Quem poderia imaginar que um dia o nome de um ídolo do futebol estaria ligado a questões da ciência? O deputado federal Romário, ex-camisa 11 da seleção, tem demonstrado que se importa mais com o assunto que muitos políticos que não têm nem a fama esportiva a seu favor. O parlamentar é autor de um projeto de lei que pretende facilitar as importações de material de pesquisa. A proposta vem sendo bem vista pela comunidade científica, que acredita, porém, que ela ainda pode ser melhorada.
Não é novidade entre os cientistas a insatisfação com os processos burocráticos para adquirir equipamentos e substâncias estrangeiras usadas na pesquisa. Inspirado pela antiga reivindicação de mais agilidade e simplicidade, o projeto de Romário, PL 4411/12, prevê a criação de um cadastro do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) com os pesquisadores brasileiros que importam material científico.
Os cientistas cadastrados teriam liberação imediata do material de pesquisa na alfândega pela Receita Federal e pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), sem precisar pagar taxas para isso. O projeto prevê ainda a responsabilização do cientista caso ele use o material importando para outra finalidade, que não a declarada.
Para a geneticista da Universidade de São Paulo (USP), Mayana Zatz – que inspirou a criação do projeto ao encaminhar para Romário um documento relatando as dificuldades dos pesquisadores –, a lei vai trazer grandes benefícios se aprovada. Zatz diz já ter sofrido na pele diversas vezes com a burocracia da importação de material.
“Uma vez importei um kit para estudar genes de câncer e a alfândega daqui não liberava o material de jeito nenhum”, conta. “Na época, o governador de São Paulo era o Covas e eu disse a eles que aquela encomenda era de muito interesse do governador, pois poderia ajudar na sua doença. No dia seguinte, o pessoal liberou o ‘remédio do Covas’. De material de pesquisa virou ‘remédio do Covas’.”
A bioquímica Vilma Martins, do centro de pesquisa do Hospital AC Camargo, em São Paulo, destaca que a demora e os entraves na importação tornam injusta a competição da ciência nacional com a feita fora daqui.
“De nada adiantam bons financiamentos se a pesquisa fica presa nas importações”, diz. “A ciência é competitiva e quando temos novas ideias ficamos limitados a esperar por três meses os reagentes necessários. Qualquer cientista nos Estados Unidos recebe reagentes no dia seguinte ao seu pedido.”
Martins e Zatz não são exceções. Segundo um levantamento feito pelo biólogo Stevens Rehen em 2010, 76% dos pesquisadores do país já perderam material científico nas alfândegas e 99% resolveram mudar os rumos das pesquisas por causa das dificuldades para importar as mercadorias.
Ajustes e propostas
O PL de Romário não é a única iniciativa recente para facilitar a importação de material científico. Em março de 2011, foi lançado o CNPq Expresso também para agilizar a retirada da carga importada.
O pesquisador que optar pelo novo sistema recebe tratamento diferenciado por parte da Anvisa e da Receita Federal na hora de pegar a sua encomenda na alfândega. Ele deve avisar com antecedência a data de chegada da sua carga e enviar toda a documentação de importação preenchida. Assim, o material recebe uma etiqueta indicando que deve ser liberado com mais rapidez. Por enquanto, o sistema está ativo em apenas 11 aeroportos do Sul, Sudeste e Nordeste do país e não serve para material perecível.
Apesar dos avanços, o CNPq Expresso e o PL de Romário focam apenas o recebimento do material, mas não facilitam os processos de importação que se iniciam com o preenchimento de documentos e esbarram em burocracias.
“Esse é um dos grandes gargalos que temos em ciência no Brasil”, comenta o patologista Fernando Soares, coordenador do Centro Antonio Prudente para Pesquisa e Tratamento do Câncer. “Muitas vezes quando submetemos um artigo para uma revista, eles nos pedem mais experimentos e dão um prazo para isso. Atualmente, tenho um artigo esperando um anticorpo para ser aceito. Isto faz cinco meses! É lógico que o trabalho já perdeu muito da sua relevância. O problema não é dos sistemas das agências de fomento, e sim da burocracia brasileira.”
Zatz concorda e acredita que o PL merece alguns ajustes. Uma das propostas da geneticista é que os pesquisadores possam importar materiais pequenos, como reagentes, diretamente dos fornecedores.
Para isso, ela sugere a criação de um cartão de crédito nominal ao cientista com o mesmo limite aprovado pelas agências de fomento para a pesquisa, além de um catálogo de substâncias aprovadas pela Anvisa ligado ao cadastro nacional de pesquisadores. Bastaria que o cientista pedisse o material para o vendedor e, sem precisar preencher formulários, teria sua carga enviada e recebida sem barreiras aqui no Brasil.
“O ideal seria que a importação fosse tão fácil quanto comprar um livro na internet”, diz Zatz. “É uma questão apenas de vontade política.”
O PL de Romário foi discutido em uma audiência pública realizada em dezembro. Depois do recesso parlamentar, a relatora Mara Gabrilli vai reescrever o texto, que deve ser encaminhado para análise pelas comissões de Seguridade Social e Família; de Ciência e Tecnologia, Comunicação e Informática; de Finanças e Tributação e de Constituição, Justiça e Cidadania. Se aprovado, o texto seguirá para a apreciação do Senado.
Sofia Moutinho
Ciência Hoje On-line
Este texto foi atualizado para incluir a seguinte alteração:
O deputado Romário era o camisa 11 da seleção, e não 9, como havíamos informado anteriormente. (21/01/2013)