Belo Monte: a luta continua

No momento em que esta coluna vai ao ar, recebemos a informação de que a liminar que cancelava o leilão de Belo Monte foi cassada. O leilão, portanto, estaria mantido para o dia 20. A reviravolta jurídica não anula o raciocínio do colunista: pelo contrário, ela torna ainda mais preocupantes suas conclusões.

A Justiça Federal determinou na quarta-feira, 14 de abril, a suspensão da licença prévia para a construção da hidrelétrica de Belo Monte, no Pará, pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama). Foi determinado ainda o cancelamento do leilão da usina que estava marcado para o dia 20. A liminar foi concedida por um juiz federal em ação civil pública do Ministério Público Federal (MPF) do Pará.

O mesmo juiz ordenou que o Ibama se abstenha de emitir nova licença, que a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) se abstenha de fazer novo edital e que sejam notificados os financiadores e as empresas envolvidas no projeto. Segundo o juiz, “resta provado, de forma inequívoca, que a usina de Belo Monte explorará potencial de energia hidráulica em áreas ocupadas por indígenas que serão diretamente afetadas pela construção e desenvolvimento do projeto”.

Segundo o atual diretor de licenciamento do Ibama, “existem mapas e a anuência da Funai [Fundação Nacional do Índio] ao processo todo, e nenhum mapa do empreendedor nos estudos que foram feitos remete a essa influência direta, que é justamente a base dessa lei na qual o juiz deu o parecer”. Não lhe ocorreu, pelo visto, que o parecer dos empreendedores não é necessariamente confiável, já que se encontram em óbvio conflito de interesse na matéria.

Não ocorre ao Ibama que o parecer dos empreendedores não é necessariamente confiável

Já o ex-presidente da Funai, o antropólogo Mércio Gomes afirma que o projeto de construção da usina é mal feito e afetará profundamente cerca de mil indígenas das etnias Arara, Juruna e Xikrin, além de ribeirinhos.

Segundo o antropólogo, a instalação de uma barragem antes da Volta Grande do rio Xingu diminuirá o fluxo de água durante períodos de seca, impedindo o tráfego fluvial, promovendo a proliferação de algas, reduzindo a reprodução de peixes e ainda pode provocar o aumento de doenças causadas por insetos, como a malária, devido à formação de grandes poças d’água.

De acordo com ele, “com a intervenção, não vai haver um fluxo de água permanente do tamanho da largura do rio, que em várias partes chega a um quilômetro. Se só tivermos um filete de água, cobrindo apenas 50 metros da largura do rio, teremos 900 metros de terra encharcada para os mosquitos crescerem”. O ex-presidente acrescenta que o projeto não foi negociado com os índios, que ainda não sabem exatamente quais serão os impactos da obra e como podem ser compensados.

Resistência de índios e ambientalistas

O problema é que os índios não sabem – e ninguém mais sabe. Na ação interposta pelo MPF, este último argumenta especificamente que a construção do empreendimento violaria vários dispositivos da legislação ambiental, inclusive pela falta de dados científicos conclusivos.

Os índios não sabem exatamente quais serão os impactos – e ninguém mais sabe

Além disso, outra ação interposta pelo Conselho Indigenista Missionário (Cimi) pede a suspensão do leilão pelo mesmo motivo da decisão que resultou na concessão da liminar da quarta-feira. Nada surpreendente, já que o projeto enfrentou por décadas resistência de populações indígenas e de ambientalistas, que condenam o empreendimento.

Assim, a indústria barrageira brasileira parece mais competente em produzir ex-ministras do meio ambiente, ex-diretores da Funai, ex-diretores de licenciamento e superintendentes do Ibama do que em produzir dados científicos que demonstrem a viabilidade sócio-ambiental – e até financeira – de seus megaprojetos. Ou serão megaexperimentos?

Hidrelétrica de Wolf Creek
Hidrelétrica de Wolf Creek, inaugurada em 1951 em Kentucky, nos Estados Unidos. Estima-se que, só naquele país, melhorias como a troca de turbinas por modelos mais eficientes poderiam levar à geração de 187 mil megawatts-hora por ano (foto: USACE Nashville District).

Enquanto isso, o Departamento de Energia dos Estados Unidos estima que melhorias tecnológicas das barragens já existentes – como a troca de turbinas por modelos mais eficientes – poderiam levar, naquele país, à geração de 187 mil megawatts-hora por ano a um custo médio de menos de 4 centavos de dólar por kWh, tudo isso sem construir novas barragens.

E o que diz a Comissão Mundial de Barragens, criada em 1998 por iniciativa do Banco Mundial e da União Internacional pela Conservação da Natureza (IUCN, na sigla em inglês), em um relatório de 2000 que analisou varias dezenas de projetos hidrelétricos em diferentes países?

Segundo eles, os custos das barragens foram inaceitáveis, particularmente em termos dos impactos para pessoas deslocadas, comunidades a jusante e o meio ambiente. De acordo com a comissão, 40 a 80 milhões de pessoas foram violentamente expulsas de suas casas para dar lugar a represas.

Indenização para quem?

Mas por que estamos tão preocupados com o destino dos deslocados pelas nossas futuras grandes barragens? Afinal, os responsáveis pelas obras juram de pés juntos que serão todos indenizados. Esquecem perversamente de mencionar que a indenização será condicionada à comprovação da titularidade das terras. Tomara que ninguém copie a ideia no caso das vitimas dos recentes e mortíferos deslizamentos de terra nas favelas cariocas e fluminenses.

A indenização será condicionada à comprovação da titularidade das terras

Já o estado da Califórnia aprovou recentemente uma lei de águas que incluiu o  financiamento de 250 milhões de dólares para ajudar a pagar pela remoção de quatro grandes barragens no rio Klamath. A construção dessas barragens é parte de um acordo negociado entre os governos da Califórnia e do Oregon, o governo federal, os donos das barragens, tribos locais, agricultores e ambientalistas.

Que inveja…

Jean Remy Davée Guimarães
Instituto de Biofísica Carlos Chagas Filho
Universidade Federal do Rio de Janeiro