Ciência para a erradicação da pobreza e o desenvolvimento sustentável foi o tema da VII Conferência e Assembleia Geral da Rede Global de Academias de Ciências (IAP), realizada entre os dias 24 e 26 de fevereiro de 2013 no Rio de Janeiro. É óbvio que a limitação contextual do título é apenas circunstancial. Os organizadores do evento decerto compartilham da ideia de que é a ciência transformada em tecnologia o principal vetor para a erradicação da pobreza.
Mas, para além desse viés conceitual, o tema obrigatoriamente nos remete a questões educacionais, que em última instância são o suporte para os sistemas científicos e tecnológicos (C&T) de qualquer país. Ou seja, a um bom sistema de C&T deverá anteceder um bom sistema de educação superior, que, por sua vez, deverá ser antecedido de um bom sistema de educação básica.
Sendo esse evento o cenário básico do escopo desta coluna, permito-me a ele dedicar algumas reflexões de cunho sociopolítico, tendo como foco a integração da América Latina e do Caribe, região indiscutivelmente carente dos benefícios tecnológicos correntes e usuais nos países mais avançados.
De imediato, destaco o fato de que, com exceção dos brasileiros, apenas dois representantes de países latino-americanos e caribenhos (Nicarágua e México) participaram do encontro na qualidade de relator ou palestrante. Seria isso o simples reflexo da baixa representatividade da região na comunidade científica internacional? Qualquer que seja a razão, aqui se tem mais uma motivação para tratar a questão do ponto de vista integracionista.
Apenas pelo interesse conceitual, olhemos para a Comunidade Europeia (CE), tangenciando os acontecimentos políticos e econômicos dos últimos cinco anos. Não há como negar, do ponto de vista puramente heurístico, que os planos estratégicos da CE são consistentes com a formação de uma comunidade regional.
No âmbito da educação superior, esses planos estratégicos foram sistematizados no Processo de Bolonha, acordo firmado em Portugal em 1999 por ministros de 29 países europeus. Inicialmente denominado Declaração de Bolonha, o acordo teve como objetivo o estabelecimento, até 2010, de um Espaço Europeu de Educação Superior (EEES) coerente, competitivo e atrativo para estudantes europeus e de outras regiões. A construção do EEES sempre foi considerada peça fundamental para promover a mobilidade e a empregabilidade dos cidadãos, elementos definidores de uma comunidade regional.
Do lado de cá do Atlântico
Com essas iniciativas europeias em mente e a integração latino-americana e caribenha como objetivo, seremos levados a supor que os notáveis retrocessos no estabelecimento de uma comunidade regional neste lado de cá do oceano atlântico podem ter a ver com o fato de que ainda não temos, pelo menos de modo efetivo, algo como o Processo de Bolonha, ou um Espaço Latino-americano e Caribenho de Educação Superior.
No âmbito do Mercosul, a Comissão Regional Coordenadora de Educação Superior (CRC-ES) assemelha-se ao Processo de Bolonha. Mas sua atuação tem baixa visibilidade e poucas iniciativas lhe são atribuídas, como a louvável criação do Núcleo de Estudos e Pesquisas em Educação Superior do Mercosul (Nepes). Entre os objetivos do Nepes, destaca-se a promoção de investigações intrarregionais que tenham por objeto a problemática da educação superior no Mercosul e sua contribuição para a integração regional.
Por outro lado, o Programa Latino-americano de Física (Plaf), que tem entre seus objetivos facilitar e encorajar a circulação de estudantes de física entre as instituições de ensino e pesquisa da região e apoiar e estimular atividades durante a formação em física em todos os níveis, aparentemente não tem conexão com a CRC-ES.
É provável que essa desconexão tenha resultado da baixa visibilidade da Comissão, uma vez que a principal justificativa para sua existência é perfeitamente consistente com a parte educacional do Plaf, ao ressaltar que, no âmbito da educação superior, a necessidade de espaço acadêmico regional, a melhoria de sua qualidade e a formação de recursos humanos constituem os elementos essenciais para estimular o processo de integração.
Outro caso de aparente desconexão entre objetivos e ações são os rumores de que gestores de alguns países latino-americanos e caribenhos não gostariam que seus professores da educação básica fossem formados em outros países. Se isso não passar de mito, convém que a situação seja contornada o mais breve possível, pelo menos no que se refere à formação de professores de ciências da natureza, o lastro do sistema de C&T. Esse tipo de resistência não se coaduna com a meta da CRC-ES de implementar ações na área de formação docente em conjunto com a Comissão Regional Coordenadora de Educação Básica.
Desvincular a formação de professores de ciências das metas integracionistas, como sugerido pelos rumores acima, nos parece incoerente com a implementação de colaborações científicas e tecnológicas de alto nível.
A contribuição da C&T para a erradicação da pobreza em escala regional, precisamente na América Latina e Caribe, depende em larga medida do efetivo estabelecimento de um espaço educacional, científico e tecnológico que propicie a implementação de colaborações em cada uma dessas áreas e facilite a mobilidade e a empregabilidade dos cidadãos independentemente do seu país de origem na região.
Carlos Alberto dos Santos
Professor-visitante sênior da Universidade Federal da Integração Latino-americana