Antes do nascer do Sol

A coluna deste mês foge um pouco ao que costuma abordar. Recentemente, porém, tive acesso a um artigo intrigante que vale a pena ser divulgado: um estudo sobre isótopos de crômio em um meteorito.

Soa complicado… e é mesmo! Se tentar entender um pouco mais do mundo que nos cerca não é uma tarefa fácil, procurar obter informações de como era o nosso planeta no passado, que passa pela pesquisa dos fósseis e rochas, é bem mais complicado.

Agora, imagina obter informações sobre como era o universo antes do surgimento do Sol…

É exatamente nessa direção que aponta a pesquisa realizada por Nicolas Dauphas, da Universidade de Chicago, e colegas, que acaba de ser publicada no The Astrophysical Journal.

Estrela cadente
Estrela cadente: na primeira luz da aurora, uma chuva de meteoros observada em Colorado, nos EUA (foto: Jimmy Westlake, Colorado Mountain College).

Definições

Para inicio de conversa, precisamos definir alguns termos que podem acabar tendo uma conotação diferente no nosso cotidiano. Universo pode ser definido como tudo que existe fisicamente, e possui algo em torno de 14 bilhões de anos.

Para estudar o universo, cientistas dependem de informações que vêm de corpos celestes que chegam ao nosso planeta 

Galáxias são conjuntos de estrelas e outros corpos celestes unidos por forças gravitacionais. Uma supernova é o resultado da explosão de uma estrela. E as estrelas podem ser simplificadas como estruturas de forma arredondada, extremamente luminosas, formadas por gases e partículas unidas, também, por forças gravitacionais.

O Sol, por exemplo, é uma estrela  – a mais próxima do nosso planeta.  A formação do Sistema Solar se deu, segundo estimativas, em torno de 4,6 bilhões de anos atrás – a mesma idade do planeta Terra.

Para estudar o universo, incluindo o Sistema Solar, os cientistas dependem de informações que vêm de corpos celestes e que chegam ao nosso planeta seja em forma de radiação (captada com equipamentos poderosos); ou de meteoritos que atingem a superfície terrestre.

Meteorito na Líbia
Um meteorito encontrado na Líbia, em Hammadah al-Hamra. Com esses corpos que chegam do espaço podem vir informações preciosas sobre o universo, decifradas com tecnologias sofisticadas em laboratório (foto: Svend Buhl – CC BY-SA 3.0).

O meteorito de Orgueil

Meteoritos são raros. Apesar de diariamente uma grande quantidade deles atingirem o planeta – quando são chamados de meteoros, comumente visualizados como estrelas cadentes –, a maioria se desintegra devido ao atrito com a atmosfera, e apenas uma pequena parcela chega a atingir o solo.

Como minha colega do Museu Nacional Elisabeth Zucolotto gosta de mencionar, os meteoritos são os verdadeiros ET’s, já que vêm de fora do nosso planeta.

Bendegó
O Bendegó, maior meteorito do Brasil, encontrado na Bahia em 1784, fica exposto no Museu Nacional, no Rio de Janeiro (foto: Alexander Kellner).

A composição dos meteoritos também é muito variada. Os mais comuns possuem ferro e níquel em grandes quantidades e outros elementos em menor proporção. 

Um exemplo desse grupo mais comum é o Bendegó, encontrado na Bahia em 1784 – tendo sido transportado apenas em 1888 para  o Museu Nacional, no Rio de Janeiro, onde permanece em exposição. Com mais de cinco toneladas, é o maior do Brasil.

Mas existem outros com características bem mais raras. Dentre eles destaca-se o meteorito de Orgueil, encontrado no sul da França em 1864. Comparativamente pequeno, com apenas 14 quilos, por uma grande sorte foi coletado rapidamente. Devido à sua composição, é muito friável, e não teria resistido às intempéries. Desde então, este ‘pequeno pedaço do céu’ suscitou muitas discussões.

 

A nova pesquisa

Todas as rochas da Terra possuem quantidades de crômio, que pode ser encontrado em diferentes composições isotópicas (por exemplo 50Cr, 52Cr, 54Cr). No entanto, em alguns meteoritos, existe uma concentração anômala deste elemento químico que intriga os cientistas. Entre estes está o meteorito de Orgueil, que possui uma grande concentração de 54Cr (crômio-54).

Cientistas levantaram a hipótese de que esta concentração estaria ligada a reações complexas em estrelas que teriam existido ANTES do Sol – ou seja, antes da formação do Sistema Solar que inclui o nosso planeta.

A supernova existiu antes mesmo de o nosso Sistema Solar ter se formado

O problema era isolar a parte no meteorito de Orgueil que continha esta anomalia – que seriam os grãos capturados durante a formação do meteorito.A equipe de Nicolas Dauphas conseguiu exatamente isto: descobriu onde, dentro do meteorito, havia este acúmulo grande de 54Cr.

Eram grãos de espinélio formados durante a explosão de uma estrela que deu origem a uma supernova. E esta existiu antes mesmo de o nosso Sistema Solar – incluindo a sua estrela máxima, o Sol – ter se formado.

Se isso já é algo interessante, o mais fascinante é o tamanho desses grãos – menores do que 100 nanômetros, ou seja, mil vezes menor menor do que o tamanho de um fio de cabelo!

Muitas vezes, grandes achados estão em coleções, ao alcance de nossas mãos, bastando o emprego de uma nova tecnologia

Entre as contribuições dessa pesquisa, destaca-se a metodologia desenvolvida pelos pesquisadores para o estudo de partículas tão pequenas, que agora poderá ser empregada na pesquisa de outros meteoritos.

É como se fosse aberto um novo mundo para a ciência (‘nanoscópico’) que poderá auxiliar o entendimento de como se formou o Sistema Solar, que abriga a nossa casa, o planeta Terra.

Como essa pesquisa demonstra, não são apenas os paleontólogos que fazem ‘novas descobertas’ em gavetas de museus. Muitas vezes, grandes achados estão em coleções, ao alcance de nossas mãos, bastando o emprego de uma nova tecnologia.


Alexander Kellner

Museu Nacional
Membro da Academia Brasileira de Ciências

 

Paleocurtas

As últimas do mundo da paleontologia
(clique nos links sublinhados para mais detalhes)

Acaba de ser publicado o livro Colecções e Museus de Geologia: missão e gestão, coordenado por colegas portugueses e tendo à frente José M. Brandão, do Museu Mineralógico e Geológico da Universidade de Coimbra, Portugal. Procurando dar destaque à importância dos museus ligados às ciências da terra, a obra tem um artigo muito interessante de Antonio Carlos Sequeira Fernandes (Museu Nacional/UFRJ) e colaboradores sobre as coleções que foram incorporadas ao Museu Nacional, incluindo diversos fósseis. O trabalho resgata parte da história da formação do acervo da instituição científica mais antiga da América do Sul.

Romain Amiot (Universidade de Lyon, França) e colaboradores acabam depublicar um estudo geoquímico a partir de fósseis de diversos depósitosdo Cretáceo da África e do Brasil para determinar as condiçõesclimáticas existentes entre 120 e 90 milhões de anos atrás. Ossos edentes de peixes, dinossauros, pterossauros, crocodilomorfos etartarugas foram analisados, demonstrando que as temperaturas emlatitudes baixas eram similares às de hoje, mas com temperaturas médiasmais altas. Esta pesquisa foi publicada na revista Palaeogeography,Palaeoclimatology, Palaeoecology.

O colunista informa que, no dia 27 de outubro (quarta-feira), dará apalestra Uma expedição à Antártica – um continente fascinante, às18h30m, no auditório do Sindicado dos Professores do Rio de Janeiro(Sinpro-Rio). A expedição em questão, realizada entre 2006 e 2007,foi inspiração para o romance Mistério sob o gelo (Editora Rocco). OSinpro-Rio fica na Rua Pedro Lessa, 35, 2º andar, no Centro do Rio.Mais informações: (21) 3262-3400. Entrada franca.

Patricia Vallati (da UNPSJB, Comodoro Rivadavia, Argentina) acaba depublicar na Revista Brasileira de Paleontologia um estudo sobre duasassociações de pólen pertencentes a angiospermas (principal grupo deplantas atuais) de depósitos do Cretáceo de Neuquén, no centro-oeste daArgentina. Como conclusão principal, a pesquisadora delimita duas áreasdistintas, uma mais ligada ao Brasil e à África, e outra mais ligada àAustrália e a Antártica.

Javier Ortega-Hernández (Universidade de Cambridge) e colegas acabam depublicar a descrição de um novo artrópode fóssil da Tasmânia.Australaglaspis stonyensis é conhecido a partir de 17 espécimesencontrados em rochas do Cambriano Superior (aproximadamente 500milhões de anos) e pertence ao enigmático grupo Aglaspidida, raramenteencontrado nos continentes ao sul do Equador. O novo achado, publicadona Palaeontology, contribui para uma melhor caracterização deste grupoprimitivo de invertebrados.

Chang-Fu Zhou (Universidade de Shenyang, China) acaba de publicar a descrição de um novo exemplar do réptil voador Elanodactylus prolatus. Essa espécie, descrita há alguns anos, é procedente dos famosos depósitos de Yixian (125 milhões de anos) de Liaoning e confirma a existência de caracteres primitivos neste pterossauro, como as proporções de alguns ossos das asas. O trabalho foi publicado na revista alemã Neues Jahrbuch für Geologie und Paläontologie [em inglês].