Todo colunista acaba, mais dia menos dia, escrevendo sobre a falta de assunto, o blues da página em branco. Como esta coluna não se curva facilmente a normas e convenções, falaremos exatamente do contrário. Sendo esta uma coluna de ciências ambientais, a falta de assunto é algo desconhecido por aqui – o drama é justamente o excesso de assuntos disputando o texto do mês.
Eu poderia, por exemplo, falar do relatório “Exposição do setor financeiro ao risco do capital natural”, divulgado pelo Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável e pela Agência Alemã para a Cooperação Internacional, que calcula que a pecuária bovina nacional gera, para cada milhão de receita, 22 outros de prejuízos ambientais na forma de emissões de gases-estufa e desmatamento.
Ou ainda falar da perda de cerca de 15% da safra agropecuária na serra fluminense devido à estiagem prolongada, ou dos efeitos drásticos da redução da vazão dos rios sobre a qualidade de suas águas, já que a emissão de esgoto e resíduos, ao contrario da vazão, não diminuiu.
Poderia, quem sabe, descrever os dados preocupantes sobre o aumento dos refugiados ambientais pelo mundo, um dos temas discutidos no recente Encontro das Américas frente à Mudança Climática, em Bogotá, do qual, aliás, quase ninguém ouviu falar. Ou analisar as inúmeras implicações do escândalo do software instalado nos carros a diesel da WV, que fraudava os testes de emissão de poluentes, destacando que os dados coletados na investigação permitem estimar o excedente de mortes precoces causadas pelo excedente de poluição emitida, assim como seu custo.
Mas não farei nada disto. Prefiro deixá-los com imagens que ilustram diferentes efeitos de calor e seca pelo mundo em 2015. Confira neste link.
Pelo mundo
Facilito aos leitores a tradução das principais informações. Na França, julho de 2015 foi 2ºC mais quente que o normal, tornando-se o terceiro mês de julho mais quente desde 1900. No dia 1o daquele mês, a temperatura atingiu 39,7°C, levando os parisienses a buscar pontos de água como este frente à Torre Eiffel.
No mesmo dia, os britânicos viveram outro recorde de calor. Em Londres, enquanto os fãs de tênis seguiam o campeonato de Wimbledon ao ar livre, a cobertura ao vivo pela internet, organizada pelo jornal The Guardian, foi interrompida brevemente às 16h. Por quê? Os servidores de internet não suportaram o calor.
Julho foi devastador também na Bélgica, onde a onda de calor cobrou 410 mortes extras. A sobremortalidade foi de até 33% nos idosos acima de 85 anos.
Na Alemanha, além de mais um recorde (40,3°C no fim de semana de 4 e 5 de julho), o calor deixou impossível tomar banho ou navegar no Rio Elba. Em fotografia tirada na cidade de Dresden de 11 de agosto, vê-se que as águas sumiram, deixando as balsas sobre as pedras.
E vamos aos Estados Unidos. Na Califórnia, a seca já dura 4 anos. Um relatório da Nasa de 19 de agosto mostra dados topográficos que indicam que o bombeamento de água no lençol freático está levando ao afundamento dos solos a taxas de até cinco centímetros ao mês no vale San Joaquin, o que pode, segundo o Departamento de Recursos Hídricos do estado americano, afetar pontes, estradas e aquedutos. Incêndios enormes também marcaram a região, destruindo centenas de quilômetros quadrados.
Já na região de Dalian, noroeste da China, técnicos da agência meteorológica chinesa lançaram foguetes para “semear nuvens”. Os aparelhos liberam aerossóis nas nuvens, na tentativa de promover a condensação da umidade em forma de chuva.
O Oriente Médio também sofre de um ano de calor intenso. No Irã, em 03/08, os termômetros marcaram 74°C. O Paquistão sofreu uma onda de calor devastadora, que matou 1150 pessoas. Na Índia, o calor chegou um pouco antes, também com muitas mortes – 2.200. Em 27/05, o asfalto derreteu sob o calor em Nova Deli.
Resumindo, o calor e a seca bateram todos os recordes, embora o ano ainda não tenha acabado e um super El Niño prometa um verão inesquecível aos habitantes do hemisfério sul, com temperaturas até 3,5 graus Celsius acima das médias sazonais. Imagine o que vem por aí.
Escrita que imita a vida
A decisão de fazer uma coluna sobre este tema já estava tomada há dias, mas certa tarde faltou energia e deixei a universidade para seguir o trabalho em casa. Lá, uma fase havia caído e o porteiro avisava que estávamos com meia cisterna apenas e impedidos de bombear água da reserva por falta de energia. A sensação térmica era próxima dos 40 graus Celsius. A energia só voltou horas depois. Na véspera, a temperatura havia chegado a 42,3ºC. E só estamos na primavera.
Isto reforçou a decisão e também me lembrou outro assunto, as revoltas no Iraque devidas à combinação de falta de energia com uma onda de calor que levou os termômetros aos 50ºC alguns meses atrás.
Estão vendo como é difícil a coisa? Mais um pouco e eu já ia começando outra coluna…
Jean Remy Davée Guimarães
Instituto de Biofísica Carlos Chagas Filho
Universidade Federal do Rio de Janeiro