Ciência com o pé no chão

Por ser pesquisador da área de física e atuar na divulgação científica, muitas pessoas me procuram, por e-mail, Facebook ou até pessoalmente, para resolver dúvidas. Alguns alunos, por exemplo, enviam mensagens perguntando a solução de determinado exercício de física proposto por seu professor; outros, curiosos, têm questões sobre os textos apresentados nesta coluna. No primeiro caso não costumo responder, mas, no segundo, tento sempre ser atencioso com aqueles que estão com vontade de saber um pouco mais. A conversa é útil para deixar mais claras algumas ideias que, por uma limitação de espaço, não posso apresentar em detalhes aqui. Outras vezes, ainda, recebo curiosas propostas de teorias alternativas, quase sempre querendo mostrar que os conceitos da teoria da relatividade de Einstein ou a física quântica estão equivocados. Na maior parte dos casos, elas questionam o fato de que o tempo e espaço não são absolutos, mas relativos ao observador, ou utilizam a física quântica para explicar fenômenos paranormais ou a cura de doenças.

É curioso que essas propostas se baseiem puramente na lógica do pensamento dos seus propositores, ignorando o fato de que tanto a relatividade como a física quântica foram exaustivamente testadas por diversos experimentos. Além disso, elas formam a base de muitas tecnologias que utilizamos: os computadores, tablets e smartphones funcionam porque seus componentes eletrônicos funcionam de acordo com a teoria quântica; os aparelhos GPS, para atingirem precisão satisfatória, precisam que os satélites utilizados tenham seus relógios atômicos corrigidos levando em conta os efeitos da gravidade terrestre na passagem do tempo.

Novas teorias científicas só podem ser aceitas e validadas se puderem ser verificadas por meio de diversos experimentos independentes. É sobre esse princípio que a ciência moderna vem sendo construída desde a época do renascimento, o que permitiu os grandes avanços não somente na compreensão da natureza, mas também no desenvolvimento de novas tecnologias.

Mas nem sempre é fácil realizar experimentos para verificar a validade científica da uma teoria. Em alguns casos, são necessários sofisticados experimentos em grandes laboratórios, utilizando o trabalho de centenas ou até milhares de pesquisadores, sem falar nos recursos financeiros, que podem atingir a ordem de bilhões de dólares. Um exemplo são os experimentos realizados no Grande Colisor de Hádrons (LHC, na sigla em inglês), uma dispendiosa iniciativa que teve seus resultados mais importantes a descoberta do bóson de Higgs em 2012. Também audacioso, o Observatório de Ondas Gravitacionais por Interferômetro Laser (LIGO, na sigla em inglês) anunciou nesta quinta-feira (11) a comprovação da existência das ondas gravitacionais previstas por Einstein há cem anos.

Além dos cinco sentidos

No meu ponto de vista, o surgimento de ideias e teorias sem qualquer fundamentação científica, que atualmente se espalham facilmente pela internet, tem uma razão: para a compreensão das teorias mais modernas é preciso uma percepção que vai além daquela construída pelo senso comum. Tanto a teoria da relatividade quanto a física quântica, pilares da física moderna, foram desenvolvidas a partir de conceitos que chocam nosso senso comum – afinal, ao longo de toda a evolução humana desenvolvemos uma maneira de compreender o mundo a partir de uma percepção sensorial, ou seja, daquilo que vemos, ouvimos, cheiramos e sentimos. Temos dificuldade, portanto, que compreender o que vai além desses sentidos.

O surgimento de ideias e teorias sem qualquer fundamentação científica, que atualmente se espalham facilmente pela internet, tem uma razão: para a compreensão das teorias mais modernas é preciso uma percepção que vai além daquela construída pelo senso comum 

Por exemplo, estamos acostumados, em nosso cotidiano, a verificar que o tempo é sempre o mesmo para qualquer pessoa, independentemente do seu estado de movimento. É correto pensar assim quando se trata de situações corriqueiras. Porém, em situações extremas, quando o objeto se move próximo a velocidade da luz (300.000 km/s), esse conceito não é mais válido. Em aceleradores de partículas como o LHC ou o Laboratório Nacional de Luz Síncrotron, em Campinas, partículas como prótons, no caso do LCH, e elétrons, no LNLS, viajam nessa velocidade e se torna necessário considerar a relatividade do espaço e do tempo.

No caso particular da física quântica, é ainda mais complicado traduzir o conceito aos nossos sentidos. Essa parte da física começou a ser desenvolvida no início do século 20, com a participação de inúmeros pesquisadores, intrigados pelo fato de que resultados de experimentos realizados na época não podiam ser explicados pela física clássica. O próprio conceito de átomo era um exemplo.

Do pudim de ameixas às ondas

Em 1897, o físico inglês J.J. Thompson descobriu a primeira partícula elementar, o elétron, que tem carga elétrica negativa. Com essa descoberta, imaginou-se que os átomos seriam como um pudim de ameixas, uma massa de carga elétrica positiva (o pudim) na qual os elétrons (as ameixas) estariam imersos. Contudo, alguns anos depois, em 1911, o físico neozeolandês Ernest Rutherford, que trabalhou com Thompson, descobriu que o núcleo atômico teria um tamanho muito reduzido, propondo, então que o átomo fosse como um minissistema solar, com o núcleo positivo (representando o Sol) e os elétrons circulando o núcleo (como se fossem planetas). Muitos de nós ainda imaginamos que o átomo possa ser representado dessa forma.

Embora esse modelo seja bastante atraente, ele continha uma falha importante. Diferentemente dos planetas, cargas elétricas em órbita ao redor de um núcleo, ao executarem um movimento acelerado, deveriam perder energia na forma de radiação, fazendo com que os elétrons ‘caíssem’ no núcleo atômico. Por essa lógica, os átomos não poderiam existir! Esse impasse levou a um modelo ousado para época, feito pelo físico dinamarquês Niels Bohr, que propôs que os elétrons, embora realizassem órbitas circulares ao redor do núcleo, não perderiam energia, mas teriam energias discretas associadas as suas órbitas que seriam múltiplas de uma constante física fundamental – a constante de Planck.

Modelo atômico de Bohr
Modelo atômico de Bohr para um átomo de hélio. Questionamentos a partir de suas proposições levaram a um desenvolvimento mais profundo da física quântica. (imagem: Wikimedia)

Com esse modelo, Bohr explicou outro problema não resolvido em sua época: o espectro de emissão do átomo de hidrogênio quando aquecido. O espectro não era contínuo, mas apresentava apenas algumas linhas, que Bohr associou à quantização das órbitas. Quando o átomo era aquecido, os elétrons mudavam de órbita e, ao voltar para órbita inicial, devolviam a energia que haviam recebido – sempre um múltiplo da constante de Planck

Mas a história não estava completamente resolvida. Como poderiam os elétrons ter apenas algumas órbitas possíveis? Como eles conseguiriam mudar de órbita? Esses questionamentos levaram a um desenvolvimento mais profundo da física quântica. Novos experimentos e propostas mostraram que partículas como elétrons poderiam se comportar também como se fossem ondas, levando a uma modificação do modelo atômico. As órbitas imaginadas por Bohr se transformaram, então, em regiões ao redor do átomo nas quais existia uma probabilidade de se encontrar elétrons, e esses não seriam mais descritos como se fossem pequenas esferas, e sim por funções de ondas.

A complexidade da visualização do conceito de átomo é apenas um exemplo de como a natureza pode ser muito diferente da nossa visão cotidiana. Embora a relatividade do espaço e do tempo e a exótica descrição das partículas elementares possam soar absurdas ao senso comum, elas têm a ciência ao seu favor. Afinal, esses conceitos foram rigorosamente testados em diversos experimentos e observados inúmeras vezes. Afinal, não basta ter uma nova e revolucionária ideia: é preciso que ela seja cuidadosamente verificada.

Adílson de Oliveira
Departamento de Física
Universidade Federal de São Carlos