Você já se deu conta de que as mãos são capazes de transmitir uma riqueza infinita de gestos, que comunicam diferentes significados entre os seres humanos? Sabia que a riqueza dos gestos manuais humanos não tem paralelo entre os animais?
Alguns gestos comunicam informações objetivas, como números – é possível contar pelo menos até dez, posicionando especificamente os diferentes dedos das mãos. Outros gestos indicam alvos para orientar a atenção do interlocutor: veja aquele carro vermelho! E o indicador se estende com o punho fechado, apontando o objeto indicado.
Tudo com grande sutileza: o indicador estendido com a mão fechada na horizontal aponta; porém, se a mão for colocada à frente na vertical, trata-se de uma ameaça! Se, além disso, o polegar também se estender, a mão passa a representar um revólver – ameaça ou brincadeira.
O vocabulário das mãos é infinito e contribui para enriquecer a linguagem falada com uma dimensão que os linguistas chamam prosódia. Ela complementa as informações linguísticas ou acrescenta a elas um tom emocional que pode até mudar o sentido do que está sendo dito.
O vocabulário gestual das mãos, obviamente, tem aspectos biológicos determinados pelo repertório comportamental transmitido pelo genoma, mas sofre também uma grande influência social e cultural.
Alguns gestos atravessam as culturas humanas e têm funções adaptativas importantes. Ao percebermos alguém que se aproxima para nos agredir, instantaneamente levamos as mãos espalmadas à frente para contê-lo – é um gesto de defesa inato.
Porém, se você tem dúvida sobre a importante determinação cultural e social de outros gestos, repare na figura ao lado. Não se atreva a utilizar o gesto em vermelho em ambientes de fino trato!
A percepção dos gestos
Sendo os gestos uma forma de comunicação da maior importância, como é que os percebemos? De que modo o cérebro atua para identificá-los em um par de mãos que não para de se mover, e decodificar o seu significado de forma a orientar o comportamento subsequente?
Essa questão tem interessado os neurocientistas desde que se descobriu que a face humana dispõe de regiões cerebrais inteiras para sua percepção. Essas regiões contêm neurônios especializados na identificação das faces e expressões que somos capazes de produzir. Será que o mesmo ocorreria com os gestos?
Um aspecto particular dessa questão é avaliar se os gestos que contêm informação emocional são tratados com mais atenção pelos sistemas perceptuais do cérebro, para tornar mais eficiente a sua identificação e agilizar a elucidação do seu significado. Durante uma conversa com alguém importante para você, é preciso estar preparado para sacar rapidamente qualquer informação de prazer ou desprazer, agrado ou desagrado, aprovação ou reprovação. A atenção tem que ser redobrada!
Os gestos são percebidos visualmente pelo sistema nervoso a partir da retina, que envia ao cérebro as informações de cor, movimento, localização espacial, forma e outros aspectos das mãos do interlocutor. No córtex cerebral essa informação é canalizada para áreas especializadas na identificação de diferentes objetos, entre eles as partes do corpo e, entre estas, as mãos. Mas as mãos podem se mover ou se posicionar sem que isso signifique qualquer coisa. Como saber?
Atenção para as mãos!
Um grupo de pesquisadores alemães das Universidades de Konstanz e de Münster, liderados por Tobias Flaisch e Markus Junghöfer, propôs-se a testar a hipótese de que os gestos emocionais teriam a capacidade de orientar a atenção visual, permitindo um processamento perceptual preferencial e mais eficiente do seu significado.
Para isso, recrutaram um grupo de voluntários jovens de ambos os sexos. Eles foram submetidos a testes que consistiam simplesmente na observação de fotografias de mãos efetuando gestos como se pode ver abaixo.
O gesto da esquerda tem caráter emocional positivo: OK. O do meio é neutro: pode significar o número 1 ou apontar para cima. Já o da direita é considerado um insulto.
Inicialmente, os voluntários foram solicitados a avaliar os três gestos, atribuindo-lhes uma nota segundo a sua carga emocional. Como se esperava, o polegar apontado para cima não teve avaliação negativa (claro, é um sinal de OK…); o indicador apontado para cima mostrou-se neutro, com notas intermediárias; e o terceiro dedo estendido teve a carga emocional considerada muito negativa. Nada de especial, até aí.
O cérebro presta mais atenção aos gestos emocionais
Na etapa seguinte, os voluntários foram divididos em dois grupos e submetidos a dois estudos complementares. Em um caso, vestiam uma touca com eletrodos para registro do eletroencefalograma (EEG), enquanto as imagens dos gestos eram apresentadas diante dos olhos, em sequência aleatória. No outro caso, as imagens eram projetadas com os sujeitos dentro do aparelho de ressonância magnética. O objetivo era comparar a atividade cerebral em áreas restritas do córtex para gestos emocionalmente negativos, positivos ou neutros.
Comparado com o gesto neutro, o terceiro dedo apontado para cima provoca maior atividade do eletroencefalograma (EEG) nas regiões de processamento visual, o que pode ser confirmado pela imagem de ressonância magnética funcional (RMf). Modificado de T. Flaisch e colaboradores. NeuroImage 45:1339-1346 (2009).
Os resultados foram surpreendentes. A atividade cerebral nas áreas visuais responsáveis pela identificação das mãos mostrou-se bem maior para os gestos carregados de conteúdo emocional negativo do que para aqueles com conteúdo emocional positivo, e bem mais ainda em comparação com os neutros.
O estudo com o EEG mostrou, além disso, que a atividade nas regiões visuais ocorre antes quando os gestos têm alguma carga emocional. Isso significa que essas regiões do cérebro são “preparadas” para processar com mais rapidez esses gestos, e mais lentamente no caso daqueles que não têm carga emocional.
E mais: o hemisfério cerebral direito apresentou sempre maior atividade durante o experimento do que o hemisfério esquerdo, indicando que é mesmo o nosso especialista em emoções, isto é, aquele que interpreta mais precisamente o significado emocional das coisas.
Quando uma área do cérebro encarregada de algum aspecto da percepção sensorial é sensibilizada de modo privilegiado para o processamento, dizemos que a pessoa está realizando uma percepção seletiva, o que é uma forma de atenção. Prestamos mais atenção ao que nos interessa mais perceber. O cérebro faz isso preparando-se para receber os estímulos relevantes, por meio da sensibilização da área cerebral correspondente.
A conclusão é que os gestos emocionais são estímulos relevantes para nós e que, por isso, nosso cérebro fica focalizado neles. Portanto, cuidado com as mãos! Seu interlocutor está prestando muita atenção nelas…
SUGESTÕES PARA LEITURA
B. de Gelder (2006) Towards the neurobiology of emotional body language. Nature Reviews. Neuroscience, vol. 7: pp.242-249.
M. Lotze e colaboradores (2006) Differential cerebral activation during observation of expressive gestures and motor acts. Neuropsychologia, vol. 44: pp.1787-1795.
T. Flaisch e colaboradores (2009) Neural systems of visual attention responding to emotional gestures. NeuroImage, vol. 45: pp. 1339-1346.
Agradeço a Sonia Costa pela sugestão do tema desta coluna.
Roberto Lent
Professor de Neurociência
Instituto de Ciências Biomédicas
Universidade Federal do Rio de Janeiro
31/07/2009