Cerrado invadido por canaviais

Não é só a Amazônia que sofre as conseqüências da produção em grande escala de biocombustíveis no Brasil. Estudo divulgado pelo Instituto Sociedade, População e Natureza (ISPN) mostrou que o desmatamento anual no cerrado, que chega a ser duas vezes maior do que na região amazônica, acontece, entre outras causas, devido à proliferação das lavouras de cana-de-açúcar para abastecer o mercado promissor de produção de etanol. 

O cerrado, segundo maior bioma do país, é paisagem dominante no Tocantins, onde fica a região do Jalapão (Fotos: Divulgação/ISPN).

O desmatamento avança no cerrado de forma assustadora: é estimado em 1,1% ao ano, ou 22 mil quilômetros quadrados, e já atingiu pelo menos 39% da região. Segundo Donald Sawyer, professor do Centro de Desenvolvimento Sustentável da Universidade de Brasília (UnB) e assessor do ISPN, o desflorestamento no cerrado é proporcionalmente bem maior do que na Amazônia. “Enquanto na região amazônica 700 mil km 2 já foram desmatados, no cerrado, que ocupa uma área de aproximadamente a metade da extensão da Amazônia, esse número chega a pelo menos 800 mil km 2 .”

Segundo maior bioma do país, o cerrado tem mais de dois milhões de quilômetros quadrados. É a paisagem dominante de Goiás, Distrito Federal, Tocantins, Minas Gerais, Mato Grosso e Mato Grosso do Sul e de parte do Maranhão, da Bahia, de São Paulo e do Paraná, além de ocorrer em áreas em Roraima, Amapá e Pará.

Com um clima caracterizado por longo período seco, o cerrado tem uma vegetação bem adaptada, com troncos torcidos e raízes profundas. Mais de 10 mil espécies de plantas e 1.575 de animais compõem sua biodiversidade. E eles perdem seu hábitat a cada dia por causa da expansão da fronteira agrícola.

Indústria canavieira a todo vapor
No estudo, foram analisados mapas do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e do Ministério do Meio Ambiente. A análise mostrou que a indústria canavieira segue a todo vapor em regiões de cerrado: além da ampliação das plantações, novas usinas estão sendo construídas. Só em São Paulo já existem 27 usinas de produção de etanol. Goiás deverá ter em breve um total de 40 e Minas Gerais deverá ganhar mais 14, além das 31 já instaladas.

Mais de 10 mil espécies de plantas e 1.575 de animais compõem a biodiversidade do cerrado. A imagem mostra um buritizal no Mato Grosso.

“O governo fala muito em evitar a expansão da cana para a Amazônia, onde não será permitida a construção de usinas canavieiras. No entanto, não há qualquer política de restrição no cerrado”, alerta Sawyer.

Segundo o pesquisador, a expansão da fronteira agrícola é antagônica à atividade agroextrativista e à pequena produção familiar. “Desmatar para plantar cana afeta diretamente as populações rurais do cerrado, porque as pessoas passam a trabalhar nas plantações, sob condições precárias, o que altera seus padrões de consumo e prejudica a agricultura familiar e o uso sustentável da biodiversidade.” O uso mais adequado da terra também estimularia a permanência dos pequenos produtores agroextrativistas no campo e reduziria sua migração para as periferias urbanas.

O que ainda pode ser feito
Para a equipe do ISPN, a primeira medida para conter o desmatamento no cerrado é estimular a criação de novas áreas de conservação ambiental. “Apenas 4% do cerrado são protegidos por unidades de conservação, como parques nacionais e reservas biológicas”, ressalta Sawyer. A meta internacional é aumentar esse valor para 10%.

Mas, segundo o pesquisador, criar áreas de preservação não é suficiente para proteger o ecossistema do cerrado, incluindo os recursos hídricos e o clima. Ele reforça a necessidade de políticas governamentais para o uso adequado da terra, de forma a promover o desenvolvimento sustentável na região. “Ao contrário da Amazônia, o cerrado não dispõe de um sistema de vigilância ou de políticas eficazes para conciliar o crescimento econômico e a conservação.”

Sawyer sugere que os canaviais sejam expandidos para áreas já desmatadas, como as pastagens, a fim de se evitarem maiores danos à biodiversidade e ajudar a combater o aquecimento global. “O agronegócio do etanol pode diminuir as emissões de gases do efeito estufa por um lado, mas, em compensação, desmata muito mais que a agricultura familiar, gerando emissões diretamente, além daquelas geradas no ciclo total de produção”, pondera. “Todo esse conjunto tem que ser avaliado.”

O pesquisador reconhece o valor do etanol como fonte de energia limpa e sua importância para o desenvolvimento econômico do país. Mas ressalta: “Diante do aquecimento global, o mundo só se preocupam com a Amazônia. Precisamos preservar o cerrado e buscar um desenvolvimento mais sustentável e inteligente.”

Fabíola Bezerra
Ciência Hoje On-line
19/12/2007