Em artigo publicado na revista PLoS Neglected Tropical Diseases, pesquisadores da Universidade de São Paulo mostram que o perfil imunológico de pacientes com mal de Chagas fornece pistas importantes sobre a progressão da doença. A equipe relacionou a atividade de linfócitos específicos com a ocorrência de miocardite chagásica – inflamação cardíaca decorrente do mal de Chagas.
A miocardite ocorre pela presença do parasita Trypanosoma cruzi no coração. O agente causador do mal de Chagas gera lesões no órgão, ativando células do sistema imunológico que promovem uma inflamação intensa e causam o mau funcionamento do coração.
O estudo comparou o sangue de pacientes com miocardite chagásica grave com o de pacientes chagásicos sem complicações cardíacas. A ideia era identificar a atividade do linfócito T auxiliar 17 (Th17) e do linfócito T regulador (Treg) para entender a participação do sistema imunológico na miocardite chagásica.
Em pacientes com miocardite grave, o número de linfócitos Th17 mostrou-se três vezes menor do que em pacientes sem o distúrbio. Já os números de Treg foram semelhantes nos dois grupos, mas João Santana, biólogo coordenador do projeto, explica que existem diferenças na atividade da célula. “Vimos que os linfócitos Treg eram duas vezes menos ativos em pacientes com miocardite grave”, explica.
A equipe também avaliou os níveis do linfócito T auxiliar 1 (Th1), principal célula responsável pela inflamação cardíaca. Quando comparados com chagásicos sem miocardite, pacientes com miocardite grave possuíam no sangue uma quantidade duas vezes maior de proteínas inflamatórias geradas pelo Th1.
O artigo destaca que ainda não existem marcadores para o diagnóstico precoce de miocardite chagásica em pacientes que têm a doença mas não apresentam sintomas. De acordo com o biomédico Tiago Medina, aluno de doutorado de Santana, ao relacionar os níveis dos linfócitos estudados em pacientes com Chagas, é possível prever a evolução da doença. “Observamos que a presença do Th1 no coração de pacientes chagásicos favorece o surgimento das formas graves da doença, enquanto formas menos graves estão relacionadas à presença de linfócitos Treg ou Th17”, explica.
Santana adiciona que o diagnóstico precoce seria possível pela análise das atividades dos linfócitos estudados, feita a partir de testes rotineiros de sangue. “É possível detectar no sangue os níveis das proteínas produzidas pelos linfócitos e saber como a doença está progredindo.”
Novas terapias
O pontapé inicial para um diagnóstico precoce da miocardite chagásica já foi dado, mas ainda não há um caminho exato a ser traçado pelos médicos após a identificação da doença. “O primeiro passo seria eliminar logo o parasita, pois a doença evolui rapidamente”, explica Santana. “No entanto, os medicamentos atuais são pouco eficazes e causam muitos efeitos colaterais.”
Medina acrescenta que conhecer o perfil imunológico da miocardite também pode auxiliar na busca por alvos para o desenvolvimento de novas terapias. “O linfócito Th1 é considerado o grande vilão da miocardite e medicamentos capazes de diminuir a atividade dessas células podem ser perfeitamente empregados como estratégias terapêuticas no futuro”, diz.
Mariana Rocha
Ciência Hoje On-line