A ciência é uma maneira de entender o mundo a nossa volta. Contudo, não é a única. As religiões, as artes, a filosofia, entre outras, são alternativas que também constroem uma visão específica sobre a natureza e de como o ser humano está inserido nela. Mas elas são muito diferentes da ciência.
A característica principal do pensamento científico é que as suas afirmativas, proposições e teorias não são absolutas, mas sempre relativas. Os modelos científicos devem sempre ser confirmados, seja por experimentos ou observações que deem sustentação aos postulados e às ideias dos cientistas.
Dentre os diversos ramos da ciência, a física, com a sua visão peculiar, é a que entende os fenômenos físicos na sua forma mais fundamental. As suas teorias são capazes de explicar situações que vão da escala atômica até o universo como um todo.
Além disso, as teorias físicas são válidas também ao longo do tempo. Ao observar as galáxias que estão muito distantes, há milhões de anos-luz (um ano-luz corresponde à distância que um raio de luz percorre durante um ano e equivale aproximadamente a 10 trilhões de quilômetros), não as vemos como elas estão nesse exato momento, mas sim como eram quando a luz partiu delas e viajou por milhões de anos, até chegar a nós.
Quando observamos o céu, estamos olhando para o passado. Ao analisar o espectro eletromagnético das estrelas de uma galáxia, identificamos os elementos químicos da mesma maneira que o fazemos aqui na Terra. Os resultados mostram que as leis físicas funcionam da mesma forma aqui e lá. De fato, os modelos físicos, até agora, funcionam da mesma maneira em qualquer lugar no espaço e no tempo.
Grandes rupturas
Os avanços das ideias ocorrem continuamente na física. A cada semana, milhares de artigos são publicados nas revistas científicas, apresentando novos resultados experimentais e modelos teóricos para explicar fenômenos físicos ou ainda propondo novos que não foram descobertos ou observados. Cabe aos físicos, muitas vezes, imaginar uma forma de comprovar ou refutar as teorias propostas.
Entretanto, em determinados momentos, surgem descobertas ou aparecem novas ideias que podem revolucionar a física. Segundo o filósofo da ciência estadunidense Thomas Kuhn (1922-1996), uma revolução científica acontece quando existe uma mudança de paradigma, ou seja, um determinado modelo ou conjunto de teorias se mostra esgotado para explicar novos resultados.
Uma dessas revoluções aconteceu no começo do século passado, quando o físico Albert Einstein (1879-1955) apresentou a sua teoria da relatividade. Essa teoria, já discutida em outras ocasiões nesta coluna, apresentou uma maneira diferente de entender os fenômenos físicos.
Na época, Einstein estava preocupado com a incompatibilidade que existia entre a chamada mecânica clássica, que foi desenvolvida primeiramente por Isaac Newton (1642-1727), e a teoria eletromagnética, consolidada pelo físico escocês James Clerk Maxwell (1831-1879).
A primeira descreve os movimentos dos corpos. A segunda explica o comportamento dos campos elétricos e magnéticos, mostrando que a luz é uma manifestação desses campos. Contudo, a abordagem das duas teorias simultaneamente se mostrava incompatível, embora os resultados experimentais da época confirmavam as previsões de ambas.
Einstein propôs, então, uma mudança de modelo, ou seja, introduziu novas ideias que permitiram remover as incompatibilidades existentes entre as duas teorias. Ele propôs que as leis físicas são válidas para todos os referenciais inerciais (referenciais que estão em repouso ou se movimentando com velocidade constante) e que a velocidade da luz é constante, independente do referencial do observador.
Em consequência desses dois postulados, os conceitos de espaço e tempo tiveram que ser alterados e estabeleceu-se uma velocidade limite para o universo: a velocidade da luz.
A teoria da relatividade foi tão bem-sucedida que milhares de experimentos verificaram as suas previsões. Mesmo os resultados recentes do experimento Opera (comentando em outra coluna), que supostamente detectaram neutrinos viajando mais rápido que a luz, foram contestados devido a possíveis falhas nos equipamentos.
No entanto, mesmo se os resultados forem de fato confirmados, os postulados de Einstein não serão completamente descartados, mas deverão, sim, ser modificados, da mesma forma que o físico modificou os postulados da mecânica clássica.
Entre validações e refutações
Atualmente, muitos estudos estão sendo realizados para testar os limites das teorias correntes. Entre eles destacam-se os experimentos que vêm ocorrendo no Grande Colisor de Hádrons (LHC, na sigla em inglês), construído com o objetivo de encontrar partículas fundamentais da matéria que somente podem ser observadas em condições muito extremas – de altas densidades de energia.
O grande objetivo do LHC é encontrar o famoso bóson de Higgs. Essa partícula, prevista teoricamente na década de 1960 pelo físico britânico Peter Higgs, ainda não tem confirmação experimental. A sua descoberta validaria por completo o chamado Modelo Padrão, que explica o comportamento das partículas subatômicas.
A detecção do bóson de Higgs comprovaria a existência de um campo invisível que, de acordo com o Modelo Padrão, estaria presente em todo o espaço. O campo de Higgs explicaria a forma como a matéria obteve massa após o Big Bang. Explicando de onde vem a massa de todas as partículas, poderemos finalmente compreender o porquê da existência das estruturas do nosso universo, das estrelas, dos planetas e dos seres vivos.
Mais recentemente, cientistas do FermiLab, o laboratório de física de altas energias mais importante dos Estados Unidos, relataram a observação de resultados que seriam indicação da presença da misteriosa partícula, mas eles ainda não são definitivos e necessitam de confirmação.
Por mais atraente e charmosa que essa ideia possa ser, se os experimentos mostrarem que tal partícula não existe, o Modelo Padrão deverá ser reformulado. Uma nova teoria terá que surgir. E essa nova teoria deverá abranger todos os resultados que o atual Modelo Padrão explica, como as interações fundamentais entre as partículas elementares.
Esse processo de validação e refutação de teorias é que garante que a física, e a ciência em geral, avance. Diferentemente de outras formas de conhecimento, como a religião, em ciência, nenhuma verdade é absoluta ou definitiva; todas são relativas e podem sempre ser revistas.
Einstein, que é o aniversariante da semana, ficaria certamente feliz com os resultados que ainda confirmam e validam suas ideias. Mas também, muito provavelmente, ficaria excitado com um novo desafio a enfrentar.
Adilson de Oliveira
Departamento de Física
Universidade Federal de São Carlos