Betacaroteno, o protetor da fotossíntese

A fotossíntese é o principal processo que garante a existência da vida na Terra. Os organismos fotossintetizantes transformam a energia solar em biomassa. Mas, se a intensidade dessa energia passar de certo limite, a capacidade de gerar biomassa pode desaparecer. O vilão da história é o oxigênio, que, sob o efeito da intensa radiação, pode ser liberado em uma forma extremamente reativa.

Provavelmente você já ouviu falar do betacaroteno, um pigmento presente em alguns vegetais, como a cenoura, e que tem reconhecida ação antioxidante. Ele inibe a ação prejudicial do oxigênio no nosso organismo e, pelas recentes descobertas relatadas na literatura científica, produz um efeito similar na fotossíntese.

A história é longa, complexa e emocionante. Vale a pena conhecê-la. Mas ela só pode ser contada em detalhes com a ajuda da teoria quântica, em um nível que está fora do escopo desta coluna. Portanto, tentarei contar a história com uma linguagem mais simples, sem comprometer o entendimento dos conceitos fundamentais.

Essa história só pode ser contada em detalhes com a ajuda da teoria quântica

Os fundamentos da fotossíntese e alguns resultados de estudos contemporâneos sobre esse tema já foram apresentados aqui em maio de 2011, julho de 2011, fevereiro de 2013 e outubro de 2014.

Se a intensidade da radiação solar estiver abaixo do limite mencionado no início do texto, ocorre o seguinte processo, de amplo conhecimento por parte dos biólogos. O pigmento fotossintetizante mais externo, denominado pigmento antena, absorve a radiação e fica em um estado energeticamente excitado. Por meio de uma série de interações entre pigmentos vizinhos, o nível de excitação – portanto, a energia absorvida – será transmitido até um local, denominado centro de reação fotoquímica, no qual a energia tomará a forma conhecida como energia bioquímica e ficará disponível para a produção de biomassa.

Todo o processo é complexo, mas os pesquisadores estão satisfeitos com as explicações conhecidas. O problema que permanece em debate é o que ocorre quando a intensidade da radiação solar é muita alta. Uma parte dessa radiação será usada para o processo que acabei de descrever, mas a parte que sobra poderá danificar todo o complexo fotossintetizante, por meio da produção de oxigênio.

Agente fotoprotetor

No início dos anos 1950, ficou claro que esse desastre, ou seja, a formação de oxigênio reativo, era evitado pela ação de carotenoides. Esses carotenoides dissipam a energia excedente sob a forma de calor e não deixam que ela, sob a forma de excitação atômica, chegue aos locais onde o oxigênio poderia ser formado.

Ao longo das últimas seis décadas, estudiosos do assunto vêm sendo desafiados a explicar o mecanismo molecular responsável por esse efeito fotoprotetor dos carotenoides

Vale a pena esclarecer o que é energia sob a forma de excitação atômica. Quando certa quantidade de energia é absorvida por um sistema atômico, esse sistema fica em um estado excitado. Depois de um curto intervalo de tempo, ele volta ao seu estado normal, liberando a energia absorvida. Essa energia pode ser largada no ambiente, sob a forma de radiação ou calor, ou ser aproveitada por outros componentes do sistema, que passarão para um estado excitado. Nesse caso, a energia foi transferida sob a forma de excitação atômica.

Ao longo das últimas seis décadas, estudiosos do assunto vêm sendo desafiados a explicar o mecanismo molecular responsável por esse efeito fotoprotetor dos carotenoides. Diversas propostas participam de uma acirrada competição, mas parece que uma delas está próxima da vitória.

Em trabalho recentemente publicado na Nature Chemical Biology, Hristina Staleva e colaboradores mostraram que, em uma cianobactéria (bactéria que obtém energia por fotossíntese), o excesso de energia acumulado na clorofila foi transferido para um nível excitado de um betacaroteno que estava grudado na clorofila. Eles descobriram também qual foi a proteína responsável pela ligação do betacaroteno à clorofila.

Cianobactéria
Cianobactéria vista ao microscópio. O betacaroteno extrai o excesso de energia acumulado na clorofila desse microrganismo e o libera na forma de calor, evitando assim prejuízos à sua fotossíntese. (imagem: Wikimedia Commons/ Iceclanl – CC BY-SA 3.0)

Depois de transferida para o betacaroteno, a energia é dissipada sob a forma de calor. Trata-se de um processo regulador denominado ‘extinção não fotoquímica’, conhecido desde os anos 1950, mas muito difícil de ser observado. A dificuldade reside na rapidez das várias etapas do processo, cujos intervalos de tempo geralmente ficam abaixo do picossegundo, a trilionésima parte do segundo.

Até o final dos anos 1970, não era possível observar, com precisão aceitável, processos nessa escala de tempo. Isso ficou viável com a invenção da espectroscopia de femtossegundos, no início dos anos 1980. O femtossegundo é a milionésima parte do picossegundo.

Quando a radiação solar é muito intensa e coloca em risco os complexos fotossintetizantes, o betacaroteno entra em ação e extrai a energia do estado excitado da clorofila para dissipá-la sob a forma de calor

Foi graças a essa espectroscopia que Staleva e colaboradores puderam mostrar claramente, pela primeira vez, que na cianobactéria estudada os betacarotenos estão grudados na clorofila, que o excesso de energia de excitação da clorofila é transferido para o betacaroteno e que este libera a energia sob a forma de calor, configurando assim o mecanismo de fotoproteção do betacaroteno.

Foi então comprovado experimentalmente o processo conhecido como extinção não fotoquímica, que evita a produção de oxigênio altamente reativo. Quando a radiação solar é muito intensa e coloca em risco os complexos fotossintetizantes, o betacaroteno entra em ação e extrai a energia do estado excitado da clorofila para dissipá-la sob a forma de calor.

Embora bastante animadores, esses resultados não excluem a possibilidade de existirem outros mecanismos responsáveis pela fotoproteção. Investigações com outros materiais e em diferentes condições ambientais provavelmente dirão se se trata de um mecanismo universal ou um caso particular.

Carlos Alberto dos Santos
Professor aposentado do Instituto de Física da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS)