A COP-17, reunião das Nações Unidas sobre mudanças climáticas, em Durban, África do Sul, terminou no último dia 11 sem o final trágico que se chegou a temer, mas também sem oferecer muito o que comemorar. A expectativa era ruim. Afinal, a COP-15, realizada em 2007 em Copenhague, teve 120 chefes de Estado; a COP-16, em Cancun, 30; e a COP-17, apenas 12.
As notícias do front climático no período anterior ao encontro também não eram nada animadoras, como a divulgação pelo Projeto Carbono Global de um aumento de 5,9% nas emissões globais de gases-estufa em 2010 em comparação a 2009; a estimativa pelo Instituto Federal de Tecnologia de Zurique, Suíça, de que 75% do aquecimento observado nos últimos 60 anos pode ser diretamente relacionado à ação humana e de que o derretimento das geleiras dobrou desde 1980.
Diante de tal quadro, cientistas como Stefan Rahmstorf, do Instituto de Pesquisa do Clima em Potsdam, Alemanha, admitem que já é provavelmente tarde demais para evitar um aquecimento de 3 graus. A meta estipulada em Cancun como limite seguro para o aquecimento até o fim do século era de 2 graus. Sem acordo, o aumento pode chegar a 7 graus até 2100. Mas não se empolgue! Todas as previsões pessimistas anteriores estavam furadas. Os fatos indicam que elas eram, na verdade, otimistas.
E o que o IPCC prevê com o aumento de 2 graus na temperatura média da superfície do planeta? Entre outras amenidades, risco de seca e extinção na Amazônia, branqueamento global de corais, declínio global da produção agrícola, subida do nível do mar em 80 cm.
Tomara que não seja otimista, porque o cenário considerado mais provável a partir de Durban é um aumento de 3 a 4 graus em relação à temperatura no período pré-industrial, o que, segundo o IPCC, tem risco de tornar a Amazônia uma lembrança e causar a dissolução dos corais – que já estariam mortos mesmo –, a extinção global de 40% a 70% das espécies, o colapso de toda a agricultura africana e a elevação do nível do mar em um metro até 2100 – ou quatro metros se a porção oeste da Antártica se desintegrar ou o dobro disso se a Groenlândia resolver ajudar, perdendo 60% de sua calota de gelo.
Mas, voltando à COP-17. Após muitas reviravoltas, manobras de bastidores, adiamentos e noites em claro, acabou sendo um sucesso. Sucesso diplomático. Renovou-se o acordo de Kyoto, consolidaram-se propostas de Cancun e, sobretudo, desenharam-se as linhas de um acordo do clima que prevê limites compulsórios de emissão para os principais vilões, incluindo Estados Unidos, China, Índia e Brasil, o que é a grande novidade. O problema é que tudo isso é para fechar até 2015 um acordo que só vigorará a partir de 2020!
E o Brasil, como se saiu na COP-17? Muito bem, com iniciativas bem-sucedidas para destravar negociações emperradas e confirmando em alto e bom som a aceitação de metas de emissão que havia balbuciado em Copenhague, em 2009. Bom menino. Pena que tem dupla personalidade.
Ideias e mais ideias
De fato, no front interno, seguimos praticando exatamente o contrário do que pregamos sob os holofotes da mídia em conferências internacionais e tocamos impávidos nosso ambicioso projeto de empalidecer de inveja os mais empedernidos neoliberais. Tremei matas, veredas, parques, reservas biológicas ou indígenas, estais no caminho do progresso. Agricultura, pecuária e mineração vos têm na mira. E parecem até ter combinado uma agenda comum.
Começamos votando um novo código florestal que anistia o desmatamento pregresso e facilita o futuro. O futuro desmatamento, entenda-se. Portanto, continuaremos entre os principais emissores do planeta, devido às queimadas, e desacreditamos de antemão qualquer compromisso ou meta. Parece meio esquizofrênico. E é mesmo.
Também insistimos em fingir que está tudo bem com Belo Monte, apesar da oposição crescente ao projeto.
O vazamento de petróleo em poços da Chevron em Campos deu um tranco nas esperanças do pré-sal e revelou o despreparo e a descoordenação de empresas, ministérios e agências. A agência reguladora do setor dispõe de verba para fiscalização equivalente à despesa da Petrobras com cafezinho, por exemplo. Apesar disso, já há pressão para liberar a exploração de petróleo próximo ao parque marinho de Abrolhos, na Bahia, onde há reservas promissoras.
Empresas mineradoras e parlamentares mineiros estão em campanha pelo recorte da área de proteção da Serra da Canastra, em Minas Gerais, que tem áreas ricas em diamantes. Não especificam a quantidade de água que a atividade vai consumir nem a carga de sedimentos que despejará nas nascentes do São Francisco. Mas isso poderia colocar o país entre os principais produtores de diamantes do mundo. É uma boa ideia? Não sei. Pergunte aos sul-africanos e à minguada população atual de Diamantina, MG.
E as empresas de mineração de ouro estão na corrida também. As cotações ascendentes do metal vêm animando o setor e a mídia nos informa, sempre na seção de economia, que o país tem potencial para – de novo – subir ao pódio dos principais produtores mundiais. É uma boa ideia? Não sei. Pergunte a quem vive nas regiões da Amazônia que foram palco da corrida do ouro dos anos 1980.
Aliás, as notícias atuais não mencionam qual o processo de extração de ouro que essas modernas indústrias utilizam: amalgamação com mercúrio, cianetação, flotação, combinações desses processos? – Vale lembrar que o último dos citados é o único que não apresenta risco apreciável de contaminação química ambiental. Qual será o consumo de água dessa atividade? Há risco de assoreamento dos cursos d’água locais? Uma jujuba para quem souber.
Isto também parece esquizofrênico. E, de novo, é mesmo.
Rasteiras e mais rasteiras
Mas todas essas nobres, lucrativas e insustentáveis atividades esbarram nos resquícios da combalida legislação ambiental brasileira, que vem sendo metodicamente desmontada para acomodar os crescentes apetites do Sr. Mercado.
Queda de uma ministra, cisão do Ibama em dois, abate serial de diretores(as) de licenciamento, novo código agropecuário – digo, florestal –, autismo dos consórcios público-privados que tocam os projetos, pressão contra a demarcação de reservas indígenas, contra a integridade de parques e reservas.
Um novo elo dessa corrente de esvaziamento progressivo foi forjado no último dia 9, quando a presidente Dilma Roussef sancionou a lei que tira mais poder do já exangue Ibama, ao transferir aos estados e municípios o poder de multar desmatamentos. Ou não, claro.
A rasteira foi especialmente cruel por ignorar apelos explícitos da ministra do Meio Ambiente para que se vetassem determinados artigos da proposta, em particular o acima mencionado, no mesmo momento em que a suplicante se encontrava em Durban, defendendo heroicamente seus algozes e as cores da bandeira nacional, não necessariamente nessa ordem.
Não sei se é esquizofrênico ou não. Mas que acho triste, acho.
Jean Remy Davée Guimarães
Instituto de Biofísica Carlos Chagas Filho
Universidade Federal do Rio de Janeiro