Quem de nós nunca ficou fascinado com as aventuras dos tripulantes da nave Enterprise, da série Jornada nas Estrelas, ou se deslumbrou com a saga de Luke Skywalker nas duas trilogias de Guerra nas Estrelas?
Ou, pelo menos, passou noites sob o céu estrelado especulando a respeito da possibilidade de existência de vida extraterrestre?
A possibilidade de não estarmos sozinhos em um universo que possui centenas de trilhões de estrelas e um número quase incontável de planetas orbitando em torno desses corpos celestes parece ser bastante plausível.
Após 400 anos de pesquisa astronômica, ainda carecemos de qualquer prova, mesmo tênue, da existência de vida fora de nosso planeta. Contudo, uma série de indícios recentes observados no Sistema Solar, em planetas distantes (exoplanetas) e mesmo em lugares inesperados, como a própria Terra, pode transformar o que sabemos sobre a presença de seres vivos fora da Terra.
A mais festejada dessas descobertas foi anunciada recentemente e publicada na revista científica Science.
A pesquisa, coordenada pela geomicrobióloga Felisa Wolfe-Simon, do Instituto de Astrobiologia da Nasa e do Serviço Geológico dos Estados Unidos, revelou, para aparente surpresa da comunidade científica, um ser vivo que apresenta algumas características metabólicas totalmente diferentes do que conhecíamos até aqui, mostrando de forma contundente que os seres vivos podem se adaptar e se manter em condições extremas, abrindo assim o caminho para novas indagações sobre a possibilidade de existência de vida extraterrestre.
Os autores do estudo descreveram um parente distante do conhecido coliforme fecal, a bactéria Escherichia coli, que possui características metabólicas bastante bizarras. Essas bactérias, que pertencem à linhagem GFAJ-1 da família das halomonadáceas, foram isoladas do lago Mono, localizado próximo ao Parque Nacional de Yosemite, no leste da Califórnia (EUA).
No laboratório, a equipe de Wolfe-Simon cultivou essas bactérias em um meio em que o fósforo, um elemento essencial para o desenvolvimento dos seres vivos, foi substituído por arsênio, um elemento químico altamente tóxico. Inesperadamente, essas bactérias não somente foram capazes de sobreviver, mas também de se multiplicar incorporando o arsênio em seu material genético no lugar do fósforo.
Essa espécie de bactéria tem, portanto, um DNA diferente de qualquer outra criatura descoberta até hoje. Suas ligações de fósforo (fosfodiéster), que unem as subunidades do DNA (nucleotídeos), foram substituídas por arsênio.
Os pesquisadores acreditam que essa população de bactérias com o DNA diferente tenha sido selecionada evolutivamente devido à elevada concentração de arsênio no lago Mono.
Adaptações ecológicas a condições ambientais extremas já foram observadas anteriormente em outros locais do nosso planeta. Talvez o exemplo mais contundente dessa adequação a ambientes difíceis seja o das comunidades que vivem em fontes termais marinhas localizadas a milhares de metros de profundidade, no assoalho oceânico. Contudo, nada se compara às bactérias do lago Mono.
Busca ingênua
Mas o que essa descoberta, que levou a especulações mesmo antes de a Nasa sugerir que iria finalmente apresentar um legítimo ET para a imprensa, tem de tão extraordinária?
Basicamente, ela levanta a possibilidade de que, quando necessário, mesmo as moléculas essenciais para a vida dos seres vivos podem apresentar estruturas diferenciadas.
Isso abre caminho para que, talvez, tenhamos seres vivos habitando planetas com condições ambientais mais inóspitas do que o nosso, contrariando assim a ideia que se tinha de que apenas locais com exatamente a mesma distribuição de elementos químicos e características físicas encontradas na Terra seriam capazes de abrigar seres vivos.
Seguindo esse raciocínio, o DNA, as proteínas e outras moléculas biológicas seriam moldadas evolutivamente de uma mesma forma em qualquer lugar do universo e encontrar vida fora da Terra dependeria essencialmente de se achar outros planetas rochosos, com água no estado líquido e atmosferas relativamente espessas.
As bactérias do lago Mono, contudo, revelam que talvez estejamos errados. Um dos primeiros proponentes de que talvez estivéssemos “olhando de uma forma míope os céus” foi o famoso astrônomo norte-americano Carl Sagan (1934-1996).
Sagan, em um dos episódios de sua reconhecida série Cosmos, realizada em 1980, já afirmava que um dos maiores problemas enfrentados pela humanidade na busca de vida extraterrestre seria o fato de estarmos buscando alienígenas que fossem a nossa imagem e semelhança (pelo menos, em termos bioquímicos).
Se ainda estivesse entre nós, Sagan estaria muito contente. A descoberta de uma simples bactéria em um lago tóxico e gélido fornece indícios de que talvez vivamos em um universo bem mais fértil e povoado do que imaginávamos.
Afinal, se a química da vida em nosso planeta pode se mostrar tão versátil a ponto de substituir um componente considerado anteriormente essencial do DNA ─ o fósforo ─ por um “primo” na tabela periódica, deixa de ser absurdo cogitar que situações semelhantes possam também ocorrer em outros locais.
Mais indícios
Uma série de outras pistas relativas à possibilidade de haver vida extraterrestre está surgindo e deve movimentar o meio científico nos próximos anos. Os indícios obtidos até o momento apontam basicamente para a presença de alguns elementos essenciais à manutenção da vida em locais antes considerados totalmente inóspitos.
Uma das iniciativas recentes e importantes para a busca de locais que reúnam condições de abrigar formas vivas fora de nosso Sistema Solar é a operação do telescópio espacial Kepler, iniciada em 2010.
Lançado pela Nasa em uma sonda de mesmo nome, a um custo de cerca de 467 milhões de dólares, o telescópio permitirá a observação das 100 mil estrelas mais brilhantes do céu durante quatro anos. O objetivo é detectar a presença de planetas e de indícios de vida extraterrestre nesses locais. Graças ao telescópio Kepler, já foram descritos cerca de 400 exoplanetas.
Especula-se que entre 25% e 70% das estrelas que serão examinadas pelo telescópio possam ter, orbitando em torno de si, planetas rochosos e com atmosferas gasosas similares à da Terra e que alguns estejam localizados em uma zona habitável de seus sistemas estelares.
Mais indícios que reforçam as possibilidades de vida extraterrestre têm sido observados em Encélado, uma das luas de Saturno. Em junho passado, cientistas alemães e britânicos revelaram, em artigo publicado na revista científica Nature, que Encélado possui em seu polo sul um oceano salgado oculto sob sua superfície.
Outra pesquisa, publicada no Journal of Geophysical Research e assinada por cientistas do Instituto de Pesquisa do Sudoeste de San Antonio, nos Estados Unidos, indica a presença de amoníaco, do isótopo de hidrogênio deutério e de vários componentes orgânicos em Encélado. Segundo os cientistas, alguns desses compostos permitiram que a água permanecesse em estado líquido sob a superfície gelada dessa lua de Saturno.
Reia, outra lua de Saturno, também guarda surpresas: análises feitas após um sobrevoo pela lua, realizado pela sonda não-tripulada Cassini, também da Nasa, indicam que há na atmosfera desse satélite oxigênio e gás carbônico.
Marte, o planeta tantas vezes indicado como uma possível fonte de seres extraterrestres, também tem sido palco de pistas sobre a origem da vida fora dos limites terrestres. O passeio do robô Spirit, também da Nasa, pela superfície do planeta vermelho no ano passado apontou evidências da presença de água ─ um elemento essencial à vida ─ no subsolo do planeta.
As recentes descobertas de locais extraterrestres com condições propícias à vida como a conhecíamos até aqui, somadas ao encontro de um grupo de bactérias que apresentam uma estrutura bioquímica bastante diferente do que se conhecia em nosso próprio planeta, deixam os diversos cientistas que se dedicam à busca de vida extraterrestre confiantes de que nos próximos anos poderão se acumular provas realmente concretas e reveladoras sobre a existência de vida fora dos limites de nosso planeta.
Contudo, sabemos que no início provavelmente encontraremos formas bastante simples, talvez microrganismos apenas. Mas quem sabe, talvez, daqui a algum tempo, sejamos capazes de encontrar criaturas extraordinárias como aquelas que aprendemos a amar e admirar (e mesmo temer!) nos filmes Jornada e Guerra nas Estrelas?
Jerry Carvalho Borges
Departamento de Medicina Veterinária
Universidade Federal de Lavras