Charles Darwin: atual e necessário

Acaba de ser inaugurada uma exposição sobre Charles Darwin (1809-1882) no Museu Histórico Nacional, no Rio de Janeiro, que ficará em cartaz até 13 de abril. Como é de conhecimento geral, Darwin é autor da teoria revolucionária sobre a origem das espécies, que teve influência direta no pensamento biológico desde que foi formulada.

Sua teoria propunha que as espécies não eram fixas e nem tinham sido criadas por alguma entidade maior: na realidade, elas mudavam com o tempo, derivando a partir de um ancestral comum. Mas quais eram as bases para que o naturalista inglês chegasse a essa teoria?

De forma resumida, Darwin fez importantes observações que, diga-se de passagem, eram conhecidas pelos naturalistas da época. Em linhas gerais, o número de indivíduos de uma espécie na natureza tende a ser mais ou menos constante. Apesar disso, existe uma grande produção de polens, sementes, larvas e ovos que indica que deve haver uma grande mortandade na natureza.

Os indivíduos de uma mesma espécie não são idênticos, mas possuem pequenas variações e diferem em vários aspectos – sejam anatômicos, fisiológicos ou comportamentais. Assim, alguns indivíduos se adaptam melhor a um determinado ambiente e tendem a sobreviver na competição da natureza, deixando um número de descendentes maior do que aqueles que não estão adaptados da mesma forma.

Essas características modificadas seriam passadas para as próximas gerações. Como as características mais bem adaptadas também diferem de acordo com cada ambiente, com o passar do tempo, dois grupos de organismos se diferenciariam bastante entre si, dando origem a espécies distintas.

A viagem do Beagle
Essas idéias de Darwin vieram a partir de observações feitas durante a viagem que ele fez no navio HMS Beagle, que percorreu diversas partes do mundo, inclusive o Brasil. Durante a viagem, o jovem naturalista de 22 anos teve a oportunidade não só de ver muito do mundo natural, incluindo fósseis, mas também de ler livros e trabalhos de outros pesquisadores.

Ao retornar para a Inglaterra, cinco anos depois, Darwin não seria mais o mesmo. Além de ter-se tornado uma celebridade em Londres pelo material coletado, particularmente pelas amostras de mamíferos extintos, ele tinha adquirido muita experiência e em breve publicaria importantes trabalhos sobre os achados do “novo mundo”.

Darwin publicou muito nas duas décadas que sucederam a viagem. Curiosamente, no entanto, nada saiu sobre a teoria que o tornaria tão famoso. Isso fica ainda mais marcante quando se leva em conta que, em 1842, ele já havia escrito um excelente esboço de sua teoria sobre a evolução das espécies, divulgado apenas para alguns cientistas amigos mais próximos.

Levando-se em conta a perspectiva histórica, porém, havia um bom motivo pelo qual Darwin, de certa forma, relutava em publicar as suas idéias: a crítica que ele poderia receber de pesquisadores mais estabelecidos e, sobretudo, da Igreja Católica. Ele tinha a exata noção das implicações de sua pesquisa dentro da sociedade vitoriana vigente na Inglaterra na segunda metade do século 19.

A concorrência de Wallace
Eis que surge, então, o impulso que Darwin precisava: a concorrência. Em um dado momento, o também britânico Alfred Russel Wallace (1823-1913), um pouco mais jovem do que Darwin, lhe enviou um trabalho para ser publicado que continha basicamente as mesmas idéias que Charles vinha guardando para si.

Considero Wallace um bom exemplo do que se pode chamar de um pesquisador azarado. Primeiro, ele não tinha riquezas – condição comum aos pesquisadores da época, incluindo Darwin –, e as poucas que herdou se perderam em maus investimentos. Ou seja, tinha que trabalhar muito para se manter, tirando, em parte, tempo precioso de pesquisa. Além disso, teve uma série de acidentes, incluindo a perda de anos de trabalho quando o navio no qual viajava do Brasil para a Inglaterra pegou fogo.

Para culminar, Wallace tinha realizado uma grande descoberta e a enviou justamente para o único naturalista que estava trabalhando no mesmo tema e que, além de tudo, era um pesquisador mais destacado que ele! Teoricamente, se tivesse enviado para qualquer outro pesquisador não ligado a Darwin, ou se houvesse tentado publicar diretamente, poderia ter sido ele quem teria recebido o maior destaque pela paternidade dessa teoria. Nesse caso, quem sabe agora seria Wallace o tema central da exposição em cartaz no Rio.

Ao receber a carta, um desesperado Darwin conversou com alguns colegas que sabiam de suas idéias e houve um acordo: um trabalho conjunto de Darwin e Wallace foi publicado pela Sociedade Lineana (Linnean Society), em Londres. Nenhum dos dois estava presente – Darwin estava doente, e Wallace, que tinha ficado muito satisfeito com o acordo, sobretudo levando em conta a posição mais destacada na sociedade e no mundo científico de seu parceiro, continuava seu trabalho de coleta de dados na Indonésia.

No ano seguinte, Darwin publicava o livro A origem das espécies por meio da seleção natural. A obra foi um best-seller e mudou, para sempre, o pensamento biológico com relação às espécies.

Um momento oportuno
A exposição sobre Darwin, organizada no Brasil pelo Instituto Sangari, está correndo o mundo e chega a Londres no ano que vem, quando se comemora o bicentenário do nascimento do naturalista. E por que este é um momento tão oportuno para se evocar as idéias de Darwin?

Pelo fato de que existem movimentos cada vez mais intensos, particularmente nos Estados Unidos, de promoção do criacionismo – uma doutrina de cunho religioso que chega ao extremo de postular a proibição do ensino da evolução nas escolas.

Não quero entrar muito nesta discussão, mas considero importante destacar que a ciência e a religião não são mutuamente exclusivas: cada uma aborda diferentes aspectos e ambas devem ser mantidas separadas. Mas é importante que as convicções religiosas não se sobreponham ao consenso científico bem estabelecido há anos de que as espécies mudam com o tempo.

Alexander Kellner
Museu Nacional / UFRJ
Academia Brasileira de Ciências
14/03/2008

 

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Paleocurtas
As últimas do mundo da paleontologia

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Um estudo sobre a evolução e as relações de parentesco de um grupo relativamente desconhecido de répteis – os procolofonídeos – acaba de ser publicado no Journal of Systematic Palaeontology por Juan Cisneros, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Composto de mais de trinta gêneros procedentes de diversas partes do mundo, inclusive o Brasil, esse grupo de répteis surgiu ainda no Perminano (há cerca de 260 milhões de anos) e se extinguiu no Triássico Superior (200 milhões de anos atrás).
Acaba de sair no Brasil pela Editora Campus a tradução para o português de um livro do colega Neil Shubin, da Universidade de Chicago (EUA). Em A história de quando éramos peixes, o autor discute algumas das principais descobertas realizadas sobre a transição entre peixes e tetrápodes. Na obra, Shubin relata algumas das principais descobertas de fósseis como o Tiktaalik rosae, já abordado nesta coluna, e as mudanças necessárias para que os tetrápodes pudessem se estabelecer em terra firme.
Um novo morcego fóssil foi recentemente descrito na Nature . A espécie recebeu o nome de Onychonycteris finneyi e foi encontrada em rochas da Formação Green River, no estado de Wyoming (EUA), com idade estimada em 52,5 milhões de anos. Segundo Nancy Simmons, pesquisadora do Museu Americano de História Natural e líder da pesquisa, a nova espécie é a mais primitiva do grupo. O animal tinha uma boa habilidade de vôo, mas não possuía a capacidade de ecolocalização, um sofisticado sistema de orientação encontrada em formas mais modernas de morcego.
Um importante trabalho sobre o réptil voador Pterodaustro guinazui, encontrado em rochas cretáceas da Argentina, acaba de ser publicado na revista Biology Letters pela equipe da pesquisadora Anusuyua Chinsamy, da Universidade de Cidade do Cabo (África do Sul). O Pterodaustro é um dos raros exemplos de um vertebrado fóssil do qual se conhecem vários indivíduos, desde um embrião até adultos. Após analisar lâminas histológicas, os autores puderam determinar a evolução ontogenética desse pterossauro.
A Sociedade Brasileira de Paleontologia (SBP) acaba de completar 50 anos. Fundada em 7 de março de 1958, a SBP procura agregar estudantes, pesquisadores e demais interessados pelo estudo dos fósseis. Mais informações, inclusive sobre como se tornar sócio dessa importante organização, podem ser obtidas na página www.sbpbrasil.org .
Será realizado em Curitiba de 26 a 31 de outubro o 44º Congresso Brasileiro de Geologia. Nesse evento, que reúne diversos pesquisadores da área de geociências, estão programadas duas sessões vinculadas aos estudos de fósseis: uma sobre icnologia e outra sobre a aplicação da paleontologia aos estudos geológicos e geoambientais. Para mais informações, acesse www.44cbg.com.br .