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sobre a ilha de James Ross
Quem nunca sonhou em conhecer a Antártica? Ela desperta a admiração de todos, e não é para menos. O sétimo continente coleciona superlativos – trata-se da região mais isolada, mais fria e mais árida do planeta. Mas é também um continente considerado estratégico por vários motivos, como suas riquezas minerais e até questões de navegação e comércio futuros – para não mencionar que ali está o maior reservatório de água potável do mundo, com cerca de 80% de toda a água doce da Terra.
Com tantos interesses, ficamos felizes em saber da existência do Tratado da Antártica, no qual seus signatários se comprometem, entre outras coisas, a manter o uso do continente apenas para fins pacíficos – com ampla liberdade para a cooperação científica –, a preservar seu ecossistema e a congelar qualquer pretensão territorial por um determinado tempo.
Do ponto de vista científico, mais especificamente da paleontologia, a Antártica é um vasto “deserto”, uma área praticamente desconhecida. Duas perguntas básicas orientam as buscas dos pesquisadores naquela região: quais organismos viveram ali no passado geológico da Terra e como evoluíram?
Procurando ajudar a responder estas perguntas, foi criado o projeto Paleoantar, uma iniciativa coordenada pelo Museu Nacional/UFRJ e financiada pelo CNPq. Em sua primeira fase de atividades, essa iniciativa teve como objetivo geral a coleta de dados geológicos e paleontológicos na ilha de James Ross, próxima à Península Antártica.
As atividades nesta primeira etapa foram concentradas na região de Bibby Point – elevação de rochas vulcânicas de grande beleza –, na baía Brandy, no cabo Lachman e em Santa Marta Cove. As camadas estudadas se formaram há cerca de 70 milhões de anos, quando essa região era bem mais quente do que nos dias de hoje e abrigava uma fauna e flora praticamente desconhecida pela ciência.
A viagem
O período total do trabalho de campo foi de 37 dias. Saímos do Rio de Janeiro no dia 26 de dezembro. O acampamento foi lançado no dia 14 de janeiro e retirado no dia 19 de fevereiro deste ano. Além deste colunista, participaram nas atividades de campo os pesquisadores do Museu Nacional Marcelo de Araújo Carvalho (coordenador substituto) e Renato R. C. Ramos, o técnico Helder de Paula Silva e os alunos Orlando N. Grillo e Pedro S. R. Romano. Também participaram o paleontólogo Douglas Riff Gonçalves, da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia, e os alpinistas Francisco E. S. Petrone e Roberto do Val Vilela, ambos do Clube Alpino Paulista (CAP), totalizando nove integrantes.
A equipe do Paleoantar, juntamente com os membros de outros projetos, foi levada para a região de pesquisa pelo navio de apoio oceanográfico Ary Rongel. Para chegar a James Ross, o Comandante José Carlos Parente passou duas noites em claro – os campos de gelo no mar de Wedell trouxeram alguns momentos de muita apreensão. O mesmo aconteceu na retirada – efetuada por dois helicópteros Esquilo biturbina, com capacidade de 400 kg. Felizmente, deu tudo certo.
Como resultado, o Paleoantar coletou algo em torno de 2.700 quilos de rochas e fósseis – bem mais do que se esperava. Em sua grande maioria, são restos de plantas – folhas e troncos, incluindo um de quatro metros e meio – e invertebrados, como bivalves e amonóides. Também tivemos a felicidade de encontrar restos de vertebrados – ao que consta, os primeiros achados por uma equipe brasileira –, incluindo uma seqüência de vértebras de um réptil marinho e dentes de tubarão, além de outras peças que ainda precisam ser identificadas.
É sempre bom ter em mente que, apesar de já existir um conhecimento de fósseis da ilha de James Ross produzidos por diversos pesquisadores que ali estiveram antes da equipe brasileira, particularmente geólogos e paleontólogos ingleses e argentinos, ainda resta muito a aprender e o material coletado pelo Paleoantar é extremamente importante para esse fim.
Outro produto paralelo que foi obtido é a documentação visual, com várias horas de filmagens e quase 20.000 (!) fotos. Estão sendo organizados um documentário sobre o projeto e uma exposição para o ano que vem (se forem encontrados os patrocinadores…). A preocupação de documentar as atividades da expedição está relacionada com a missão educativa de instituições como o Museu Nacional, que visam à democratização da ciência.
Impressões
Várias vezes me perguntaram qual era minha impressão sobre a Antártica. Confesso que, durante as semanas passadas na ilha de James Ross, muitas vezes contemplei a paisagem e me perdi nos meus pensamentos tentando sintetizar os sentimentos que aquele lugar despertava. Essa região é fascinante por unir três características bem diferentes: uma beleza singular, uma evidente fragilidade e uma intensa agressividade!
A beleza se deve à união de rochas com neve e Sol: poucos lugares possuem um pôr do Sol tão bonito, tingindo as nuvens com cores tão variadas que, se fossem pintadas, seriam tidas como frutos da imaginação de um artista com mente fértil. Sem contar as paisagens nos dias ensolarados após uma tempestade de neve e as mais diferentes formas de icebergs que passam no canal Príncipe Gustavo, por vezes encalhando nas praias da ilha.
A fragilidade se explica pela reduzida quantidade de vida daquela ilha. A vegetação de musgos e liquens, a baixa diversidade de animais e as dezenas de carcaças de focas encontradas dão a impressão de um ecossistema delicado.
Contrastando com isso está a violência das tempestades e a fúria dos ventos! Nos 37 dias que passamos ali, em pelo menos um terço do tempo não houve condições de trabalho. Acordar com um belíssimo Sol e dormir em meio a uma intensa tempestade, com ventos entre 80 a 100 km por hora, ou adormecer sob um céu estrelado e despertar com mais de meio metro de neve em frente (quando não dentro!) da barraca foram apenas algumas das situações pelas quais passamos. Mesmo tendo sido avisados destas condições, vivenciá-las é uma experiência sem igual.
E agora? Qual é o futuro do Paleoantar? Como é comum em trabalhos de paleontologia, dificilmente uma etapa de campo é o suficiente para a conclusão das pesquisas. Por isso, acaba de ser submetido um novo projeto com o objetivo de realizar mais coletas na Antártica, que serão comparadas aos resultados obtidos nesta primeira experiência. Oxalá tenhamos êxito, o que dará aos paleontólogos brasileiros a chance de contribuir um pouco para o conhecimento da diversidade da vida do passado desse fascinante continente!
Alexander Kellner
Museu Nacional / UFRJ
Academia Brasileira de Ciências
19/03/2007
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