Cai ou não cai?

Um dos maiores enigmas da física, o sumiço da antimatéria, pode estar (ou não) um pouco mais perto da resolução. Cientistas do experimento Alpha, do Centro Europeu de Pesquisas Nucleares (Cern), fizeram as primeiras medidas diretas da interação de átomos de antimatéria com a força da gravidade. Os dados, depois de aperfeiçoados, poderão fornecer pistas sobre a formação do universo. 

A teoria cosmológica mais aceita diz que depois do Big Bang, que marca o início da expansão do universo, quantidades quase iguais de partículas de matéria e antimatéria surgiram e deveriam se aniquilar. O motivo de a matéria ter sobrevivido e a antimatéria desaparecido é um mistério. 

A antimatéria não é encontrada na natureza. O Athena, experimento antecessor ao Alpha, conseguiu, em 2002, criar os primeiros antiátomos em laboratório, a partir da junção de um próton negativo (antipróton) e um elétron positivo (pósitron), formando um anti-hidrogênio. 

De lá para cá, novos experimentos foram feitos na tentativa de manter a estabilidade do anti-hidrogênio, que se aniquila rapidamente em contato com a matéria. Atualmente, o grupo é capaz de manter a partícula por mil segundos (cinco minutos), tempo suficiente para estudar algumas de suas características.

No novo trabalho, publicado na Nature Communications, os pesquisadores apresentam a primeira medição dos limites de aceleração gravitacional do átomo de anti-hidrogênio, feita ao observarem a influência exercida pela gravidade na antimatéria.

O modelo padrão da física e a teoria da relatividade preveem que matéria e antimatéria se comportam da mesma forma 

O modelo padrão da física e a teoria da relatividade preveem que matéria e antimatéria se comportam da mesma forma e interagem do mesmo modo com a gravidade, ou seja, ambas sofrem atração gravitacional. Essa teoria é a mais aceita e todos os experimentos já feitos apontam para esse caminho. 

No entanto, nenhum experimento até hoje trouxe dados consistentes e diretos dessa interação e outras teorias não podem ser descartadas. Há a hipótese de que poderia existir a antigravidade, uma força que, ao contrário da gravidade, repeliria ao invés de atrair. 

Foi justamente isso que os pesquisadores do Alpha tentaram observar ao medir a aceleração gravitacional dos átomos de anti-hidrogênio. O experimento usou um equipamento chamado de ‘garrafa magnética’, um tubo onde um campo magnético mantém os átomos em suspensão. 

Ao desligar a força magnética, os cientistas observaram se os átomos de anti-hidrogênio caíam para baixo, influenciados pela força da gravidade, ou para cima, como resultado da suposta antigravidade.

“É como se tivéssemos uma garrafa cheia de gás que abrimos lentamente, em cima e embaixo”, explica um dos brasileiros que participa do projeto, o físico Cláudio Lenz, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). “Os átomos do gás podem escapar para cima ou para baixo e o que vemos é quantos escapam e por onde conforme diminuímos o aprisionamento dos átomos.”

Garrafa magnética
No experimento, a antimáteria (em azul) foi aprisionada em um equipamento em forma de tubo e mantida em suspensão por um campo magnético. Ao tocar a matéria, os átomos de anti-hidrogênio se aniquilam e geram energia (linha branca). (imagem: Alpha/Cern)

 Até o momento, as observações mostram partículas de antimatéria indo nas duas direções. Lenz explica que isso acontece porque os átomos agem como grãos de poeira. Mesmo com a força da gravidade, alguns flutuam e não caem no chão de imediato.

Mais precisão

Para obter mais precisão nas medições e chegar a alguma conclusão sobre a antigravidade, os cientistas precisam ter mais controle sobre o movimento dos átomos. Isso pode ser feito resfriando-os. Atualmente, os pesquisadores mantêm os átomos a -272,8º C, o que os torna mais ‘lentos’. 

Outra opção seria usar um equipamento maior, de modo que a queda dos átomos durasse mais tempo e fosse possível observar melhor seu comportamento. Nesse sentido, Lenz diz que a equipe pensa em mudar a posição do equipamento atual para conseguir mais distância. O tubo, na horizontal, tem somente 4 cm de altura. Invertendo-o para a vertical, chega-se a um metro. 

Uma terceira ideia é usar raios lasers nas medições, o que resultaria em dados mais precisos sobre a aceleração gravitacional dos átomos.

Mas tudo isso vai ter que esperar até o final de 2015. No momento, os aceleradores usados para produzir antiátomos no Cern e estudar a antimatéria estão fechados para manutenção.

Lenz acredita que, tomando as medidas para obter mais precisão, a equipe poderia, dentro de um ano, saber se afinal de contas a antimatéria cai para cima ou para baixo.

Mundo paralelo

Os próximos experimentos do Alpha podem tanto confirmar que a antimatéria interage com a gravidade quanto que não interage – e, portanto, existiria uma antigravidade. Pode ainda mostrar que a antimatéria interage com a gravidade, mas de forma diferente – com uma aceleração maior ou menor, por exemplo.

Se os experimentos mostrarem que existe antigravidade, o aparente sumiço da antimatéria poderia ser explicado

Se prevalecer a reposta mais improvável, de que existe antigravidade, o aparente sumiço da antimatéria poderia ser explicado. Nesse caso, logo após o início do universo, matéria e antimatéria não teriam se aniquilado, mas se repelido e existiria um outro universo, composto de antimatéria, em algum lugar distante. 

O cientista participante da pesquisa Joels Fajans, do Laboratório Nacional Lawrence Berkeley, nos Estados Unidos, resume bem tantas incertezas: “Existe a antigravidade? Baseado nos testes que temos feito até agora, não podemos dizer nem que sim nem que não. No entanto, essa á nossa primeira palavra e não a última”.

Sofia Moutinho
Ciência Hoje On-line