Raios X, raios gama, raios ultravioleta e micro-ondas são nomes populares e você provavelmente sabe que todos eles representam diferentes formas de radiação eletromagnética. Menos popular é o termo infravermelho, uma radiação que também pertence ao espectro eletromagnético e que se manifesta sob a forma de calor.
Entre a faixa das micro-ondas e do infravermelho existe uma zona pouco explorada científica e tecnologicamente e praticamente ignorada pelo grande público. É dali que sai a radiação terahertz, ou os raios T.
O nome vem da faixa de frequências dessa radiação, entre 0,3 e 3 trilhões de hertz, sendo o terahertz igual a um trilhão de hertz. Portanto, os raios T têm frequência entre 0,3 e 3 terahertz.
Em termos de comprimento de onda, a unidade gêmea da frequência, os raios T vão de 1000 a 100 micrômetros.
Mas se até hoje ela é praticamente desconhecida do grande público, o que a torna digna de ser protagonista desta coluna? Simplesmente conhecer as razões pela sua não-exploração científica e tecnológica em larga escala já justificaria essa divulgação, mas existem motivações mais substantivas.
Depois de muitas e infrutíferas tentativas de aproveitamento dos raios T, parece que agora a coisa vai. Tudo indica que teremos finalmente a exploração da última fronteira de pesquisa em eletrônica de alta frequência.
Há quase 90 anos, mais precisamente em 1923, E. F. Nichols e J. D. Tear publicaram um artigo com o sugestivo título “Unindo os espectros do infravermelho e das ondas elétricas”.
Desde então, cientistas e engenheiros têm, de tempos em tempos, preconizado uma “nova era” para essa fronteira entre o infravermelho e a micro-onda, para logo depois se depararem com resultados pífios.
Uma ideia inovadora
Os desenvolvimentos científicos e tecnológicos nos dois lados da fronteira têm sido notáveis. Só para refrescar a memória com exemplos de artefatos modernos, lembremos: forno de micro-ondas, telefones celulares, telefones sem fio e GPS.
No lado do infravermelho, não é menos notável o desenvolvimento tecnológico, muitas vezes impulsionado por interesses militares. Entre as inúmeras aplicações civis, podemos destacar aquelas relacionadas a pesquisas em astronomia, em química e na análise de objetos de arte, sobretudo pinturas, sem esquecer usos mais corriqueiros, como em saunas.
As três primeiras áreas – astronomia, química e análise de objetos de arte – são também aquelas em que os raios T têm se mostrado mais úteis. Essa utilidade resulta da forma como esses raios interagem com a matéria.
Enquanto a micro-onda, com frequência na faixa do gigahertz, é capaz tão somente de produzir rotações nas moléculas, a parte superior do infravermelho, com frequência maior que 10 terahertz, é capaz de produzir vibrações, resultantes de interações intermoleculares.
Já a radiação terahertz faz as duas coisas simultaneamente. A análise com raios T permite, ao mesmo tempo, a análise de materiais quanto à sua estrutura molecular – assim como a análise com micro-onda – e quanto à sua composição química – do mesmo modo que a análise com infravermelho.
A resposta que se obtém quando raios T interagem com determinado material é algo comparável às nossas impressões digitais, e é esse mesmo o termo utilizado pelos pesquisadores: impressão digital da molécula ou do material analisado.
Esse comportamento extremamente interessante é conhecido desde os anos 1920, mas foi necessário esperar por uma ideia bastante criativa para que feixes de raios T com alta luminosidade e grande faixa de frequências pudessem ser produzidos.
Sem entrar em muitos detalhes – precisaria de uma coluna inteira para fazê-lo –, o importante aqui é saber que essa ideia inovadora, originada nos laboratórios Bell, no final dos anos 1980, faz uso de um laser de femtosegundos (femtosegundo é um quadrilionésimo de segundo).
Quando um pulso emitido pelo laser atinge uma antena fotocondutiva – material que emite pulsos elétricos quando iluminada, também inventado pelos pesquisadores da Bell –, o resultado é a emissão de pulsos com frequências entre 300 gigahertz e 10 terahertz.
Tão interessante quanto isso é o fato de que pequenas modificações técnicas na estrutura do circuito transformam uma antena emissora em receptora, dois elementos importantes para o funcionamento de um equipamento de raios T.
Seu alto poder de penetração em materiais desidratados, não-metálicos, plásticos, papéis e cartolinas e sua impenetrabilidade em materiais metálicos e líquidos polares como a água fazem da radiação T uma excelente ferramenta para obtenção de imagens, uma das aplicações mais extasiantes da atualidade.
Uma pedra no caminho
Embora possua componentes sofisticados, como o laser de femtosegundo e as antenas fotocondutivas, o equipamento para obtenção de imagens com raios T tem estrutura básica e princípio de funcionamento bastante simples.
Quando o feixe do laser atinge a antena emissora, esta, por ser de material fotocondutor, produz pulsos de raios T, os quais são modificados, em sua forma e frequência, em decorrência da interação com o material da amostra. Um sistema eletrônico convencional transforma os sinais elétricos produzidos pela antena em imagens.
Um cálculo simples mostra a eficiência desse sistema de aquisição de imagem com raios T. Antes do uso do laser de femtosegundo e das antenas fotocondutivas, seriam necessários 15 dias para a obtenção de uma imagem de 100 pixel x 100 pixel com raios T. Com o sistema desenvolvido pelo pessoal da Bell é possível analisar 100 pixels por segundo, de modo que a imagem de 100×100 é obtida em pouco mais de 1 minuto.
Muitos dos resultados de aplicações analíticas da radiação T são similares àqueles obtidos com o infravermelho. Já nas aplicações com imagens, além das duas formas de radiações eletromagnéticas, os raios X aliam-se na concorrência. Em determinados aspectos, uma pode ser melhor do que a outra.
Recentemente, pesquisadores da Universidade de Tecnologia de Delft, na Holanda, mostraram como os raios T podem ser utilizados, de modo não destrutivo, para determinar espessuras de camadas de tinta abaixo de uma pintura, algo impossível com o uso de raios X ou infravermelho.
Ao contrário dos raios X, os raios T não ionizam o material analisado e, ao contrário do infravermelho, não o aquece por causa da baixíssima intensidade necessária para a realização das análises.
Apesar de todas as vantagens apontadas até aqui, ainda há uma séria limitação a ser superada nos atuais equipamentos: a baixa resolução espacial. A resolução espacial dos equipamentos atuais está na faixa do milímetro, ou seja, objetos na escala micrométrica não são bem identificados.
Aumentar a resolução espacial dos equipamentos de raios T é, portanto, um efervescente desafio de pesquisa, que poderá fazer com que a radiação terahertz seja digna dos sonhos dos pesquisadores da área.
Carlos Alberto dos Santos
Pró-Reitor de Pesquisa e Pós-Graduação
Universidade Federal da Integração Latino-americana (Unila)