Ciência e mídia: um casamento em crise?

Não é raro que a comunidade científica se queixe do pouco interesse da mídia pelas pesquisas realizadas no país. Mas essa mágoa pode estar sendo cultivada desnecessariamente. Isso é o que aponta o estudo feito pela bióloga Flávia Natércia da Silva Medeiros e  pelas jornalistas Luisa Massarani e Marina Ramalho, pesquisadoras do Núcleo de Estudos do Museu da Vida, vinculado à Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz).

“Observamos que é relativamente alta a presença de ciência nas capas dos jornais”,  explica Flávia. O artigo foi publicado no periódico História, Ciências, Saúde – Manguinhos, editado pela Fiocruz.

As pesquisadoras analisaram capas de três jornais brasileiros – Folha de S. Paulo, Zero Hora e Jornal do Commercio

Para chegar a essa constatação, as pesquisadoras analisaram, durante o ano de 2006, capas de três jornais brasileiros. Foram investigados a Folha de S. Paulo, com circulação nacional, e dois veículos de alcance regional: a Zero Hora, de Porto Alegre, e o Jornal do Commercio, de Recife.

O trabalho analisou as chamadas de capa dos jornais e tentou responder a perguntas como: o cientista foi mencionado na primeira página? Os dados científicos da pesquisa estão em destaque?

Além disso, o artigo analisou o número de colunas e linhas ocupadas pelos títulos e a presença ou ausência de fotos, infográficos e ilustrações.

Na primeira página

O resultado mostrou que a ciência vem, de fato, conquistando as capas de jornais. No entanto, aponta diferenças que ocorrem de acordo com o perfil de cada veículo.

“A quantidade de chamadas sobre ciência é relativamente alta, mas o número é muito superior em jornais considerados de elite como a Folha de S. Paulo, que teve 298 chamadas relacionadas a ciência e tecnologia em um ano, contra 127 da Zero Hora e 70 do Jornal do Commercio, que são jornais mais preocupados com as notícias do dia a dia da região”, explica Flávia.

A visibilidade da produção científica nacional parece ser favorecida nos jornais que têm uma editoria de ciências

De acordo com a pesquisa, a presença de uma editoria de ciência no jornal também faz diferença na quantidade de chamadas. Veículos com profissionais especializados no assunto tendem a publicar mais matérias do gênero.

A visibilidade da produção científica nacional também parece ser favorecida com a presença de uma editoria especializada no assunto. 

Porém, a quantidade de notícias derivadas de artigos publicados por periódicos estrangeiros como Science e Nature ainda é considerável mesmo em veículos de maior porte.

Essas revistas costumam facilitar o trabalho de editores, oferecendo acesso a seu conteúdo com uma semana de antecedência. A medida é conveniente para os jornalistas, mas talvez não para o público, já que os temas tratados nas revistas estrangeiras nem sempre são os mais relevantes para o contexto nacional. 

Resistência à imprensa

A pesquisadora avalia que ainda há uma certa resistência de pesquisadores brasileiros em divulgar seus trabalhos à imprensa, por medo de distorções de conteúdo e de reprovações por parte de seus pares.

O interesse da mídia pela ciência existe, mas precisa ser ainda mais estimulado

Mas a pesquisa mostrou que, apesar de dar menos notícias sobre ciência, os jornais regionais – como a Zero Hora – preocupam-se em chamar atenção para as pesquisas realizadas por cientistas brasileiros.

No entanto, o propósito seria mais o de apoiar-se em conhecimento científico para abordar temas do cotidiano local do que, propriamente, divulgar determinados estudos ou descobertas.

A conclusão do trabalho, no entanto, é otimista. “O interesse [da mídia pela ciência] existe, no entanto precisa ser ainda mais estimulado“, diz um trecho do estudo, que ainda destaca a necessidade de estratégias para convencer repórteres e editores de que a ciência é suficientemente interessante para render mais capas de jornais.

Debora Antunes
Ciência Hoje On-line

Texto corrigido e atualizado em 19/08/2010.