Alice e Bob. Esses dois personagens estão ligados aos trabalhos que motivaram o Prêmio Nobel de Física deste ano, concedido a pesquisadores que conseguiram medir e manipular sistemas quânticos. Eles são elementos fictícios de uma alegoria usada para ajudar a explicar as aplicações práticas de um dos mais inusitados fenômenos da física quântica, denominado pelo físico austríaco Erwin Schrödinger (1887-1961) de entrelaçamento quântico.
Quando dois sistemas quânticos (fótons, elétrons ou íons) são preparados de forma que haja interação entre eles, favorecendo a formação de um sistema composto, suas propriedades individuais deixam de ser independentes. As propriedades de um sistema dependem do outro. Por isso, esse sistema é dito entrelaçado ou emaranhado.
Por exemplo, se afastarmos dois elétrons criados com spins (espécie de ímã associado ao elétron) orientados em sentidos contrários, a necessidade de que os spins apontem em sentidos opostos persistirá. Se, mais adiante, por algum mecanismo, alguém inverter o sentido do spin de um dos elétrons, o outro elétron também terá seu spin invertido.
O fato importante aqui, em termos tecnológicos, é que qualquer tentativa de observar ou medir o estado de um sistema quântico altera esse estado. Essa propriedade de entrelaçamento tem a ver com o comportamento estatístico dos sistemas quânticos – uma coisa que o físico alemão Albert Einstein (1879-1955) não aceitava e a respeito do que disse a famosa frase: “Deus não joga dados”.
Esse comportamento estatístico está associado ao fato de que, na teoria quântica, uma partícula pode estar em duas posições simultaneamente. No caso do fóton, ele pode estar polarizado em duas direções ao mesmo tempo, o que também acontece com o spin do elétron. Não temos como fazer uma imagem clássica dessa realidade, mas os experimentos mostram que é assim.
O caráter estatístico do comportamento quântico e a correlação entre as propriedades físicas (spin, polarização etc.) de dois sistemas entrelaçados são os fundamentos da comunicação quântica.
Criptografia quântica
A teoria quântica é a base para o desenvolvimento da criptografia quântica, em que emissor e receptor podem criar e partilhar informações que permitem controlar a operação de um algoritmo para codificar e decodificar mensagens.
A primeira proposta de um protocolo de comunicação baseado nos princípios da teoria quântica foi publicada em 1984 pelos cientistas da computação Charles Bennett (1943-) e Gilles Brassard (1955-) com o objetivo de estabelecer um método de criptografia inviolável – propriedade que seria garantida, teoricamente, pelo comportamento estatístico dos sistemas quânticos. Esse protocolo é mundialmente conhecido como BB84.
Os protocolos de comunicação quântica são tão complexos que, para explicá-los, se tornou hábito o uso de uma alegoria entre Alice, a emissora da mensagem, e Bob, o receptor. A alegoria é usada não importa qual o propósito da comunicação: criptografia, computação, teletransporte.
A mensagem secreta de Alice para Bob é enviada por meio de uma sequência de fótons. Cada fóton polarizado em determinada direção define um bit. Por exemplo, bit ‘0’ para fóton na direção horizontal e bit ‘1’ para fóton na vertical.
Basicamente, o procedimento é assim: Alice envia uma série de fótons com eixos de polarização conhecidos por Bob. Depois que Bob detecta todos os fótons, ele informa a Alice quais foram os que passaram pelos seus filtros (porque tinham eixo de polarização não perpendicular ao do filtro), desprezando os que não passaram.
Para investigar se a mensagem foi interceptada por algum espião, Bob sacrifica alguns dos bits não desprezados e informa qual o tipo de filtro usou para detectá-los. Se Alice enviou um fóton polarizado na direção horizontal e Bob o detecta com um filtro na vertical, isso significa que um espião interceptou a mensagem com um filtro em uma direção diagonal, de modo que o fóton passou a ter essa direção e pôde ser detectado no filtro de Bob.
Se isso acontecer, Alice e Bob descartam a mensagem e geram outra. O essencial nessa história não é que o código secreto não pode ser descoberto, mas que, se ele for interceptado, Alice e Bob saberão.
Na teoria, é assim que funciona. Mas, como o procedimento quântico é realizado por meio de equipamentos clássicos, estes podem ter falhas, que permitem a entrada de hackers competentes sem que Alice e Bob percebam. A literatura da área já registra casos de espionagem na criptografia quântica.
Outras aplicações
Essas ideias foram usadas pelo físico Anton Zeilinger (1945-) para realizar pioneiramente o teletransporte quântico, ou seja, a transferência do estado de polarização de um fóton a outro, utilizando para isso o efeito do entrelaçamento quântico.
Dominar os procedimentos de teletransporte é uma etapa importante da tecnologia de comunicação quântica. O teletransporte quântico permite o transporte de informação sem depender de meios de transmissão. Essa tecnologia busca usar as propriedades do entrelaçamento quântico para telecomunicações e armazenamento de dados em um futuro computador quântico.
Além da criptografia e do teletransporte, a computação quântica (que permitirá um processamento de informações muito superior ao da computação atual) também se baseia nos preceitos gerais da comunicação quântica. Embora ainda não esteja disponível para comercialização, esse tipo de aplicação já começa a se encaminhar para as bancadas das fábricas.
Até o momento, os únicos produtos comerciais derivados da comunicação quântica estão restritos à criptografia. Na Europa, a pioneira foi a id Quantique, empresa sediada na Suíça que comercializa sistemas de criptografia quântica desde 2001. Nos Estados Unidos, produtos desse tipo começaram a ser comercializados pela MagiQ na mesma época. Programas de criptografia quântica vêm sendo atualmente implementados por grandes indústrias, como HP, IBM, Mitsubishi e Toshiba.
Em maio de 2011, a empresa canadense D-Wave Systems anunciou a venda de um computador quântico para a empresa norte-americana Lockheed Martin Corporation. Ao que se sabe, foi a primeira comercialização desse tipo de produto. Vejamos o que virá.
Carlos Alberto dos Santos
Professor-visitante sênior da Universidade Federal da Integração Latino-americana