Na coluna de dezembro de 2010, descrevi os princípios e algumas aplicações da radiação terahertz (THz), também conhecida como radiação T ou raios T. A ideia de explorar essa parte do espectro eletromagnético surgiu há quase 90 anos, mas suas realizações práticas só começaram nos anos 1970.
A base de dados Web of Science registra apenas três artigos sobre o tema publicados naquela década. Nos 10 anos seguintes, esse número subiu para 32 e, a partir de então, cresceu em elevadas taxas: 1.047 artigos nos anos 1990, 9.139 nos anos 2000 e 4.428 apenas nos últimos dois anos e meio. O retardo das primeiras aplicações dessa radiação e o abrupto crescimento dessas pesquisas a partir dos anos 1990 devem-se a dois fatores contrários: de um lado, a falta, e de outro, a disponibilidade de recursos tecnológicos.
Todo processo que faça uso de qualquer tipo de radiação requer uma fonte (dispositivo que emite a radiação) e um detector. Engenheiros e pesquisadores têm se deparado com desafios enormes para conjugar fatores tecnológicos importantes na fabricação de fontes de raios T. Idealmente, tais fontes devem ser à base de dispositivos em estado sólido baratos, que funcionem em temperatura ambiente e forneçam feixes intensos e de alta potência.
Um dos principais candidatos a esse posto são os dispositivos do tipo CMOS. Mas as primeiras fontes de raios T com essa tecnologia, surgidas a partir de 2008, apresentaram algumas deficiências técnicas, encabeçadas pela baixa frequência e baixa potência do feixe irradiado. Por isso, os raios T vinham sendo produzidos com equipamentos caros e de baixa praticidade, como diferentes tipos de laser ou de junções Josephson em baixa temperatura.
Muito recentemente, pesquisadores da Universidade Cornell (Estados Unidos) elaboraram um engenhoso modo de produzir raios T com potência 10 mil vezes maior do que a dos feixes gerados pelos modelos anteriores. Em trabalho publicado na prestigiosa Physical Review Letters no início de junho, eles descrevem o funcionamento dessa inovadora fonte de raios T, construída com tecnologia CMOS.
Vários osciladores, cada um com frequência de 75 gigahertz (GHz), são acoplados a uma estrutura circular, de tal modo que, no centro do círculo, o sistema gera feixes de 290 GHz – ou 0,29 THz – e potência de 0,76 miliwatt (mW). Menos de 1 milésimo de watt é uma potência muito baixa, mas já dá para ser usada em algumas aplicações, como obtenção de imagens em sistemas biológicos.
Aplicações variadas
Para uso em tratamentos de saúde e obtenção de imagens nessa área, a radiação T apresenta características mais interessantes que a dos raios X e do infravermelho. Ao contrário dos raios X, por exemplo, os raios T não são ionizantes, de modo que o risco cancerígeno não existe quando eles interagem com os tecidos de seres vivos. E, devido a sua baixa potência, a radiação T não aquece o material, como ocorre no caso do uso de infravermelho.
Além disso, nunca é demais ressaltar o alto poder de penetração dos raios T em materiais desidratados, não-metálicos, plásticos, papéis e cartolinas, e a quase impenetrabilidade em materiais metálicos e líquidos polares como a água. Tais propriedades transformam esses raios em excelente ferramenta para a obtenção de imagens.
As imagens geradas pelos raios T são muito similares àquelas obtidas por ressonância magnética em exames clínicos. Nesses processos, as medidas eletromagnéticas são transformadas em imagens por meio de complicados programas computacionais.
A interação dos raios T com determinado material gera uma resposta que pode ser comparada a uma impressão digital. Essa marca única é definida pelas frequências rotacionais e vibracionais das moléculas dos materiais: cada valor associado a essas frequências produz uma imagem diferente.
Por coincidência, moléculas de muitos materiais explosivos e de várias drogas apresentam frequências rotacionais e vibracionais na mesma faixa dos raios T, o que faz com que essas substâncias sejam facilmente exibidas em imagens obtidas com esse tipo de radiação.
Mas a aplicação que vem fazendo a cabeça de pesquisadores e industriais é o uso dos raios T na transmissão sem fio, por causa dos sinais ultrarrápidos dessa radiação e da sua larga banda de frequência – de aproximadamente 275 até 3 mil GHz (ou 3 THz). Essa banda de frequência estaria praticamente toda disponível para utilização, ou seja, haveria inúmeras vias para a transmissão de dados.
É preciso ressaltar também que, com essa tecnologia, será possível transmitir dados com a impressionante velocidade de 10 gigabits por segundo (Gb/s). Atualmente, a máxima velocidade de transferência das fontes convencionais é de 150 megabits por segundo (Mb/s). O recorde atingido pelos primeiros dispositivos de raios T foi recentemente divulgado e está na faixa de 3 Gb/s.
Todos os dispositivos e resultados aqui relatados são factíveis e objeto de patentes industriais, mas sua oferta comercial ainda é incipiente. Embora os mais céticos insistam em dizer que esses resultados são mais interessantes na teoria do que na prática, vale lembrar que há mais de uma década a empresa TeraView, uma subsidiária da Toshiba, oferece serviços de imagens clínicas com os raios T. Portanto, na área médica, essa é uma realidade comercial que deverá crescer nos próximos anos.
O mesmo não pode ser dito na área de telecomunicações, uma vez que os obstáculos a serem vencidos na eletrônica de alta frequência ainda são consideráveis. Apenas na faixa de frequência de aproximadamente um décimo do terahertz é que dispomos de equipamentos com rendimentos aceitáveis. Todavia, pesquisadores e engenheiros da área estão mais do que confiantes de que logo teremos dispositivos terahertz.
Carlos Alberto dos Santos
Professor-visitante sênior da Universidade Federal da Integração Latino-americana