Coleta intensiva ameaça castanheiras

 

Coleta intensiva ameaça castanheiras A coleta intensiva de castanhas-do-pará é uma ameaça para a capacidade de renovação das árvores que produzem essa semente. Aliada ao avanço da fronteira agrícola e pecuária, ela torna a extração insustentável a longo prazo e põe em risco as populações das castanheiras. O alerta foi divulgado por 17 pesquisadores coordenados pelo brasileiro Carlos A. Peres, da Universidade East Anglia (Reino Unido) e da Universidade de São Paulo, em artigo publicado em 19 de dezembro na revista Science .

null Além de comestível, a castanha-do-pará é matéria prima para as indústrias farmacêutica, alimentícia e de cosméticos e tem grande importância para a economia da região amazônica. Só na Amazônia brasileira, são retiradas 45 mil toneladas da castanha por ano, vendidas a mais de US$ 33 milhões. A castanha-do-pará é a única semente comercializada internacionalmente que é totalmente coletada em florestas primárias.

A coleta é simples: o fruto (ouriço) que contém as castanhas se desprende da árvore e pode ser pego no chão. E, embora o extrativismo não traga danos imediatos às castanheiras, ele prejudica a reprodução da espécie. A equipe de Peres concluiu que, em áreas onde há exploração intensa e constante da semente, é pequena a população de árvores com menos de 60 cm de diâmetro à altura do peito (ou DAP, que equivale ao diâmetro a 1,30 m do solo).

Rafael Salomão, engenheiro florestal do Museu Paraense Emílio Goeldi e co-autor do estudo, explica que essas árvores podem chegar a 5 m de DAP e que a escassez de exemplares com menos de 60 cm de DAP indica a falta de castanheiras jovens. “A castanheira leva aproximadamente 18 anos para alcançar os 60 cm de DAP”, diz. “Nossa pesquisa aponta uma relação direta entre o pequeno número de árvores nessa faixa de diâmetro e a ocorrência de extração elevada.”

 

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Garantir a exploração sustentável da castanha-do-pará ajuda a conservar a Amazônia, pois se trata de uma atividade extrativista que não depende do desmatamento (fotos: Carlos A. Peres)

Ao todo, a equipe examinou 22 populações de castanheiras em matas primárias no Brasil, no Peru e na Bolívia, que haviam sofrido diferentes graus de exploração. Para reconstituir o histórico de exploração de cada grupo, os pesquisadores usaram dados públicos e entrevistaram trabalhadores ligados à atividade nas regiões estudadas. Foram estimados a proporção de frutas retiradas e de árvores coletadas, o período de extração desde 1900 e a freqüência com que a colheita foi interrompida durante esse período.

Tais dados foram comparados com informações coletadas pelas diferentes equipes que catalogaram, contaram e mediram as castanheiras. O levantamento permitiu determinar a quantidade de frutificação em cada época e, assim, indicar as relações entre a intensidade da atividade extrativista e a ocorrência de plantas jovens.

“Devemos nos preocupar mais com o extrativismo da castanha-do-pará para garantirmos sua sustentabilidade para os próximos anos”, alerta Salomão. “A reprodução da castanheira é difícil, pois a amêndoa in natura (com casca) demora quase dois anos para germinar e depende de uma clareira para isso.”

Julio Lobato
Ciência Hoje On-line
19/12/03