Aranha de 215 milhões de anos

Na busca por fósseis, pesquisadores costumam ter sua atenção voltada para exemplares que possam ser visualizados sem maiores dificuldades. Em geral, esse é o caso das peças maiores, como ossos, troncos ou folhas grandes. Mas, muitas vezes, importantes descobertas são feitas com achados de diminutas dimensões que facilmente poderiam passar despercebidos.

Este é o caso de uma nova espécie de aranha fóssil que acaba de ser descrita pelo colega Fabio Dalla Vecchia, do Instituto Catalão de Paleontologia M. Crusafont, de Sabadell (Espanha), em associação com Paul Selden, da Universidade do Kansas (Estados Unidos). O estudo, publicado na Acta Palaeontologica, é baseando em um único exemplar, cujo corpo era menor que 3,5 milímetros e que cabe facilmente na superfície de uma unha…

O fóssil da nova aranha, denominada Friularachne rigoi, vem do vale Rovadia Brook, situado na região de Friuli Venezia Giulia, no nordeste da Itália. Denominados de Dolomia di Forni, os depósitos desse local se caracterizam por serem carbonáticos, ricos em dolomita – mineral formado por carbonato de cálcio e magnésio. A idade proposta para essas camadas é Triássico Superior, sendo que o fóssil em questão, segundo Fabio e Paul, deve ter uma idade de aproximadamente 215 milhões de anos.

Em termos de conteúdo paleontológico, a Dolomia di Forni se transformou em um depósito muito importante na Itália, tendo fornecido, nos últimos 30 anos, exemplares extraordinários. Entre os mais abundantes estão os crustáceos decápodes (animais com dez patas), peixes marinhos e plantas terrestres.

Apesar de mais raros, também foram encontrados tetrápodes, como o pterossauro primitivo Preondactylus buffarinii e o réptil arborícola Megalancosaurus preonensis. Aliás, esse último é um dos animais mais esquisitos já encontrados no registro fóssil, lembrando superficialmente um camaleão. 

Fóssil da 'Friularachne rigoi’
Fóssil da aranha, com menos de meio centímetro de comprimento, encontrada na região de Friuli Venezia Giulia, no nordeste da Itália. O estudo do exemplar deu trabalho aos paleontólogos. Além do tamanho diminuto e de sua fragilidade, o animal se preservou como uma mancha negra-amarronzada sobre a superfície da rocha. (foto: Paul A. Selden)

Uma aranha no mar

Segundo estudos sedimentológicos, a região de Friuli Venezia Giulia se formou em condições marinhas, onde a parte mais profunda atingia cerca de 400 metros.

Um momento… um depósito marinho com um aracnídeo tipicamente terrestre?

Posso imaginar o leitor se perguntando se não existe algo de errado nessa história. O que faz uma aranha em locais que outrora foram o fundo de um mar? Ainda mais um invertebrado tão frágil e pequeno…

O que faz uma aranha em locais que outrora foram o fundo de um mar?

Não podemos deixar de estranhar. Porém, os restos de plantas terrestres claramente são uma evidência de que havia terra firme nas proximidades. Mais ainda, análises da composição de matéria orgânica encontrada nesse depósito demonstraram claramente que a região do vale de Rovadia Brook estava muito próxima à costa.

Sendo assim, os pesquisadores acreditam que o único exemplar de Friularachne rigoi vivia em uma ilha de relevo comparativamente baixo e foi carreado para o mar raso, típico de plataformas carbonáticas, onde se preservou. Diga-se de passagem, as plantas encontradas sugerem que o ambiente da época era tropical, com temperaturas relativamente altas.

Importância da descoberta

O estudo do exemplar não foi nada fácil. Além do diminuto tamanho e de sua fragilidade, algo já esperado em se tratando de um invertebrado terrestre, essa aranha se preservou como uma mancha negra-amarronzada sobre a superfície da rocha, de coloração negra. Assim, todas as observações morfológicas tiveram que ser feitas com o espécime imerso em etanol, ou seja, em álcool puro. Todo o esqueleto do aracnídeo encontra-se bastante compactado, com algumas partes faltando.

Friularachne é apenas a quarta ocorrência de aranhas em rochas triássicas e a segunda mais antiga do mundo

Friularachne é apenas a quarta ocorrência de aranhas em rochas triássicas e a segunda mais antiga do mundo. Porém, o mais interessante é a sua classificação: trata-se de um representante do grupo Mygalomorphae, que inclui as aranhas caranguejeiras, também chamadas de tarântulas.

Importante ressaltar que Friularachne não está na linha evolutiva das caranguejeiras, mas possui semelhanças com um outro grupo denominado Atypoidea, que é bem menos numeroso hoje em dia e cujo registro mais antigo até então era de depósitos do Cretáceo. Assim, a nova descoberta demonstra que esse grupo de aranhas já estava presente cerca de 100 milhões de anos antes, corroborando a hipótese de que as aranhas migalomorfas estavam presentes em vários continentes desde o início de sua história evolutiva.

Outro aspecto que chama atenção nessa descoberta é o fato de se poder estabelecer o sexo do único espécime da Friularachne rigoi. Por ter os pedipalpos (apêndices próximos à cabeça e às quelíceras) bem desenvolvidos, os pesquisadores puderam determinar que se trata de um indivíduo macho. Entre as características diagnósticas da nova espécie estão a carapaça mais larga na parte anterior, as quelíceras bem desenvolvidas providas de dentículos e os membros alongados e finos.

Desenho Friularachne rigoi
Apesar de o fóssil não estar completo, os pesquisadores conseguiram identificar características importantes da aranha, inclusive seu sexo. Pelos pedipalpos bem desenvolvidos, concluíram que se trata de um indivíduo macho, de carapaça mais larga na parte anterior, quelíceras bem desenvolvidas e os membros alongados e finos. (fonte: Dalla Vecchia e Selden, 2013)

Uma curiosidade ainda paira no ar: como esse animal acabou sendo preservado nas rochas carbonáticas italianas? As fêmeas das aranhas do grupo Atypoidea que vivem hoje tendem a passar a vida confinadas em suas teias, enquanto que os machos, após se tornarem adultos, saem a vagar pelo terreno à procura de fêmeas para acasalamento.

Assumindo um comportamento similar, Fabio e Paul especulam que possivelmente durante um desses momentos esse macho de Friularachne rigoi tenha sido pego de surpresa e varrido para dentro do mar. Como não podia deixar de ser, nunca teremos certeza do que realmente aconteceu a esse desafortunado indivíduo…

Alexander Kellner
Museu Nacional/ UFRJ
Academia Brasileira de Ciências

 

Paleocurtas

As últimas do mundo da paleontologia
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Uma triste notícia assolou a paleontologia nacional. Uma das mais importantes e bem elaboradas exposições paleontológicas brasileiras, a do Museu de História Natural da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, em Belo Horizonte, pegou fogo. Apesar da tragédia, felizmente as coleções paleontológicas não foram afetadas. Devemos todos apoiar a instituição nesse momento difícil e ajudar na sua reconstrução.

Mátyás Vremir (Transylvanian Museum Society, Romênia) e colegas acabam de publicar na PLoS One a descrição de um novo pterossauro. Pertencendo ao grupo chamado de Azhdarchidae, Eurazhdarcho langendorfensis foi encontrado na região de Sebes, na Transilvânia (Romênia), e é proximamente aparentado com formas encontradas no Uzbequistão. O estudo discute a distribuição desse grupo de animais alados durante o Cretáceo Superior.

O Simpósio Internacional sobre Pterossauros (Rio Ptero 2013) acaba de divulgar dados sobre o trabalho de campo a ser realizado na Bacia do Araripe. Coordenado pelos profissionais da Universidade Regional do Cariri (Urca), essa atividade está prevista para maio, entre os dias 27 e 30, e dará a oportunidade de se conhecer o Museu de Paleontologia de Santana do Cariri. Mas atenção: as inscrições são limitadas! Mais informações no site do evento.

Uma grande equipe de pesquisadores liderada por Leonardo Ávilla (Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro) acaba de publicar a primeira ocorrência na região norte do Brasil do mamífero fóssil Catagonus stenocephalus, uma forma extinta que faz parte do grupo dos javalis. O material é formado por uma arcada superior recuperada de depósitos de caverna situados em Aurora do Tocantins (Tocantins), cuja idade é tida como do Pleistoceno Superior. A equipe aproveitou a descoberta e revisou a distribuição dessa espécie de mamífero extinto que havia sido registrada anteriormente em outras partes do Brasil, Argentina, Uruguai e Bolívia. O estudo foi publicado no Journal of South American Earth Sciences.

Um estudo detalhado sobre 217 gêneros de crinoides (animais marinhos pertencentes ao grupo dos equinodermas) encontrados em depósitos do Carbonífero da América do Norte e das Ilhas Britânicas foi publicado na Palaeontology. William Ausich (The Ohio State University, Columbus) e Thomas Kammer (West Virginia University, Morgantown) puderam estabelecer as mudanças evolutivas que impactaram as faunísticas desses animais da parte média para a parte superior do Paleozoico.

Evgeny Yan (Paleontological Institute, Russian Academy of Scienes, Moscou) e colegas acabam de descrever novos coleópteros procedentes do famoso depósito de Yixian (Cretáceo Inferior) da China. Trata-se de duas espécies (Cretasyne lata e Cretasyne  longa) do grupo extinto Lasiosynidae, aumentando a diversidade da fauna de insetos fósseis daquele depósito. O estudo foi publicado na Cretaceous Research

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