A um passo da indústria

  

Foi dado este mês um passo decisivo para a fabricação dos chamados dispositivos nanoplasmônicos, capazes de processar informação milhares de vezes mais rapidamente do que os atuais chips microeletrônicos. Essa inovação abre as portas para a produção de diodos LEDs mais eficazes e detectores químicos e biológicos mais sensíveis, para o aumento de resolução dos microscópios, para a nanolitografia e para o uso de nanolaser para cura de câncer.

Esse avanço tecnológico havia sido imaginado nos anos 1980, mas empacou na dificuldade para produzir feixes coerentes de radiação plasmônica, decorrente do movimento dos elétrons livres em superfícies metálicas. Agora, esse obstáculo acaba de ser superado, com a produção dos primeiros spasers.

Esse dispositivo – cujo nome é um acrônimo de “amplificação de plásmons superficiais por emissão estimulada de radiação” – é o menor laser do mundo. Porém, para apreciarmos os fundamentos do spaser, convém examinarmos como funciona um laser (acrônimo, em inglês, de “amplificação da luz pela emissão estimulada de radiação”), desses que a gente vê em operação em consultórios odontológicos e clínicas médicas.

Laser para leigos

 

Como o laser emite luz? O tratamento matemático pode ser complicado, mas podemos ter uma imagem bastante simplificada e intuitiva do processo, que não está muito longe daquilo que os cientistas imaginam.

Comecemos pela imagem mais popular: os elétrons girando em torno do núcleo dos átomos. Em cada órbita podem girar apenas dois elétrons. Quando um elétron pula de uma órbita mais afastada para outra mais próxima do núcleo, o átomo emite uma radiação, cuja frequência depende da separação entre as órbitas. A frequência é que determina o tipo da radiação.

Às vezes é mais conveniente falar em comprimento de onda, que é a velocidade da luz dividida pela frequência. Quando o comprimento de onda encontra-se entre 380 e 750 nanômetros (nanômetro é a bilionésima parte de um metro), a radiação pode ser vista pelo olho humano. Esta é a parte visível do espectro eletromagnético, do violeta ao vermelho. Abaixo dessa faixa temos os raios-X e os raios gama, entre outros; acima, temos infravermelho (calor) e as ondas de rádio (VHF e UHF), entre outras.

Caso todas as órbitas estejam ocupadas por dois elétrons, nada acontecerá. Nesse estado o átomo permaneceria eternamente sem emitir luz. Mas a natureza não é assim. De vez em quando ocorre algo que arranca um dos elétrons internos, deixando uma lacuna, que é quase imediatamente ocupada por um elétron mais externo, resultando na emissão da radiação correspondente.

Se, por um dos possíveis mecanismos, um elétron for colocado numa órbita mais externa, ele retorna menos de um nanossegundo (a bilionésima parte do segundo) depois, emitindo radiação de forma espontânea. Em 1917, Einstein mostrou que, se um elétron num estado excitado (acima do seu estado normal) for atingido por uma radiação apropriada, ele poderá retornar a um estado inferior, emitindo radiação. Esse processo ficou conhecido como emissão estimulada. Portanto, um átomo emite radiação espontaneamente ou estimuladamente.

Imagine que se dispõe de uma grande quantidade de átomos em um estado excitado. Quando um deles retornar ao estado normal, emitirá radiação. Esta, ao interagir com os outros átomos excitados provocará emissão estimulada. O resultado é um feixe intenso de radiação numa única frequência: isso é o laser.

Bombeamento
O processo pelo qual os átomos são colocados em um estado excitado é conhecido como bombeamento. Para isso é necessário um dispositivo, denominado cavidade ótica, em que dois espelhos mantêm o feixe de luz aprisionado, executando um movimento de vaivém, para aumentar a quantidade de átomos bombeados.

Equipamento de ressonância de plásmon superficial instalado na Universidade Brown (EUA). Baseado nos fundamentos presentes na invenção do spaser, esse equipamento permite a investigação de interações entre proteínas (foto: Universidade Brown).

Boa parte da tecnologia do laser consiste em selecionar o material no qual será feito o bombeamento. Uma alternativa muito popular é a utilização de corantes orgânicos, como a rodamina 6G (C 28 H 30 N 2 O 3 .HCl).

A luz do laser tem três características muito importantes, que fazem com que ela seja tão especial. Em primeiro lugar, é uma luz monocromática. Além disso, trata-se de um feixe coerente, que possibilita a obtenção de altas energias. Finalmente, é um feixe direcional, que possibilita uma grande concentração de energia.Com o spaser, acontece algo similar A diferença é que, em vez de se usar luz para estimular a radiação, usa-se radiação plasmônica.

O pulo do gato
Imagine uma superfície metálica em contato com um corante. Se o corante for irradiado por uma luz apropriada, o feixe de luz laser resultante fará com que os elétrons livres da superfície metálica oscilem. Essa oscilação, conhecida como plásmon de superfície, gera uma luz esverdeada com comprimento de onda de aproximadamente 530 nanômetros.

O pulo do gato nessa história toda, concebido por pesquisadores das universidades americanas Norfolk, Purdue e Cornell, foi encapsular nanopartículas de ouro numa nanoesfera de sílica (SiO 2 ) contendo o corante Verde Oregon. Nessa situação, o mecanismo de aprisionamento se dá no interior da nanoesfera, que tem um diâmetro de aproximadamente 44 nanômetros. O trabalho de Mikhail Noginov e colaboradores, publicado na Nature de 16 de agosto, deu o passo decisivo para a fabricação de dispositivos nanoplasmônicos.

Uma boa caminhada ainda deverá ser empreendida até que esses dispositivos se tornem realidade, mas Mark Stockman, da Universidade Estadual da Geórgia (em Atlanta, nos EUA), estima que eles estejam no mercado em menos de um ano. Stockman, em colaboração com David Bergman, da Universidade de Tel Aviv (Israel), foi quem propôs o modelo que resultou na fabricação do spaser.

É interessante observar que cinquenta anos depois da invenção do laser, o spaser segue uma história muito similar. Em 1958, Arthur L. Schawlow e Charles H. Townes haviam publicado um artigo com os fundamentos teóricos do laser. Dois anos depois o dispositivo foi construído por Theodore Maiman e, no ano seguinte, surgiram as primeiras aplicações comerciais. Aguardemos então para breve a chegada dos dispositivos nanoplasmônicos.


Carlos Alberto dos Santos
Colunista da CH On-line
Professor aposentado pelo Instituto de Física
da Universidade Federal do Rio Grande do Sul
28/08/2009