As crises e as incertezas

O touro acima, esculpido pelo artista ítalo-americano Arturo di Modica em 1989, é um dos símbolos de Wall Street, nas imediações da Bolsa de Valores de Nova York, centro nevrálgico da economia mundial (foto: Myles Davidson).

Nas últimas semanas temos observado (e sentido) os efeitos da crise financeira que está afetando todo o planeta. Como atualmente as economias estão interligadas, os problemas que surgem em um país afetam os outros, principalmente quando a crise ocorre no país que domina a economia global, que é o caso dos Estados Unidos da América.

A globalização cada vez mais acentuada dos mercados mostra o quanto pode ser complexo um sistema com tantas variáveis. Algumas vezes, pequenas perturbações podem gerar grandes problemas. O atual sistema capitalista torna as economias dos países de tal maneira interdependentes que, quando as economias mais fortes atravessam problemas, eles se refletem em todo o mundo.

Se pensarmos do ponto de vista de uma economia clássica, baseada no princípio de que tudo ocorre de forma racional, os investimentos seriam feitos a fim de otimizar o retorno financeiro e a livre competição levaria todos a um equilíbrio estável. É como se o comportamento dos mercados seguisse leis semelhantes às da mecânica clássica – para cada efeito, ocorre uma determinada reação específica.

Vejamos um exemplo da física, utilizando as leis de Newton. É possível prever com grande precisão os movimento de um pêndulo simples (uma massa pendurada por um fio fino). Se não considerarmos os efeitos do atrito, podemos calcular a freqüência e a amplitude da oscilação do pêndulo. A freqüência dependerá apenas do comprimento do fio e da aceleração da gravidade; a amplitude dependerá do impulso inicial para o início do movimento. Se não perturbarmos o pêndulo, ele oscilará para sempre.

Desse ponto de vista, em princípio, conhecendo os fundamentos básicos da economia, seria possível prever os movimentos do mercado, levando em conta suas oscilações e flutuações. Mas, como já se observou, a aplicação de modelos deterministas tem se mostrado insuficiente para prever os acontecimentos econômicos, principalmente quando ocorrem crises globais, como a que presenciamos nas últimas semanas.

Complexidade na economia

O economista norte-americano W. Brian Arthur, um dos primeiros a aplicar os conceitos de complexidade à economia (foto: Univ. de Santa Fé).

O economista americano W. Brian Arthur (1946-) foi um dos primeiros a aplicar os conceitos de complexidade à economia. Ele mostrou que um grande número de agentes responsáveis por decisões econômicas são influenciados por fatores aleatórios e não costumam tomar sempre decisões “racionais”. No caso da chamada de “bolha especulativa”, a mera expectativa de crise em um determinado mercado pode-se tornar uma profecia auto-realizada, ou seja, desencadear a crise prevista.

As flutuações de um determinado indicador econômico levam, por exemplo, investidores a começar especular em relação ao valor do dólar. O aumento da cotação dessa moeda produz influências em vários outros setores da economia. É como se fosse uma avalanche: o movimento de uma pequena pedra faz com que toda uma montanha desabe.

De certa maneira, o comportamento dos atuais mercados é muito semelhante ao dos sistemas biológicos, nos quais existem competições entre determinadas espécies e aquelas que melhor se adaptam às mudanças do meio em que vivem conseguem sobreviver. Essa adaptação leva a uma evolução da espécie. Entretanto, nem sempre evolução significa progresso, pois a adaptação pode levar a situações nem sempre confortáveis.

A economia, como muitos outros sistemas dinâmicos complexos, apresenta instabilidades muitas vezes causadas por perturbações aleatórias. Esses tipos de sistemas são considerados caóticos. O caos surge devido a fatores de instabilidade em um sistema, mesmo naqueles descritos por leis determinísticas, como é o caso da física clássica e relativística.

Sistemas dinâmicos complexos
O conceito de caos na física está associado à compreensão de sistemas dinâmicos complexos, que apresentam instabilidades conforme evoluem com o passar do tempo, levando a resultados determinados pela ação e interação de elementos de maneira praticamente aleatória.

Nuvens fotografadas em Swifts Creek, na Austrália. A formação de nuvens configura um sistema difícil de ser descrito pelas leis determinísticas da física clássica, em função da grande suscetibilidade à influência de fatores de várias naturezas (foto: Wikimedia Commons).

 

Uma nuvem que se forma no céu, por exemplo, depende de muitos fatores, como a temperatura da região, a taxa de evaporação de água, a velocidade do vento, o relevo da região etc. Mesmo sistemas descritos por leis de evolução bem definidas podem apresentar grande sensibilidade a perturbações, o que leva a resultados imprevisíveis.

 

Tanto a física clássica como a relativística são deterministas, ou seja, seus resultados apresentam soluções que se modificam com o tempo de uma maneira determinada. No entanto, quando essas teorias são aplicadas a sistemas complexos, pequenos efeitos não previstos por elas acabam influenciando os resultados finais.

 

No caso da física quântica, probabilística pela própria natureza, ainda é possível encontrar sistemas caóticos. Entretanto, novos modelos matemáticos que incluem esse tipo de influência podem mostrar que o que parece ser o acaso é descrito por equações não lineares (por exemplo, x 2

– 1 = 0). Já é possível resolver alguns casos simples, mas os mais complexos ainda não têm solução matemática.

 

Mesmo as teorias físicas que podem ser aplicadas a uma grande gama de problemas, do ponto de vista teórico ou matemático, ainda não conseguem descrever e prever completamente o comportamento de sistemas muito complexos.

 

Da mesma maneira, não há como descrever simplesmente com leis determinísticas os fatores na economia e no mercado financeiro que fazem oscilar os resultados das bolsas de valores, aumentar e cair as taxas de juros, diminuir ou aumentar o crédito na economia etc. Esses fatores não se comportam similarmente a um pêndulo, ou seja, não voltam facilmente aos patamares iniciais. De fato, o sistema financeiro global está muito mais próximo de um “ser vivo”, sujeito a variação de humores e de decisões passionais, do que de algo descrito racionalmente por leis determinísticas.

 


Adilson de Oliveira

Departamento de Física

Universidade Federal de São Carlos

17/10/2008