• Gêmeos dizigóticos, também chamados fraternos ou bivitelinos, são produto da fertilização de dois óvulos diferentes no mesmo ciclo ovariano. Esses gêmeos podem ser do mesmo sexo ou de sexos diferentes e são tão parecidos quanto dois irmãos quaisquer. Geneticamente eles têm em média 50% de compartilhamento genômico.
A humanidade sempre teve enorme fascínio pelos gêmeos, tecendo histórias mitológicas nas quais eles aparecem como conectados de forma especial, parceiros, metades de um todo que se completa, ou até opostos e antagônicos. Eles são paradigmas tanto do igual como do diferente.
Por exemplo, no mito de criação do Egito antigo, o deus da terra Geb e a deusa dos céus Nut eram gêmeos, e também amantes, em eterno abraço. Da união deles nasceram Ísis e Osíris, os mais populares deuses egípcios.
Um mito semelhante aparece na saga dos Volsung da mitologia nórdica, magistralmente contada por Richard Wagner (1813-1883) em sua ópera As Valquírias, parte de O anel dos Nibelungos (curiosamente uma trilogia de quatro óperas, já que a primeira, O ouro do Reno, é, formalmente, um prelúdio apenas). Sigmundo e Sieglinda são irmãos gêmeos que, sem saber disso, tornam-se amantes e geram Siegfried, que irá, ultimamente, por meio de sua relação amorosa com Brunhilda, causar o crepúsculo dos deuses e a ruína do palácio de Valhala. E é exatamente a destruição dos deuses que vai permitir a emergência dos humanos como a força dominante na Terra – uma bela lenda humanista.
Linda imagem da constelação Gemini do atlas celeste Uranographia, desenhado em 1690 por Johannes Hevelius (1611-1687). Imagem: Wikimedia Commons.
Muitos outros pares de gêmeos aparecem na mitologia e conquistam o imaginário popular. Entre eles, podemos destacar Castor e Pólux, lendários personagens gregos, atualmente as estrelas mais brilhantes da constelação de gêmeos (Gemini), um dos doze signos do zodíaco (de 21 de maio a 21 de junho), e também Rômulo e Remo, fundadores de Roma.
Literariamente, inúmeras estórias abordam os gêmeos, sendo comum o tema das confusões geradas pela semelhança fisionômica entre eles. William Shakespeare (1564-1616) conseguiu colocar duas duplas de gêmeos idênticos em uma única peça, apropriadamente chamada A comédia dos erros.
Distinguindo os tipos de gêmeos
A frequência do nascimento de gêmeos varia consideravelmente em diferentes populações: vai de cerca de 1% dos nascimentos nos países europeus a mais de 4% na Nigéria. A explicação para essa diferença apareceu após a invenção de uma simples maneira de calcular qual proporção dos gêmeos é monozigótica e qual é dizigótica.
O chamado Método de Weinberg baseia-se no fato de que gêmeos dizigóticos são metade das vezes de sexos diferentes e metade de sexo igual. Assim, a frequência de gêmeos monozigóticos pode ser estimada diminuindo-se do total o dobro do número de gêmeos de sexos diferentes. Quando isso foi feito, constatou-se algo muito interessante: a proporção de gêmeos idênticos é mais ou menos uniforme em todos os continentes e países (cerca de 0,4%), enquanto o que varia é a magnitude dos gêmeos fraternos. Na coluna do mês que vem entrarei em mais detalhes sobre o significado dessa observação.
Alguns leitores podem indagar se é possível usar o exame da(s) placenta(s) e das membranas fetais para estabelecer a zigosidade de gêmeos. Sabemos que o feto humano, que está ligado ao útero pela placenta, é envolvido por uma membrana amniótica (âmnio), que, por sua vez, é circundada por outra membrana chamada cório. Após o nascimento, todas essas estruturas são expulsas do útero e podem ser estudadas.
Inevitavelmente, todos os gêmeos dizigóticos terão dois âmnios e dois córios. Mas os gêmeos monozigóticos terão somente um âmnio e um cório? Não. Se há apenas um âmnio e um cório (gravidez monoamniótica e monocoriônica) podemos ter certeza que os gêmeos são monozigóticos, mas isso só é visto em cerca de 5% dos casos.
De maneira geral, se a separação e implantação dos gêmeos idênticos é mais tardia, podemos ter dois âmnios e um cório (52%) ou dois âmnios e dois córios (43%). Assim, o estabelecimento do número de córios é de muito pouca valia. Além disso, a análise de membranas é complexa, pois frequentemente elas se colam uma na outra e podem parecer uma só. A análise do número de placentas é igualmente pouco útil, pois é comum gêmeos fraternos terem uma única placenta.
Impressões digitais de DNA idênticas (DNA fingerprints) demonstram com certeza absoluta que dois gêmeos são monozigóticos. Imagem do autor, obtida com a sonda multilocal F10.
Felizmente, o DNA resolve de uma vez por todas esse problema. Na coluna de outubro de 2006 eu escrevi: “Cada genoma humano é único – com exceção de gêmeos monozigóticos, nunca existiram nem vão existir na humanidade dois genomas iguais.” Como hoje em dia o DNA permite estabelecer no laboratório a singularidade do genoma humano, podemos rapidamente resolver com 100% de confiabilidade o problema dos gêmeos: os monozigóticos têm perfis de DNA idênticos; os dizigóticos têm perfis de DNA diferentes (ver figura).
A importância prática principal de saber a zigosidade de gêmeos refere-se principalmente a transplantes de órgãos e tecidos. Enxertos entre gêmeos univitelinos têm 100% de chance de sucesso, porque eles são geneticamente idênticos. Também, filhos de gêmeos monozigóticos são geneticamente equivalentes a meio-irmãos, enquanto filhos de gêmeos dizigóticos são primos em primeiro grau, fatos que podem vir a ter importância para a família.
Curiosidades sobre os gêmeos monozigóticos
Ocasionalmente gêmeos monozigóticos nascem unidos por partes do corpo. A literatura médica, especialmente os tratados de teratologia, contém relatos desses gêmeos conjuntos desde o século 12. Aproximadamente metade dos gêmeos conjuntos é natimorta e apenas 25% vive além da infância.
Curiosamente, não sabemos exatamente as causas desse fenômeno embriológico. Duas hipóteses opostas foram postuladas para explicá-lo. De um lado, temos a proposta de divisão incompleta, que é a mais antiga. Do outro, temos a hipótese de separação completa e posterior fusão parcial das massas celulares. Obviamente, ambas podem ocorrer em casos diferentes. A união dos gêmeos pode ser pelo tórax, abdome, pelve e mesmo pela cabeça. Nesses casos, os gêmeos recebem a nomenclatura arcana de toracópagos, onfalópagos, pigópagos e cefalópagos, respectivamente.
Fotografia dos famosos gêmeos siameses Chang e Eng em 1865. À direita de Chang estão sua esposa Adelaide e seu filho Patrick Henry; à esquerda de Eng, estão sua esposa Sallie e seu filho Albert (foto: Wikimedia Commons).
Certamente os gêmeos conjuntos mais populares da história foram Chang e Eng Bunker (1811-1874), nascidos na Tailândia (que na época era chamada Sião) e posteriormente levados para exibição nos Estados Unidos. Os gêmeos eram unidos pelo osso xifoide, localizado na extremidade inferior do esterno, e por isso eram chamados xifópagos. Eles tinham também os fígados conectados. Hoje esses irmãos poderiam ser facilmente separados.
Chang e Eng administraram bem o dinheiro ganho com suas exibições nos EUA e tornaram-se prósperos cidadãos no interior da Carolina do Norte. Lá, casaram-se com as irmãs (não siamesas) Sallie e Adelaide Yates. Dividiam uma mesma casa e uma cama (muito grande). Chang e Adelaide tiveram 10 filhos; Eng e Sallie, 11. Como as irmãs brigavam muito, acabaram decidindo ter casas separadas: os gêmeos passavam três dias em uma e três na outra. Eng e Chang ficaram perpetuados pelo nome “gêmeos siameses”, que é até hoje usado para denotar gêmeos conjuntos. O termo “gêmeos xifópagos” também é frequentemente usado de maneira geral.
Curiosidades sobre os gêmeos dizigóticos
Na mitologia grega, Castor e Pólux eram filhos gêmeos de Leda, mas tinham pais diferentes: o pai de Pólux era Zeus, o pai de Castor era Tíndaro, marido de Leda. Esse é o primeiro relato do fenômeno que tecnicamente é chamado de “superfecundação heteroparental” ou, mais simplesmente, gêmeos heteroparentais.
Antigamente se pensava que gêmeos heteroparentais eram apenas lendas ou eventos raríssimos. Com o advento dos testes em DNA, que podem estabelecer a paternidade com certeza absoluta, inúmeros casos têm sido relatados e gêmeos com pais diferentes parecem ser um fenômeno relativamente comum. A origem é a fertilização de dois óvulos liberados no mesmo ciclo por dois homens diferentes, como produto de relações sexuais na época fértil do ciclo menstrual. Obviamente, apenas gêmeos dizigóticos podem ser heteroparentais.
O fenômeno de gêmeos heteroparentais é uma prova irrefutável da fragilidade da prova testemunhal em casos judiciais de paternidade, como já tive oportunidade de discutir em detalhe anteriormente ( clique aqui para ler o artigo). Como a concepção ocorre no interior do corpo da mulher, o DNA é a única testemunha admissível.
Considerações finais
Nesta coluna apresentei alguns dados gerais e curiosidades biológicas sobre a gemelaridade. No próximo mês, vamos expandir a discussão e abordar aspectos genéticos do fenômeno. Assim, precisaremos de colunas gêmeas (fraternas) para discutir o fenômeno dos gêmeos (tsk, tsk….). Até lá.
Sergio Danilo Pena
Professor Titular do Departamento de Bioquímica e Imunologia
Universidade Federal de Minas Gerais
10/07/2009