A neurociência chegou ao supermercado. Um estudo da Faculdade de Medicina Baylor, no Texas, publicado na revista Neuron e apresentado em outubro na reunião anual da Society for Neuroscience em San Diego, nos EUA, mostra o que acontece no cérebro conforme a marca do refrigerante que você bebe. O veredicto não deve ser nenhuma surpresa: a marca que mais mexe com o cérebro é… Coca-Cola.
Samuel McClure, Read Montague e seus colegas recrutaram 67 voluntários de diferentes preferências por refrigerantes: alguns preferiam Coca, outros Pepsi, e outros não tinham preferência declarada. Um teste cego de preferência pela bebida de uma ou outra marca comprovou a distribuição igual de preferências entre os três grupos – embora nem sempre os voluntários escolhessem o copo que tinha, de fato, sua marca favorita.
Se os dois copos parecem iguais e contêm líquidos igualmente escuros e borbulhantes, de marca não anunciada, o que faz você declarar sua preferência por um dos dois copos? Seu cérebro, claro – ou mais exatamente, segundo o estudo, a atividade do seu córtex pré-frontal ventro-medial (vmPFC), situado mais ou menos atrás da testa, entre seus olhos.
Enquanto os voluntários bebiam refrigerantes não identificados, os pesquisadores usaram ressonância magnética funcional para acompanhar a ativação dessa região do cérebro, que recebe sinais relativos ao paladar, ao olfato e ao prazer provocado pelo que chega à sua boca. Não é de se espantar portanto que, quanto mais um refrigerante consegue ativar seu vmPFC, maior é a chance de você declarar sua preferência por ele. Para alguns voluntários, o refrigerante que mais ativa o vmPFC é Coca-Cola; para outros, Pepsi. (Por quê? Boa pergunta, e a resposta pode estar em qualquer lugar entre a genética e o aprendizado cultural.)
Mas quando se sabe o que se está bebendo, a coisa muda. Em outro experimento, os mesmos voluntários provaram os mesmos refrigerantes – mas agora sabendo que um dos copos continha Pepsi. O conteúdo do outro copo era desconhecido – mas também era Pepsi, para que os pesquisadores pudessem identificar a diferença entre beber Pepsi sem saber e saber que se está bebendo Pepsi. E a diferença é… nenhuma!
Tudo muda, no entanto, se você sabe que está bebendo Coca-Cola. Em teste semelhante, mas com Coca-Cola nos dois copos ao invés de Pepsi, a diferença entre saber que se está bebendo Coca-Cola e simplesmente beber o refrigerante fica nítida. Quando os voluntários bebem Coca-Cola e sabem o que estão bebendo, há ativação em várias regiões cerebrais, entre elas o córtex pré-frontal dorso-lateral, envolvido no controle de decisões, e o hipocampo, estrutura que cuida das memórias recentes e da formação de novas memórias. Sem saber a marca, nada disso ocorre.
Isso sugere que, se a apreciação do sabor de um refrigerante é influenciada puramente por fatores sensoriais, como seu gosto e perfume, saber a marca de um refrigerante é capaz não só de ativar memórias como também influenciar regiões cerebrais responsáveis pelas nossas decisões – inclusive decisões culturais tão importantes e conseqüentes quanto a marca do refrigerante que você escolhe beber. Por que a marca Coca-Cola, mas não a marca Pepsi, influencia a tomada de decisões? Boa questão para os respectivos marqueteiros resolverem. Agora que já existe uma área de estudo chamada neuroeconomia, para se criar o neuromarketing falta um pulinho.
E o que se ganha com este novo avanço da neurociência? Ah, uma dica fundamental para a sua próxima festa. Se você optar por servir o refrigerante mais barato, não coloque a garrafa na mesa. Sirva já em copinhos, e seus convidados julgarão a bebida pelo sabor, e não pelo rótulo…
Suzana Herculano-Houzel
O Cérebro Nosso de Cada Dia
05/11/04