Um dos assuntos mais discutidos pela sociedade e que têm muito espaço na mídia é a questão das extinções causadas pela ação do homem no meio ambiente. Aquecimento global, poluição e desmatamento são alguns dos fatores que, segundo especialistas, estão levando ao desaparecimento de muitas espécies do nosso planeta. E o pior: grande parte dessa biodiversidade nem chega a ser conhecida, pois se extingue antes mesmo de ser documentada.
Mas qual é a gravidade desse problema? Estaríamos nos dirigindo para mais uma extinção em massa? Em busca de respostas para essas perguntas, um grupo de doze pesquisadores liderado por Anthony Barnosky, da Universidade da Califórnia, em Berkeley (Estados Unidos), procurou estabelecer parâmetros e fornecer dados mais concretos acerca desse tema que causa bastante controvérsia.
Com base em fósseis e dados sobre a biodiversidade disponíveis na União Internacional para Conservação da Natureza (IUCN), eles realizaram inferências e comparações de taxas de extinção de espécies atuais e do passado. O estudo acaba de ser publicado pela prestigiosa Nature e mostra que o assunto requer atenção imediata dos nossos governantes.
Os cinco grandes eventos de extinção
Pode parecer estranho aos leitores, mas extinções são processos naturais. Desde o surgimento da vida no nosso planeta – ocorrido em torno de 3,8 bilhões de anos atrás –, existe uma documentação extensa proveniente dos fósseis que demonstra que organismos surgem e desaparecem com o passar do tempo geológico.
O que chama a atenção é quando os eventos de surgimento de novas espécies (especiação) e extinção das já existentes estão em desequilíbrio. Nesses casos, durante um curto intervalo de tempo geológico (no máximo alguns milhões de anos), o número de espécies extintas é bem superior ao de espécies que surgem.
Nos últimos 540 milhões de anos, período cujo registro fóssil é mais bem conhecido, houve apenas cinco episódios em que mais de 75% de toda a diversidade biológica da Terra desapareceram. Por sua magnitude, esses eventos são chamados de extinção em massa.
O primeiro desses eventos ocorreu no final do Ordoviciano, mais especificamente há cerca de 443 milhões de anos. Nesse tempo geológico, a vida se confinava nos mares, que abrigavam diversas espécies de artrópodes, como os trilobitas. Entre os vertebrados, predominavam peixes denominados ostracodermas, que possuíam uma extensa armadura óssea. Segundo a pesquisa de Barnosky e colaboradores, em menos de 2 milhões de anos, 86% de todas as espécies foram extintas.
Outra grande extinção ocorreu ao final do Devoniano, aproximadamente 359 milhões de anos atrás. Apesar do amplo predomínio de formas marinhas, durante esse período geológico estava ocorrendo a conquista da terra firme – não apenas por plantas, mas também por vertebrados como o Tiktaalik roseae. Estima-se que 75% das espécies tenham sido extintas em cerca de 27 milhões de anos.
O maior episódio de extinção de todos os tempos terminou em torno de 251 milhões de anos atrás. Trata-se do evento Permiano, no qual 96% (!) das espécies desapareceram. Durante esse tempo, o planeta abrigava répteis marinhos, como os mesossauros, e as plantas já dominavam a terra firme. Vertebrados terrestres, como Dimetrodon (carnívoro) e Edaphosaurus (herbívoro), também habitavam a Terra, mas não sobreviveram a esse evento de extinção em massa que durou quase 8 milhões de anos.
A quarta ‘megaextinção’ ocorreu após um espaço de tempo menor: no fim do período Triássico, aproximadamente 200 milhões de anos atrás. Cerca de 80% das espécies foram extintas, incluindo diversas plantas e os rincossauros – répteis herbívoros de aparência bizarra. Isso tudo em menos de 8 milhões de anos.
O último desses grandes eventos de extinção em massa – e também o mais famoso – ocorreu no final do Cretáceo, há cerca de 65 milhões de anos. Foi nesse episódio que desapareceram a maioria dos dinossauros (apenas as aves sobreviveram) e outros animais populares como os pterossauros. Em menos de 2,5 milhões de anos, 76% das espécies se extinguiram.
Técnicas de comparação
Após analisar e compilar dados sobre os cinco eventos de extinção em massa, Barnosky e colaboradores se dedicaram a uma forma de comparar o que está ocorrendo nos dias de hoje com o que ocorreu há milhões de anos. Como todos podem imaginar, essa não é uma tarefa fácil, devido às limitações impostas particularmente pelos dados paleontológicos.
Primeiro, o registro fóssil é muito incompleto, tanto do ponto de vista do material encontrado como da diversidade de organismos preservados. Fósseis de animais voadores, por exemplo, tendem a ser raros. O mesmo ocorre com formas que vivem em áreas montanhosas, que não reúnem boas condições para fossilização.
Há também questões relacionadas à taxonomia. Em paleontologia, a identificação de uma espécie está diretamente vinculada a sua morfologia, diferentemente do que ocorre com os estudos genéticos, que, por vezes, são a base para a separação de espécies que têm forma semelhante. Isso significa que a diversidade apontada pelos fósseis pode ser maior do que a reconhecida pelos cientistas.
Existem ainda problemas com relação aos dados disponíveis sobre a biodiversidade atual. Na lista da IUCN, de 1,9 milhão de espécies conhecidas, menos de 3% foram avaliadas com relação ao seu risco de extinção.
Mas o principal obstáculo está ligado ao tempo. Hoje em dia falamos em uma escala de séculos ou de alguns milhares de anos. Já na paleontologia as dimensões são muito diferentes – fala-se em milhões de anos, que podem ser considerados “um piscar de olhos” em termos de tempo geológico.
Mesmo ciente dessas limitações, a equipe de Barnosky procurou realizar inferências sobre taxas de extinção com base em grupos de organismos que têm tanto formas fósseis como recentes. Entre os dados utilizados, os pesquisadores se valeram muito das informações existentes sobre mamíferos e procuraram extrapolá-las para supor o que ocorreria daqui a alguns milhões de anos.
Claro que existem erros que podem ser introduzidos nesse procedimento, já que ninguém sabe se as taxas de extinção são constantes ao longo do tempo (muito provavelmente, não).
Como fonte de dados das espécies recentes, eles usaram a lista apresentada pela IUCN, em que as espécies estão divididas em: extintas, extintas na natureza, em perigo crítico, em perigo, vulneráveis, quase ameaçadas, pouco preocupantes ou com dados insuficientes para classificação.
O resultado desse estudo publicado na Nature aponta que, apesar do que se apresenta, ainda não estamos com taxas de extinção semelhantes às dos cinco eventos de extinção em massa conhecidos, em que pelo menos 75% das espécies do planeta foram extintas.
Mas, se forem consideradas todas as espécies classificadas como ‘ameaçadas’ na lista da IUCN, em alguns séculos poderemos estar caminhando a passos largos para o sexto evento de extinção em massa na Terra. Ou seja, segundo os autores, ainda existe tempo para a introdução de medidas de conservação efetivas que possam evitar essa tragédia.
Alexander Kellner
Museu Nacional/UFRJ
Academia Brasileira de Ciências
Paleocurtas
As últimas do mundo da paleontologia
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Uma paleontóloga será a estrela principal da próxima novela das 19h da Rede Globo, Morde e assopra, de Walcyr Carrasco. Com estreia prevista para o dia 21 de março, a trama contará a história de Júlia (Adriana Esteves), que vem do Japão ao Brasil para estudar dinossauros! A novela, que conta com a consultoria do Departamento de Geologia e Paleontologia do Museu Nacional/UFRJ, trará muitas aventuras e chamará bastante atenção para a pesquisa de fósseis.
Os colegas Bruno Vila Nova e Juliana Sayão (Universidade Federal de Pernambuco) e Antônio Saraiva e João Moreira (Museu de Santana do Cariri, Ceará) acabam de publicar um artigo sobre escavações controladas na formação Romualdo, na Bacia do Araripe, nordeste do Brasil. Entre os diversos fósseis encontrados estão restos de pterossauros, possivelmente pertencentes ao grupo Anhangueridae. O artigo foi publicado na Palaios.
O Museu Nacional/UFRJ reabrirá sua sala dos dinossauros no dia 16 de março. Fechada para a reforma da base do dinossauro Maxakalisaurus topai, conhecido popularmente como Dinoprata, a sala ganhou muitas peças novas – incluindo algumas surpresas! Vale a pena conferir. Mais informações na página do Museu Nacional na internet.
Orlando Grillo e Sergio Azevedo (Museu Nacional/UFRJ) acabam de publicar nos Anais da Academia Brasileira de Ciências um estudo em que apresentam uma metodologia para inferir a posição de vértebras em Staurikosaurus pricei, réptil fóssil do Brasil encontrado em rochas do Triássico do Rio Grande do Sul.
Philip Mannion (University College London, Londres) e Jorge Calvo (Centro Paleontológico Lago Barreales, Neuquén) descreveram novamente o material do dinossauro Andesaurus delgadoi. Coletado em rochas de aproximadamente 90 milhões de anos da província de Neuquén (Argentina) – uma das mais ricas em vertebrados fósseis da América do Sul –, esse dinossauro é considerado um dos mais primitivos do grupo dos titanossauros. O estudo, publicado no Zoological Journal of the Linnean Society, apresenta uma nova diagnose para a espécie.
De 6 a 10 de junho de 2011 acontecerá em San Diego (Califórnia, Estados Unidos) um encontro para discutir adaptações desenvolvidas por tetrápodes para uma vida aquática. Com tema bem específico, esse tipo de evento visa reunir especialistas para tentar resolver questões pontuais que são cada vez mais comuns no mundo da paleontologia. Mais informações na página virtual do Museu de História Natural de San Diego.
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