Cientistas: leitores 2.0

Na era da web 2.0, os cientistas estão lendo mais artigos científicos, sem precisar gastar mais tempo com essa tarefa. As responsáveis por isso são as novas técnicas de busca, indexação e recuperação de informação das publicações digitais. O diagnóstico é de dois cientistas da informação da Universidade de Illinois (EUA), que apostam que essa tendência vai se acentuar ainda mais nos próximos anos. 

As novas ferramentas de publicação científica permitem que os cientistas sejam mais seletivos, filtrem melhor as informações relevantes e desenvolvam estratégias mais eficientes de leitura. A conclusão é de Allen Renear e Carole Palmer, que discutem essa tendência em artigo da Science desta semana. 


Ler vários artigos simultaneamente e lançar mão de outros recursos para maximizar a leitura já eram um hábito na rotina dos cientistas. A diferença, apontam os autores, é o uso em ampla escala de ferramentas próprias do ambiente digital, aliada à tendência das publicações científicas de construir redes hipertextuais de artigos.

O impacto disso sobre o cotidiano dos pesquisadores é palpável. De acordo com dados citados pelos autores, o número de artigos lidos por cientista em 2005 era cerca de 50% maior do que no início dos anos 1990, sem que o tempo de leitura tenha aumentado. Na verdade, o tempo gasto para ler cada artigo diminuiu drasticamente: entre o final dos anos 1970 e meados dos anos 1990, a média era de quase 50 minutos; desde então, ela é de pouco menos de meia hora.

A seletividade é uma das características essenciais da nova leitura on-line. Para os pesquisadores 2.0, ler é também editar. “No meio digital, os cientistas podem identificar os segmentos de texto mais relevantes para eles de forma mais eficiente”, explica Carole Palmer à CH On-line. “Hoje eles usam seu tempo na leitura desses segmentos e não no texto como um todo.”

Revolução
Os autores situam no fim dos anos 1990 o que eles não hesitam em qualificar como revolução na forma de ler e publicar artigos científicos. Entre os responsáveis por isso está a linguagem XML (sigla em inglês para “linguagem de marcação extensível”, em tradução livre), que permite a criação de documentos com uma organização hierárquica dos dados e tornou possível a criação de bancos de dados científicos interligados na internet.

Desde então, o uso de ferramentas de busca especializadas, bancos de dados e repositórios de artigos científicos virou rotina na vida dos cientistas. Bancos de artigos como o MedLine ou PubMed permitem encontrar artigos específicos com grande agilidade e têm ferramentas que possibilitam, com poucos cliques, checar as referências bibliográficas ou ler artigos similares com as mesmas palavras-chave, autores ou instituições.

Renear e Palmer acreditam que, na próxima década, os cientistas mudarão a narrativa de seus artigos em função dos recursos da internet e que as suas estratégias de leitura serão ainda mais desenvolvidas. Os textos da rede, apostam eles, tendem a ser cada vez mais repletos de links gerados automaticamente ou pelos próprios usuários.

“Já há muitas narrativas diferentes em blogs, por exemplo, e creio que virão outras mudanças moldadas pelas tecnologias de leitura”, prevê Palmer. “É o momento certo para que autores e editores inovem.”

Novos hábitos de leitura no Brasil
Para entender como os cientistas brasileiros estão vivenciando essa mudança nos hábitos de leitura e publicação de artigos, a CH On-Line ouviu alguns de seus colunistas e ex-colunistas, pesquisadores de diferentes áreas e gerações. Eles reconhecem que estão lendo cada vez mais artigos.

“Leio um número maior de artigos do que há 10 anos, ainda que o número de horas disponíveis para isso naturalmente não possa crescer no mesmo ritmo da acessibilidade”, atesta a neurocientista Suzana Herculano-Houzel, de 36 anos, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). “Gosto muito da disponibilidade instantânea de artigos novos, mas aprecio enormemente a rapidez de acesso também a publicações mais antigas, que consulto muito on-line.”

Os pesquisadores que ouvimos confirmam também uma maior seletividade ao lidar com um volume maior de informação. “Leio muito mais, mas de maneira mais diagonal”, conta o físico Adilson de Oliveira, 42 anos, professor da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar). “Com a internet, recebo a lista de artigos publicados nas principais revistas do meu interesse e, em função do título, leio o artigo inteiro.”

Mas nem todos os pesquisadores ouvidos apontaram mudanças na forma como leem os artigos. “A internet afetou a quantidade de artigos de que tomo conhecimento, mas não a forma como os leio”, pondera o físico Carlos Alberto dos Santos, 62 anos, professor aposentado pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). “Continuo lendo apenas os artigos que atendem às minhas necessidades bibliográficas, que imprimo e leio no papel.”

Já o geneticista Sergio Danilo Pena, 61 anos, professor da Universidade Federal de Minas Gerais, aponta a agilidade como principal diferencial da digitalização dos periódicos. “Com a internet tenho acesso às publicações com muito maior rapidez. Antes, eu pedia separatas dos artigos, que demoravam meses para chegar. Hoje o acesso é instantâneo, leio os artigos assim que são publicados.”

Sofia Moutinho
Bernardo Esteves
Ciência Hoje On-line
13/08/2009