Cinqüenta anos no espaço

Réplica do satélite Sputnik, o primeiro a ser enviado ao espaço, há 50 anos (foto: Nasa).

No dia 4 de outubro de 1957, o primeiro satélite artificial foi lançado ao espaço. Em plena Guerra Fria, a missão, batizada de Sputnik I, foi o símbolo da superioridade tecnológica da extinta União Soviética (URSS). Hoje, meio século depois, a era espacial está consolidada: cerca de 700 satélites artificiais estão na órbita da Terra e prestam serviços de telecomunicações, meteorologia, cartografia e pesquisa, indispensáveis para o mundo contemporâneo. Os programas espaciais, inaugurados com o lançamento do Sputnik, hoje incluem turismo espacial, planos de colonização de Marte e viagens para fora do Sistema Solar, além do possível uso do espaço para a instalação de armas.

O Sputnik, cujo nome em russo significa satélite ou companheiro de viagem, era uma esfera de alumínio, de 83,6 quilos e aproximadamente 58 centímetros de diâmetro, acompanhada de antenas e transmissores de rádio que emitiam um sinal contínuo parecido com um “bip”. Apesar de inofensivo, o som surpreendeu o governo dos Estados Unidos, por mostrar que os soviéticos estavam em seu mesmo patamar tecnológico.

O principal motivo de preocupação, no entanto, não era o satélite, mas sim o foguete que o conduziu. O R-7, responsável por enviar o Sputnik para a órbita da Terra, foi desenvolvido com base nos primeiros mísseis balísticos, o V-1 e o V-2, criados por engenheiros alemães para serem usados na Segunda Guerra Mundial. Concluídos em 1956, um ano antes do lançamento, os testes com o R-7 no oceano Pacífico não atraíram a princípio a atenção da opinião pública.

Na avaliação do físico russo Roald Sagdeev, da Universidade de Maryland (EUA), a construção do foguete R-7 – o primeiro míssil balístico de alcance intercontinental – foi uma resposta soviética à ameaça bélica surgida ao final da Segunda Guerra. O medo desencadeado pelas bombas atômicas lançadas sobre o Japão em 1945 e a ação norte-americana de cercar o território soviético com bases militares representavam perigo iminente.

“O governo soviético percebeu a vulnerabilidade de seu país diante de ataques nucleares”, analisa Roald Sagdeev em artigo sobre os 50 anos do Sputnik publicado na revista Nature desta semana. “O R-7 foi desenhado para ser o veículo de bombas de hidrogênio soviéticas e o seu objetivo não era, a princípio, o lançamento do Sputnik”. Segundo o físico, o governo da URSS passou a usar essa tecnologia para pesquisas astronáuticas graças a Sergei Korolev, engenheiro-chefe do programa espacial soviético.

Corrida espacial

A cadela Laika, o primeiro animal enviado pelo homem ao espaço, a bordo da missão Sputnik II.

O sucesso da missão Sputnik aumentou a tensão entre os EUA e a URSS durante o período da Guerra Fria e deu início à corrida armamentista e espacial entre os dois países. Os soviéticos, a princípio, assumiram a dianteira. Um mês depois do lançamento do Sputnik I, enviaram a cadela Laika a bordo do Sputnik II. Eles foram também os primeiros a lançar uma sonda lunar, a fotografar o lado escuro da Lua e a mandar o primeiro homem ao espaço.

Em 12 de abril de 1961, o cosmonauta Iuri Gagarin foi enviado a bordo da nave Vostok I em um vôo orbital de 48 minutos, na qual pronunciou a famosa frase: “A Terra é azul”. No início daquele ano, os americanos planejavam fazer o mesmo, porém a viagem do astronauta Alan Shepard foi adiada para o mês de maio devido a problemas técnicos. Depois de Gagarin, os soviéticos também foram os primeiros a mandar a primeira mulher ao espaço, Valentina Tereshkova, e a fazer com que astronautas pudessem sair da nave.

Logo após o vôo de Shepard, o presidente John F. Kennedy declarou que os EUA iriam enviar o homem à Lua até o fim da década de 1960, no chamado Projeto Apollo. Após vários fracassos, os norte-americanos só reverteram a situação em 1968, quando a Apollo 8 conseguiu girar em torno da Lua, e em 20 de julho de 1969, dia em que a Nasa levou à Lua a tripulação da Apollo 11, episódio em que o astronauta Neil Armstrong foi o primeiro a andar na superfície lunar e ali fincou uma bandeira americana. Essa aventura, que ele qualificou como um “salto gigantesco para a humanidade”, impulsionou mais ainda o desejo de conquista do espaço.

A era espacial no século 21

Cada vez mais, a exploração espacial tem se pautado por interesses comerciais. Na foto, o astronauta americano Dale Gardner segura um cartaz com os dizeres “à venda”, referindo-se a dois satélites defeituosos que sua equipe resgatou no espaço (foto: Johnson Space Center / Nasa)..

Viagens particulares de turismo espacial – cinco turistas já visitaram a ISS e pagaram 20 milhões de dólares –, astronautas em Marte e expedições fora do Sistema Solar são algumas das previsões da Nasa para o século 21. No entanto, desde o término da Guerra Fria, a crise do império soviético e a estabilidade norte-americana limitaram os recursos para programas espaciais voltados para o desenvolvimento de telecomunicações e observações científicas. “Por mais que a Guerra Fria tenha acabado, a era espacial continuou em expansão. Porém, descobriu-se que o espaço é ótimo para se fazer negócios milionários”, afirma José Monserrat Filho, membro da Academia Internacional de Astronáutica e especialista em direito espacial, se referindo ao mercado de satélites.

Para Monserrat, o lançamento do Sputnik foi um evento mais político do que científico e a população mundial nem sempre percebe quanto os satélites estão presentes no cotidiano. “Antigamente, para se desempenhar serviços de telefonia à longa distância, era preciso cobrir a Terra de torres. Hoje, três satélites conseguem transmitir sinais para todo o planeta”, explica. “Telefonia nacional, internacional e celular, transmissão de rádio, televisão e internet, observação da Terra, meteorologia, navegação, cartografia, prevenção e mitigação de desastres naturais são alguns exemplos de serviços essenciais desempenhados via satélite”.

Cerca de 700 satélites funcionam atualmente no espaço, a maior parte na órbita geoestacionária, aproximadamente 36 mil quilômetros acima da linha do Equador, na qual é possível que o satélite se mova na mesma velocidade que o movimento de rotação da Terra, o que facilita a transmissão. “O congestionamento orbital causado por esse mecanismo é o grande problema do lixo espacial”, aponta Monserrat. “Os satélites duram de dois a sete anos. Se forem destruídos, os pedaços se chocam entre si e com outros satélites, multiplicando a quantidade de lixo na órbita.”

Como metade desses satélites é norte-americana, o governo dos EUA é favorável à instalação de armas no espaço para a sua proteção e continua investindo em programas espaciais militares. “Fala-se hoje no perigo do uso do espaço como campo de batalha. Mas essa guerra espacial já começou a partir do momento em que a mira das armas dos soldados norte-americanos na Guerra do Iraque era calculada por observações de satélites”, polemiza Monserrat. E completa: “A nossa realidade ainda é o uso de recursos espaciais para fins terrestres, inclusive a guerra”.

Fabíola Bezerra
Ciência Hoje On-line
03/10/2007