A origem dos vertebrados revista

Uma possível cena no fundo do mar pouco após o surgimento dos vertebrados. No lado direito da ilustração, temos um representante dos equinodermas (grupo dos ouriços-do mar) um cefalocordado, similar a um peixe sem ossos. No lado esquerdo, um animal do grupo dos tunicados, que se parece com um saco de tecido mole, e um peixe bem primitivo, um dos primeiros vertebrados  – o Sacabambaspis , encontrado em rochas de 450 milhões de anos da Bolivia (arte: Maurílio Oliveira).

Vertebrados são todos os animais que possuem uma espinha dorsal, que pode ser cartilaginosa, no caso de tubarões e raias, ou formada de ossos. O grupo abrange desde os diferentes tipos de peixes, anfíbios e répteis – como pterossauros e dinossauros – até aves e mamíferos, inclusive a nossa própria espécie – não é por acaso que despertam tanto interesse!

Se consultarmos os livros-texto de biologia, mais especificamente o capítulo sobre a origem dos vertebrados, leremos que o grupo mais próximo desses animais é o dos cefalocordados, que inclui animais como o Branchiostoma (também conhecido como anfioxo), que mais se assemelham a peixes sem ossos.

Porém, um estudo publicado na Nature de 23 de fevereiro está mudando toda esta história. A equipe de Frédéric Delsuc, da Universidade de Montréal (Canadá), mostrou que os parentes mais próximos dos vertebrados seriam os tunicados, que mais se parecem com “sacos de tecido mole” presos a rochas, como os animais do gênero Diplosoma e Ciona .

Olhando para eles, dificilmente poderíamos imaginar que são os parentes mais próximos dos vertebrados. Afinal, eles possuem o corpo formado por um envoltório externo (a túnica) e uma grande faringe perfurada para capturar seu alimento por filtração. O mais curioso é que os adultos são animais imóveis (sésseis) que se fixam no fundo e, com exceção de suas larvas, não podem nadar livremente.

No alto, o Branchiostoma , representante do grupo que era considerado o mais próximo dos vertebrados até aqui. Esse posto acaba de ser conquistado pelo grupo dos tunicados, do qual o Ciona intestinalis (na parte inferior) é um exemplo atual. Fotos: NOAA e DOE/Joint Genome Institute.

A teoria aceita anteriormente
Antes do estudo de Delsuc e colegas, a história do surgimento dos vertebrados era contada sob um prisma mais antropocêntrico. Acreditava-se que, a partir de animais marinhos mais simples – os equinodermas (estrelas-do-mar e ouriços-do-mar) –, desenvolveram-se formas mais complexas, como os tunicados e, posteriormente, os cefalocordados, seguidos dos vertebrados, incluindo no final o homem, que seria o mais complexo dos seres. As principais características que levaram à origem dos vertebrados foram, nesta ordem, o surgimento das primeiras brânquias (ou guelras), da notocorda, da segmentação do corpo e o posterior desenvolvimento de um esqueleto interno, que serviu de base para a sustentação dos músculos.

Para investigar a origem dos vertebrados à luz de novas tecnologias, os pesquisadores fizeram um levantamento de dados moleculares sobre dezenas de organismos que vivem nos dias de hoje: tunicados (também chamados de urocordados), cefalocordados, vertebrados primitivos (como a lampréia e os peixes-bruxa) e outros seres que não são cordados, como fungos e corais.

Eles usaram informações sobre esses organismos obtidas em diversas pesquisas genéticas, como dados de seqüenciamento de DNA, empregando 33.800 bases de aminoácidos. Esses dados foram submetidos a técnicas de análise filogenética, que levaram à conclusão de que os tunicados, e não os cefalocordados, são o grupo mais próximo dos vertebrados.

As implicações desse resultado são tremendas e seria necessário um livro para discuti-las todas. Uma delas é que todos os organismos envolvidos no estudo – equinodermas, cefalocordados, tunicados e vertebrados (conjuntamente chamados de deuterostomos) são derivados de organismos que viviam livremente (e não fixos), tendo guelras, um corpo segmentado e possivelmente um cérebro e sistema nervoso relativamente sofisticado.

À medida que outros grupos evoluíam, alguns teriam perdido algumas dessas características, tendendo a se tornar mais simples. Isso é justamente o contrário do que se pensava até então! Acreditava-se que havia um tendência para que os organismos se tornassem mais complexos.

Uma cooperação bem-sucedida
O resultado surpreendente mostra bem a importância da biologia molecular para entender a diversidade e a evolução da vida. É bem interessante que os dados que Delsuc e seus colegas utilizaram para determinar a origem dos vertebrados venham de organismos recentes, e não de fósseis, como poderia se esperar.

Outros estudos que procuram estabelecer o parentesco de alguns grupos baseados em dados da biologia molecular têm produzido informações também surpreendentes. Um bom exemplo é o estudo dos mamíferos: a biologia molecular indica que a maior parte dos grupos modernos desses animais já teria se originado no Cretáceo – sem que haja necessariamente dados paleontológicos disponíveis para confirmar essa hipótese!

Mesmo assim, não creio que nós, paleontólogos, estejamos correndo o risco de perder o emprego. Afinal, todos os dados têm um forte componente teórico e nada melhor do que os fósseis para confirmar – ou mesmo refutar – algumas destas idéias. Ainda bem! 
 

Alexander Kellner
Museu Nacional / UFRJ
Academia Brasileira de Ciências
07/04/2006

 

Paleocurtas
As últimas do mundo da paleontologia

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Acaba de ser noticiada a descoberta um novo fóssil no Canadá que possui características entre os primeiros vertebrados terrestres e os peixes (confira na imagem ao lado). Chamado de Tiktaalik rosae , essa mistura de anfíbio primitivo e peixe foi encontrada em rochas com 375 milhões de anos e preenche algumas das lacunas da história evolutiva dos primeiros vertebrados terrestres. A descoberta, publicada na Nature desta semana, é tão importante que será tratada à parte na próxima coluna Caçadores de Fósseis .
Pesquisas realizadas por paleontólogos do Museu Nacional, do Museu de Ciências da Terra e da Unesp de Rio Claro resultaram na descoberta de mais dois novos dinossauros brasileiros – Baurutitan britoi e Trigonosaurus pricei –, relatada nos Arquivos do Museu Nacional . Ambos eram herbívoros e pertenciam ao grupo dos titanossauros. Seus fósseis foram encontrados em rochas de 80 milhões de anos em Minas Gerais. Com isso, sobe para 14 o número de dinossauros confirmados no Brasil.

Um gastrópode fóssil com tecido mole acaba de ser encontrado por M. Sutton e colaboradores. A importância da descoberta, publicada na revista britânica Proceedings of The Royal Society B , foi o fato de o material ter sido encontrado em camadas com 425 milhões de anos, tornando-o o mais antigo gastrópode com tecido mole conhecido. A parte preservada inclui o sistema digestivo, que pode ser reconstruído digitalmente pelos pesquisadores, trazendo novas informações sobre este animal: tudo indica que ele deve ter sido coprófago, ou seja, se alimentava de detritos que ficavam no fundo do mar.
Uma nova espécie de bivalve fóssil acaba se ser descrita. Foram coletadas dezenas de exemplares da Anditrigonia britoi no município de Riachuelo, no Sergipe, em camadas com aproximadamente 106-110 milhões de anos – época em que o mar cobria partes do Nordeste brasileiro. A espécie é muito semelhante a formas encontradas na costa pacífica das Américas do Sul e do Norte. Segundo o trabalho de Maria Helena Hessel, da Universidade Federal de Pernambuco, publicado nos Arquivos do Museu Nacional (a primeira revista científica do país), o material permitiu um estudo paleoecológico detalhado da espécie.
Um novo exemplar de uma espécie de roedor fóssil elucida a classificação de uma espécie que vive nos dias de hoje. O fóssil pertence à espécie Diatomys shantungensis , do grupo Diatomyidae, e foi encontrado em rochas formadas há 11 milhões de anos, na província chinesa de Shandong. Outros exemplares dessa espécie já eram conhecidos, mas o novo material é mais bem preservado, revelando detalhes da anatomia do crânio e dos dentes do Diatomys , além de parte da pelagem. O mais curioso foi a constatação, a partir do novo material, de que o Laonastes aenigmamus – roedor que vive no Laos – é tão parecido com o Diatomys que acabou sendo reclassificado no grupo Diatomyidae. Isso mostra que um representante desse grupo, tido como extinto há 11 milhões de anos, sobreviveu até os dias de hoje. O estudo, coordenadao po Mary Dawson, mereceu destaque na revista Science .
Um novo dinossauro do Jurássico da Alemanha acaba de ser descrito. A espécie se chama Juravenator starki e foi encontrada na Bavária, no sul do país. O único esqueleto conhecido do animal pertencia a um animal jovem, com menos de um metro de comprimento. Junto à cauda foram encontrados vestígios de tecido mole, mas sem qualquer evidência de penas. O fato chamou a atenção dos pesquisadores coordenados pela alemã Ursula Göhlich, já que o Juravenator pertence a um grupo de dinossauros que tinha desenvolvido penas e, portanto, deveria ter essas estruturas preservadas. Com a nova descoberta, publicada na Nature , constata-se que a origem e evolução das penas em dinossauros é mais complicada do que se supunha, podendo ter ocorrido diversas vezes – e de forma independente – na evolução desses répteis.
A pesquisadora brasileira Valéria Gallo, da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, acaba de publicar a redescrição do peixe fóssil Lepidotes piauhyensis . Essa espécie – cujo tamanho médio chegava a pouco menos de meio metro – foi encontrada em rochas da Formação Pastos Bons, no Piauí. A idade desses depósitos ainda é discutida, variando do Jurássico Superior ao Cretáceo Inferior. O estudo, publicado no Journal of Vertebrate Paleontology , traz novas informações anatômicas sobre a espécie.
O Museu de Zoologia da Universidade de São Paulo (USP) criou um espaço para discussão e debate de um assunto polêmico: a evolução. Chamado de Fórum de Sistemática e Evolução, o espaço tem o objetivo de reunir os interessados uma vez por mês – toda primeira quinta-feira – e discutir um tema previamente definido. Um mediador conduzirá as discussões que, pela temática envolvida, prometem ser bastante acaloradas! Mais informações no site do Fórum .

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