A mais velha luz do universo

Pelo que sabemos da literatura científica, o universo passou por diferentes condições de temperatura e constituição de seus componentes, desde a sua criação até os dias atuais.

Aparentemente tudo começou com a sopa primordial, uma extremamente densa e quente mistura de matéria e luz. A densidade de massa era tão grande, que os fótons de luz não podiam sair de lá. Bastava um pequeno deslocamento e logo eram absorvidos por alguma partícula.

De repente aquele universo primordial começou a se expandir em alta velocidade e explodiu, liberando seu conteúdo para formar o universo que hoje conhecemos. Essa explosão ficou conhecida como Big Bang, e a luz que saiu dali, conhecida como radiação cósmica de fundo (RCF), continua circulando e testemunhando o início do universo.

Expansão de universo plano
Representação artística da expansão de parte de um universo plano. De acordo com o modelo do Big Bang, o universo se expandiu a partir de um estado extremamente denso e quente e continua a se expandir atualmente. (imagem: Wikimedia Commons)

O termo ‘luz’ aqui usado refere-se a qualquer radiação do espectro eletromagnético. A luz visível aos nossos olhos só apareceu no cosmo cerca de 400 milhões de anos após o Big Bang, quando começaram a surgir as primeiras estrelas.

O que havia antes do Big Bang, ninguém sabe, e o que ocorreu logo depois só poderá ser inferido se as mensagens que a RCF é capaz de transmitir forem interpretadas.

O Big Bang ocorreu há mais de 13 bilhões de anos, mas seus sinais transmitidos pela RCF só foram detectados e identificados como tais há 50 anos.

A título de introdução, discutirei nesta coluna como a investigação dessa radiação eletromagnética fornece elementos importantes para se compreender a evolução do universo.

Radiação cósmica de fundo

A RCF é um fraco sinal eletromagnético com frequência na faixa de micro-ondas (entre as ondas de rádio e o infravermelho). Ele é tão fraco, que pode ser confundido com ruídos produzidos pelos equipamentos de detecção.

Quando estavam realizando as medidas que resultaram na descoberta da RCF, Arno Penzias e Robert Woodrow Wilson chegaram a pensar que o sinal poderia ser um ruído produzido por fezes de pombos deixadas na antena receptora.

Arno Penzias e Robert Wilson
Nos Laboratórios Bell, em Holmdel, Nova Jérsei (EUA), os radioastrônomos americanos Arno Penzias e Robert Wilson observam a antena usada para descobrir a radiação cósmica de fundo. O equipamento, de 15 m, foi construído em 1959. (foto: Nasa)

Diante da certeza de que aquele era um sinal cósmico, muito investimento foi feito para sua investigação. Por essa descoberta, Penzias e Wilson foram agraciados com o Prêmio Nobel de Física de 1978.

Com o avanço da tecnologia de detecção de sinais eletromagnéticos e com a ajuda de modelos cosmológicos elaborados desde a criação da teoria da relatividade geral, de Einstein, as observações de sinais da RCF permitem desenhar um cenário bastante razoável do que aconteceu logo depois do Big Bang e da evolução de eventos subsequentes.

Uma das alternativas para descrever tal cenário é viabilizada por meio do Modelo Cosmológico Padrão (MCP). De acordo com esse modelo, o universo começou a irradiar quando a RCF foi produzida, 380 mil anos depois do Big Bang. No entanto, a luminosidade no visível só veio 400 milhões de anos após a explosão, quando surgiram as primeiras estrelas.

Evolução do universo
Representação da evolução do universo, desde a ocorrência do Big Bang, baseada em dados obtidos pelo veículo espacial WMAP, a bordo do qual foram instalados equipamentos para medir a radiação cósmica de fundo. (imagem: Nasa)

Assim como a luz solar é polarizada ao interagir com partículas da atmosfera, a RCF, ao interagir com a matéria existente no universo primordial, deve ter sido polarizada em seguida à sua produção. O problema é que, de acordo com o MCP, só uma pequena parcela dessa radiação foi polarizada, dificultando sua detecção.

Somente depois dos anos 2000 é que passamos a contar com recursos tecnológicos capazes de realizar esse tipo de medida. Entre tais recursos, destacam-se os sensores supercondutores de polarização e os sensores quânticos de corrente elétrica.

Modelos teóricos sugerem que pequenas variações na energia do universo, antes do Big Bang, produziram ondas gravitacionais, como aquelas previstas na teoria da relatividade geral, de Einstein.

Ecografia de um universo-bebê

Não queira saber como são essas ondas gravitacionais. Elas não oferecem uma visualização aos nossos olhos como as ondas do mar. Resultam de modelos matemáticos, nos quais são como as ondas do mar, só que no espaço ocupado por campos gravitacionais.

Apesar de inúmeras tentativas, jamais haviam sido detectadas, até que recentemente medidas de polarização da RCF feitas com o auxílio de um radiotelescópio instalado na Estação Polo Sul Amundsen-Scott, na Antártida, sugeriram sua existência.

As ondas gravitacionais estão sendo ‘observadas’ a partir do efeito que causam na radiação cósmica de fundo

Para alguns pesquisadores, isso foi como procurar agulha em um palheiro. Mas, em vez de uma agulha, acharam um pé-de-cabra, tal a quantidade de informações cosmológicas que as medidas podem proporcionar.

As ondas gravitacionais estão sendo ‘observadas’ a partir do efeito que causam na RCF. A radiação polarizada sempre vibra em determinada direção. Ao atravessar uma região onde existe onda gravitacional, essa direção de polarização pode girar, à direita ou à esquerda.

Os cosmólogos denominam o fenômeno de polarização tipo-B e o consideram uma espécie de impressão digital das ondas gravitacionais. O conjunto de medidas e interpretações constitui o que alguns chamam de ecografia de um universo-bebê.

Carlos Alberto dos Santos
Professor-visitante sênior da Universidade Federal da Integração Latino-americana