Ciência e divulgação: atração magnética

O magnetismo está em toda parte. Vivemos mergulhados em um poderoso campo geomagnético e muitos dos aparelhos que utilizamos no dia a dia baseiam-se em suas propriedades. Mas ainda existe um grande leque de possibilidades a explorar com o desenvolvimento do nanomagnetismo e muito a descobrir sobre a influência desse fenômeno no comportamento dos animais – e até do homem. 

Esses dois ‘polos’ de pesquisa magnética foram abordados em palestras realizadas no Encontro Regional de Ciência, evento promovido pelo Núcleo de Pesquisa em Ciência (Nupesc), com o apoio do Instituto Ciência Hoje (ICH). Realizado no Rio de Janeiro, o evento apresentou a uma plateia formada por estudantes de ensino médio à pós-graduação, temas científicos variados, de áreas como física de partículas, bioquímica, astrobiologia, computação, nanotecnologia e cosmologia. 

Origens

O desenvolvimento do campo magnético está provavelmente ligado à própria existência de vida na Terra – eventos que devem ter ocorrido por volta de 3,5 bilhões de anos atrás. Sem essa magnetosfera protetora, o planeta seria bombardeado constantemente por partículas carregadas que formam o vento solar, o que modificaria bastante nossa atmosfera. Quando a intensidade das emissões solares se intensifica, acontecem fenômenos como as auroras polares e as tempestades geomagnéticas, que interferem nos transportes e nas telecomunicações.

Ávalos: “O campo pode estar desaparecendo por completo ou o planeta passa por um processo de inversão dos polos magnéticos”

Segundo o físico Daniel Ávalos, do Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas (CBPF) e um dos palestrantes do evento, registros recentes têm mostrado mudanças na configuração desse campo – uma redução geral de sua intensidade e o deslocamento do polo norte magnético do Canadá para a Sibéria.

“Há duas possibilidades principais: o campo pode estar desaparecendo por completo ou o planeta passa por um processo de inversão dos polos magnéticos, que ocorre em intervalos de milhões de anos”, afirmou, destacando que ainda não se sabe o motivo das alterações nem seus possíveis efeitos, apesar dos esforços de diversos grupos nessa direção.

Estudar as características do campo geomagnético também pode ajudar a compreender melhor a fauna da Terra. A ciência tem registrado a influência desse campo no comportamento de diversos animais, como formigas, peixes, tartarugas, pássaros, raposas e gnus, particularmente em processos de migração. “Com a ajuda do Google Maps, também foi observado que vacas e veados pastam, em geral, na posição norte-sul”, destacou Ávalos. “A identificação de partículas de materiais magnéticos nos órgãos desses animais pode ajudar a explicar esses comportamentos, mas ainda há muito a ser entendido.”

E o homem?

Estudos recentes encontraram partículas magnéticas em cérebros humanos afetados por doenças degenerativas, mas não chegaram a estabelecer relações diretas entre eles, algo que ainda precisa ser mais pesquisado. “Também existem indícios de que temos mecanismos naturais para detectar o campo magnético, mas não sabemos se nosso sistema nervoso consegue reagir às mudanças nesse campo”, ressalvou. Ávalos também citou dados estatísticos que relacionam a ocorrência de tempestades magnéticas com o aumento de internações em hospitais psiquiátricos, suicídios e ataques do coração.

Além do geomagnetismo, todos os dias entramos em contato com diversos outros campos magnéticos de pequena intensidade, criados por motores, geradores, aparelhagens médicas, alto-falantes, sensores de movimento e outras tecnologias. É o magnetismo que possibilita, inclusive, que você leia esta matéria, já que os discos rígidos dos computadores baseiam-se na gravação magnética. “Cerca de 90% de toda a informação produzida no mundo é armazenada dessa forma”, afirmou o físico Alberto Passos Guimarães, pesquisador do CBPF e um dos fundadores do ICH.

Palestra Nupesc
Alberto Passos Guimarães apresentou algumas das principais perspectivas para a aplicação do nanomagnetismo e valorizou a oportunidade de participar de eventos que apresentam aos jovens a aventura da ciência. (foto: Marcelo Garcia)

Segundo Guimarães, a recente aproximação entre magnetismo e nanotecnologia deve abrir ainda mais possibilidades de aplicação. “Entre elas está a criação de novos processos de gravação magnética, mais eficientes e que possibilitarão o armazenamento de mais informações”, antecipou. “O avanço da spintrônica, que promove o controle não só das cargas, mas também dos spins dos elétrons, promete revolucionar a eletrônica.”

Ávalos destacou, no entanto, que ainda não conhecemos os riscos envolvidos na exposição prolongada a tantos campos magnéticos. “Vivemos em meio a uma poluição magnética causada pelo avanço da tecnologia”, afirmou. “Compreender seus efeitos em nosso comportamento e em nossa saúde pode levar a mudanças políticas, econômicas e industriais importantes.”

Ciência de todos

O Encontro Regional de Ciência do Nupesc termina hoje (3/8) e reuniu um público formado por alunos do ensino médio e universitário, de diversos cursos, além de estudantes de pós-graduação. Para Guimarães, esse tipo de iniciativa é fundamental para a promoção da ciência. “É importante que todo pesquisador entenda que precisa prestar contas à sociedade, fazer seu papel para a democratização do conhecimento e para a divulgação científica”, destacou. “Encontros como esse são oportunidades únicas para compartilhar com os jovens a aventura da ciência.”

Guimarães: “Encontros como esse são oportunidades únicas para compartilhar com os jovens a aventura da ciência”

Sediado em Nilópolis, na Baixada Fluminense (RJ), o Nupesc tem como objetivo estimular a educação e a divulgação científica entre estudantes de todos os níveis e professores do ensino médio, em especial em áreas mais carentes. “O único pré-requisito da ciência é a curiosidade. Por isso, ela deveria ser de todos e não para poucos, como acontece no Brasil”, defendeu Bruno Dias, diretor do núcleo.

Durante o evento foi exibido o documentário ‘Ciência Hoje 30 anos’ e foram sorteadas cópias dos livros Astronomia Hoje e Química Hoje, publicados pelo ICH.


Marcelo Garcia
Ciência Hoje On-line