Cintura fina: uma preferência universal?

 

A famosa Vênus de Milo , exposta no museu do Louvre, é uma escultura que representa a deusa grega da beleza. Sua cintura fina sugere que esse aspecto era associado à beleza na Antigüidade greco-romana.

A beleza é relativa e varia de acordo com os valores de cada sociedade, certo? Um grupo de psicólogos norte-americanos tenta mostrar que não é bem assim. Após analisar a descrição do corpo feminino em obras literárias de diferentes culturas e épocas, eles concluíram que a cintura fina é sistematicamente associada à beleza. Segundo os autores, essa preferência universal seria um mecanismo selecionado evolutivamente.

Os homens valorizam a cintura fina porque essa característica é um indicativo de boa saúde e fertilidade da mulher, de acordo com a equipe de Devendra Singh, professor de psicologia evolutiva na Universidade do Texas em Austin (EUA). A gordura abdominal, medida pela circunferência da cintura, está associada a uma menor taxa de estrogênio e à fertilidade reduzida, além de representar um risco maior de contrair diversas doenças.

Se a hipótese estivesse correta, raciocinou Singh, a valorização da cintura fina deveria ter sido registrada ao longo dos séculos em obras da literatura – “uma janela para a arquitetura da mente humana”, como diz ele. Com o advento da internet, que põe à disposição do público uma infinidade de textos literários de domínio público, ficou fácil colocar a idéia à prova. Os resultados do teste foram publicados esta semana na revista Proceedings B , editada pela Royal Society britânica.

A equipe de Singh analisou referências ao corpo feminino feitas na literatura britânica (prosa, poesia e teatro) nos séculos 16, 17 e 18 – antes do advento dos meios de comunicação de massa, que tendem a padronizar o conceito de beleza. Um mecanismo de busca vasculhou a mais completa base de dados da literatura britânica disponível na internet (o site Literature Online , com mais de 345 mil obras disponíveis) e procurou por menções a partes do corpo feminino previamente selecionadas pelos pesquisadores – além da cintura, seios, quadril, nádegas, pernas, coxas e variantes desses termos.

Os trechos identificados na busca foram analisados pelos pesquisadores, para determinar se cada parte do corpo era descrita como atraente e, nesse caso, se a beleza estava associada à sua forma ou tamanho. Os resultados mostram que, nos textos dos três séculos considerados, a cintura, os seios e as coxas foram as partes do corpo mais freqüentemente elogiadas pelos autores britânicos. Além disso, em todas as 66 menções valorativas à cintura, ela era descrita como fina.

Culturas orientais
Para extrapolar as conclusões a outros universos culturais e mostrar o alcance da preferência pela cintura fina, os pesquisadores decidiram avaliar também a descrição do corpo feminino em textos orientais. Foram selecionados dois poemas épicos indianos – Mahabharata e Ramayana , elaborados entre o século 1 e 3 – e poemas chineses feitos entre os séculos 4 e 6.

Aplicado o mesmo método de identificação e análise das referências às partes do corpo feminino, os pesquisadores constataram que, também nesses textos, as descrições de cintura fina predominaram nas referências valorativas a essa parte do corpo.

“É impressionante como três culturas tão distintas e em épocas diferentes representam uma mesma característica física feminina como bela”, disse Singh em entrevista à CH On-line . Segundo ele, as similaridades reforçam a idéia de que a percepção da beleza tem um componenete biológico. “Mesmo sem o conhecimento médico moderno, os autores britânicos e asiáticos intuíram a associação entre saúde e beleza.”

Bernardo Esteves
Ciência Hoje On-line
10/01/2007