Amor de pai

Neste mês, vivi uma das experiências mais marcantes de minha vida: acompanhar o parto de meu segundo filho. A sensação de receber nos braços o bebê que acabou de nascer é indescritível e certamente promoveu alterações neuroquímicas importantes no meu cérebro.

Dentre as substâncias que foram liberadas no momento em que o vi pela primeira vez, está a ocitocina. Ela é produzida por neurônios do hipotálamo, que, ao fazer conexões com outras regiões do cérebro, amplifica o espectro de ação desse neuropeptídeo no sistema nervoso.

Como era de se esperar de um hormônio com papel fundamental no controle de comportamentos sociais e reprodutivos, a ocitocina está presente nos mais diversos animais, de répteis a primatas.

Em 1986, cientistas da Inglaterra descreveram o aumento na produção de ocitocina durante a amamentação de ovelhas, seguido da observação de que ela é crucial para a consolidação de laços afetivos entre esses animais e seus filhotes e também para a produção de leite.

Curiosamente, estudos em ratazanas demonstraram que o padrão de expressão do receptor para ocitocina é proporcional ao comportamento social descrito para as diferentes espécies. Aquelas consideradas ‘sociais’ apresentam maior expressão do receptor de ocitocina nas áreas de recompensa do cérebro quando comparadas às espécies ‘antissociais’.

Em mulheres, a simples visualização de seus bebês, sorrindo ou chorando, promove a ativação de regiões cerebrais associadas à recompensa

Camundongos geneticamente modificados para não produzirem ocitocina ou seu receptor têm relações sociais comprometidas e níveis elevados de ansiedade.

Em mulheres, a simples visualização de seus bebês, sorrindo ou chorando, promove a ativação do estriado ventral e do hipotálamo, regiões cerebrais associadas à recompensa, concomitantemente ao aumento da concentração de ocitocina no sangue.

Além das evidências sobre o papel da ocitocina na relação entre mãe e filho, há outras que sugerem seu efeito também sobre relações conjugais, o que fez com que passasse a ser conhecida como ‘hormônio do amor’. De fato, há trabalhos científicos que descrevem que a ocitocina reduz os níveis de cortisol (hormônio relacionado ao estresse) tanto do homem quanto da mulher durante brigas de casais.

A realização de estudos com ocitocina em seres humanos foi facilitada pelo uso de um spray intranasal eficiente para promover a absorção cerebral da substância. Por meio desse recurso, pesquisadores analisaram os efeitos ansiolíticos da ocitocina em indivíduos saudáveis submetidos a estresse controlado em laboratório. Aqueles que utilizaram o spray de ocitocina apresentaram níveis reduzidos de cortisol e menos ansiedade.

Tais relatos indicam que a ocitocina é capaz de reduzir o estresse em diferentes contextos, apesar de o mecanismo e a relação específica entre ocitocina e cortisol permanecerem desconhecidos.

Ocitocina e dependência química

Na última década, avanços na compreensão do papel multifacetado da ocitocina demonstraram sua capacidade de interferir não somente nas relações sociais, mas também na dependência química e em transtornos mentais como autismo e esquizofrenia.

Apesar de o modo de ação da ocitocina depender da ativação de áreas do cérebro associadas à recompensa, não há evidências de que a substância produza euforia ou cause dependência.

O álcool é um conhecido inibidor de ocitocina. Os níveis sanguíneos de ocitocina em mães lactantes são drasticamente reduzidos após o consumo de álcool. Além disso, há evidências de uma associação entre comportamentos antissociais ligados ao abuso de álcool e reduções nos níveis de ocitocina.

A cocaína também é uma droga estimulante que promove sensação de bem-estar e hiperatividade. Essa substância tem como alvo os circuitos neurais dopaminérgicos, assim como a ocitocina.

Consumo de cocaína
O consumo crônico de cocaína está associado a uma drástica redução nos níveis de ocitocina. (foto: Alessandro Boselli/ Flickr – CC BY-NC 2.0)

Pesquisas em animais indicam que o consumo de cocaína prejudica o cuidado materno. Em mulheres, aquelas que consumiram cocaína durante a gravidez apresentaram níveis reduzidos de ocitocina, quando comparadas a mães que não usaram a droga. Já a administração aguda de cocaína em camundongos aumentou os níveis de ocitocina nos animais, o que pode explicar os efeitos pró-sociais observados após o consumo esporádico da droga.

Embora ainda seja preciso caracterizar a forma de interação entre cocaína e ocitocina, pode-se concluir que o consumo da droga inicialmente aumenta os níveis desse hormônio. Mas, quando o consumo passa a ser crônico, a produção de ocitocina cai drasticamente.

Considerando que a ocitocina é capaz de interferir na liberação da dopamina (neurotransmissor envolvido nos processos de dependência química), existe a possibilidade de que a substância venha a ser útil na redução do vício em cocaína. Porém, novos estudos são necessários para confirmar essa hipótese.

Uso terapêutico contra transtornos mentais

Como a ocitocina facilita respostas sociais, existe o interesse na aplicação terapêutica dessa substância em pacientes com transtornos de espectro autista (TEA) e esquizofrenia.

Os transtornos de espectro autista são caracterizados por disfunções de neurodesenvolvimento que afetam a capacidade de comunicação e socialização dos indivíduos. Níveis reduzidos de ocitocina foram relatados em garotos autistas entre 6 e 11 anos de idade. Normalmente, a concentração desse neuropeptídeo aumenta com a idade, mas isso não é observado nas crianças autistas.

Cientistas australianos investigaram o efeito da administração intranasal de ocitocina em pacientes com TEA. O tratamento com ocitocina facilitou o contato ‘olho no olho’, o reconhecimento de emoções e a interação social desses indivíduos.

Criança isolada
Pesquisas indicam que a dificuldade de socialização associada ao autismo pode ser amenizada pela administração de ocitocina. (foto: Luciano Joaquim/ Flickr – CC BY-NC-SA 2.0)

A esquizofrenia é uma desordem mental que acomete um em cada cem indivíduos. Ela causa alterações no processamento dos pensamentos, percepções e emoções e leva normalmente a uma deterioração cognitiva e ao embotamento afetivo.

Estudos recentes sugerem que alterações nos níveis de ocitocina podem contribuir para os déficits sociais observados nesses pacientes. Esquizofrênicos que receberam ocitocina, juntamente com antipsicóticos, por três semanas apresentaram redução significativa de alguns dos sintomas da doença, quando comparados a indivíduos que só receberam o tratamento com os antipsicóticos. Entretanto, mais estudos são necessários para confirmar a eficácia terapêutica desse hormônio contra a esquizofrenia.

Alterações nos níveis de ocitocina podem contribuir para os déficits sociais observados em pacientes esquizofrênicos

Apesar dos bons resultados apresentados pela admistração do spray intranasal de ocitocina, essa prática ainda suscita algumas questões. Não se pode negligenciar o fato de que a vascularização do nariz permite que o neuropeptídeo alcance a corrente sanguínea, nem os eventuais efeitos colaterais que o uso do spray intranasal pode provocar no restante do corpo. Portanto, qualquer aplicação de ocitocina deve ter acompanhamento médico.

Dito isso, quero ressaltar como é fascinante notar que esse hormônio formado por apenas nove aminoácidos tem uma gama de efeitos tão ampla. Mas, como a eficácia da aplicação de ocitocina no tratamento de doenças e seus efeitos no contexto social ainda precisam ser confirmados por novos estudos, só nos resta por enquanto buscar fontes naturais dessa substância. A minha já está garantida: basta olhar para meus dois filhos pequenos que me sinto calmo e a ansiedade diminui.

Stevens Rehen
Instituto de Ciências Biomédicas
Universidade Federal do Rio de Janeiro