Como surgiu a vida na Terra? Uma das grandes perguntas da ciência pode estar mais perto de uma reposta. Muitos cientistas apostam na teoria de que as primeiras moléculas orgânicas vieram para nosso planeta na carona de cometas. A ideia não é nova, mas agora pesquisadores norte-americanos conseguiram as primeiras provas experimentais de que isso seria possível.
Embora muitas moléculas orgânicas já tenham sido encontradas em meteoritos que caíram na Terra, até hoje não foram identificadas nesses corpos celestes estruturas mais complexas, chamadas pré-bióticas, que poderiam ter dado origem à vida. Essa lacuna deixa espaço para outras teorias menos aceitas e mais antigas de formação da vida, como a de que ela teria se originado nos oceanos primordiais do planeta.
O que os cientistas da Universidade da Califórnia e da Universidade do Havaí, nos Estados Unidos, fizeram foi um experimento que recriou as condições de formação dessas moléculas complexas no espaço, antes de caírem na Terra.
Para isso, eles usaram um bloco de gelo astrofísico e uma cópia do gelo dos cometas que contêm substâncias como amônia, metano e dióxido de carbono. Esse bloco, mantido em uma câmera a vácuo, a 10K (zero absoluto), foi bombardeado com feixes de elétrons simulando os raios cósmicos do espaço.
Como resultado, os cientistas verificaram o surgimento de novas moléculas: nove aminoácidos e dois dipeptídeos. O dipeptídeo é a ligação de dois aminoácidos, que são as unidades básicas das proteínas, presentes em todos os seres vivos.
O autor principal do estudo, o químico Richard Ramathies, explica que a presença da ligação dipeptídica entre os aminoácidos do gelo do experimento é um indício forte de que moléculas complexas podem se formar nos cometas.
“Mostramos pela primeira vez que moléculas complexas podem ser sintetizadas sob condições extraterrestres”, diz. “Já é bem aceito que a água da Terra e de outros planetas foi depositada por cometas (que nada mais são do que aglomerados de gelo). Esses mesmos cometas muito provavelmente inseminaram nosso planeta tanto com aminoácidos quanto com dipeptídeos, que podem ter tido um papel muito importante na evolução da vida.”
Outras possibilidades
O astrofísico Enio Silveira, da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, destaca a importância desse estudo para elucidar a origem da vida. Segundo o pesquisador, que faz experimentos semelhantes com gelo astrofísico (ver CH 286), o trabalho de Ramathies traz resultados que merecem atenção.
No entanto, Silveira ressalva que existem várias possibilidades sendo estudadas para a formação de moléculas pré-bióticas. “Essas moléculas complexas que deram origem ao DNA e ao RNA podem ter se formado no espaço, que é a hipótese com que minha equipe e eu trabalhamos, mas também durante ou após a colisão dos cometas na Terra”, afirma.
Outra pesquisa recém-publicada no Journal of Physical Chemistry trabalha com uma dessas alternativas para explicar a origem da vida no nosso planeta. Usando simulações de computador que refizeram em nível atômico o cenário da Terra primordial, pesquisadores norte-americanos e canadenses mostraram que as moléculas pré-bióticas poderiam ter se formado durante a colisão dos cometas na Terra.
“Ao analisar nossas simulações, conseguimos determinar os prováveis produtos químicos da reação que ocorre durante a colisão do cometa”, diz Isaac Tamblyn, da Universidade de Ontário, Canadá. “As pessoas tendem a pensar que um impacto resultaria na quebra das moléculas por causa da pressão e do calor, mas, dependendo dos detalhes do evento, moléculas maiores podem se formar.”
Tamblyn questiona ainda a teoria de que as moléculas-base da vida teriam vindo do espaço. O cientista acredita que mais estudos são necessários para determinar se elas sobreviveriam ao aquecimento pelo qual um cometa passa durante sua entrada na atmosfera terrestre.
“O impacto de cometas pode ter resultado na síntese de moléculas pré-bióticas sem a necessidade de condições especiais no espaço”, diz. “É possível que essas moléculas também tenham surgido fora do planeta, mas até agora não podemos ter certeza. Mais estudos são críticos para entender o papel de diferentes elementos na formação da vida na Terra e em outros planetas.”
Sofia Moutinho
Ciência Hoje On-line