Cautela com o biodiesel

Duas brasileiras estão entre os 20 jovens pesquisadores de todo o mundo contemplados com o prêmio Green Talents [‘talentos verdes’], promovido pelo governo alemão para celebrar estudos na área de sustentabilidade.

As ganhadoras do Brasil são Daniela Morais Leme, doutoranda em biologia pela Universidade Estadual Paulista (Unesp – campus de Rio Claro), e Janaína Accordi Junkes, doutoranda em ciências e engenharia de materiais pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC).

Os estudos de Daniela Morais Leme apontam um possível impacto ambiental associado ao uso do biodiesel. Experimentos realizados por seu grupo indicam que, em caso de vazamento, esse combustível renovável pode danificar o DNA de organismos vivos.

Em caso de vazamento, o biodiesel pode danificar o DNA de organismos vivos

Orientada por Maria Aparecida Marin Morales, Leme realizou testes que simularam o efeito de vazamento de biodiesel na água e no solo.

Os ensaios tinham como objetivo avaliar a taxa de mutações induzidas pelo descarte do combustível na natureza em células em cultura, em cebola e em salmonela, bactéria comumente usada em ensaios desse tipo.

Os experimentos foram feitos com biodiesel de soja, matéria-prima mais usada para a produção desse combustível no Brasil. Os resultados – que ainda precisam ser confirmados por novos estudos – preocuparam os pesquisadores. “O biodiesel se mostrou mutagênico em todos os testes que fizemos”, conta a pesquisadora.

Lima acredita que os resultados podem ser atribuídos a compostos presentes na matéria-prima usada na produção do biocombustível. “A soja tem fitoestrógenos, que são considerados poluentes emergentes, capazes de induzir mutações, e eles não são eliminados no processo de produção do biodiesel.”

Os resultados preliminares, se confirmados, indicam que a escolha da matéria-prima para a produção do biodiesel não deve ser feita apenas em função de critérios de disponibilidade e rendimento, como acontece hoje. “Devemos ter cautela ao tratar o biodiesel como um combustível ambientalmente seguro”, alerta a bióloga.

Green Talents 2010
Daniela Morais Leme (esq.) e Janaína Accordi Junkes, as duas pesquisadoras brasileiras contempladas com o Green Talents 2010 (foto: Bernardo Esteves).

Quatro em um

A outra brasileira ganhadora do Green Talents, Janaína Accordi Junkes, foi contemplada por um estudo que propõe o reaproveitamento de rejeitos minerais e industriais.

A engenheira de materiais desenvolveu um método que utiliza quatro diferentes tipos de rejeitos para a produção de peças de cerâmica para o revestimento de paredes. O trabalho foi desenvolvido durante seu doutorado, orientado pelos professores Dachamir Hotza e Fabiano Raupp-Pereira, da UFSC.

O método utiliza quatro tipos de rejeitos para a produção de cerâmicas para o revestimento de paredes

O pó gerado na produção de brita a partir do gnaisse, rocha utilizada na fabricação do concreto, é um dos resíduos reaproveitados em seu método.

Também entra na receita um outro tipo de poeira, obtida como subproduto do polimento do varvito – rocha usada para produzir placas usadas nas mesas de sinuca.

Completam o pacote o lodo resultante do tratamento de água potável e a argila vermelha, rejeitada por critérios estéticos pela indústria de cerâmica em benefício da argila clara. Junkes fez vários testes e análises até chegar à proporção ideal desses quatro rejeitos para produzir o revestimento de cerâmica.

“As peças produzidas têm 5 por 10 centímetros e são colocadas na parte externa de construções, imitando tijolos”, conta a pesquisadora. “A cerâmica tem uma cor avermelhada por causa da argila utilizada e também por conta do lodo, que também tem grande quantidade de matéria orgânica e um pouco de ferro.”

Junkes sublinha o interesse ambiental da pesquisa. “Ao mesmo tempo em que estamos tirando esses rejeitos da natureza, ajudamos a manter os estoques de argila que, como o petróleo, um dia vão acabar.”

Estímulo para a carreira

Os Green Talents de 2010 foram entregues na última terça em Berlim, em cerimônia presidida pela ministra alemã da Educação e Pesquisa, Annette Schavan. Os ganhadores do prêmio participarão de uma excursão de dez dias por centros de pesquisa alemães e de uma temporada de três meses em uma instituição de sua área na Alemanha.

O anúncio do prêmio contou com a presença da química brasileira Juliana Aristéia de Lima, contemplada na primeira edição do prêmio, promovida em 2009. Lima, laureada por suas pesquisas sobre polímeros biodegradáveis na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), onde está fazendo pós-doutorado, considera o prêmio um grande estímulo para sua carreira.

Ela está atualmente no meio de uma temporada no Instituto Max Planck para Pesquisa sobre Polímeros, sediado em Mainz. “Esta é uma grande oportunidade de estudar aqui”, avalia. “Se você é químico, em algum momento da sua carreira tem que vir para a Alemanha.”

Bernardo Esteves (*)
Ciência Hoje On-line
(*) O jornalista viajou para a Alemanha a convite do Serviço Alemão de Intercâmbio Acadêmico (DAAD)