes. Nesses países, a taxa relativa de presos é respectivamente 85 e 97 para cada 100 mil habitantes.

No Índice Global da Paz de 2011, Alemanha e Bélgica aparecem na 15ª e 14ª posição entre os países mais pacíficos do mundo. O Brasil está na 74ª colocação.

Célio Yano

Ciência Hoje On-line/ PR