Como medir, afinal, os riscos da vida nanométrica?

Na coluna de julho de 2009, intitulada ‘Como medir o risco dos nanomateriais?’, externei o sentimento de que havia pouco interesse na investigação de possíveis danos dos nanomateriais à saúde pública e ao meio ambiente. Desde 2004, estudos nesse sentido passaram a constituir uma nova área de investigação, denominada nanotoxicologia, não mencionada na coluna citada.

Agora, dois anos e meio passados e considerando que o número de publicações referentes à nanotoxicologia indexadas no Science Citation Index cresceu 38% de 2009 a 2011, enquanto aquelas referentes ao termo nano – incluindo tudo que começa com nano – cresceu apenas 6%, talvez seja interessante retomarmos o tema para ver o que mudou em termos qualitativos.

Cabe destacar desde já que um dos motivadores da coluna de 2009, Andrew D. Maynard, também está na origem do presente texto. Em julho de 2011 ele publicou um artigo na Nature chamando a atenção para o risco do estabelecimento de marcos regulatórios no campo sem o devido suporte científico.

Trata-se de um breve texto, uma espécie de resumo de um extenso artigo publicado na Toxicological Sciences em dezembro de 2010, em parceria com David B. Warheit e Martin A. Philbert.

A primeira diferença em termos de conhecimento nanotoxicológico entre o cenário de 2009 e o presente apontada por Maynard é que a definição de nanomaterial em termos dimensionais é insuficiente para a avaliação dos riscos à saúde e ao meio ambiente. Não basta dizer que nanomaterial é tudo aquilo que tiver pelo menos uma das dimensões na faixa entre 1 e 100 nanômetros (nanômetro é a bilionésima parte do metro).

Não basta dizer que nanomaterial é tudo aquilo que tiver pelo menos uma das dimensões na faixa entre 1 e 100 nanômetros

Além da dimensão, outros parâmetros atuam na interação de materiais nanométricos com sistemas biológicos. Entre esses parâmetros destacam-se a composição química e a forma das partículas. Tal constatação, amparada por inúmeras pesquisas científicas, dificulta – e para os pessimistas inviabiliza – o estabelecimento de um marco regulatório para a produção e utilização de materiais nanométricos.

Resulta daí que algumas regulamentações são elaboradas sem o devido suporte científico. Por exemplo, em 2010, a Comunidade Europeia tornou pública a seguinte definição de nanomaterial: algo que consiste de partículas com uma ou mais dimensões externas na faixa entre 1 e 100 nanômetros, em mais de 1% do total de partículas, e/ou apresenta relação entre área e volume superior a 60 m2.cm-3.

Segundo Maynard, nenhum desses critérios tem, até o momento, suporte científico e, portanto, são inadequados para avaliar os riscos de nanomateriais.

Objetos com nanomateriais
Diversos tipos de materiais esportivos, cosméticos, fármacos, peças automobilísticas, embalagens e aparelhos eletrônicos são produzidos a partir de nanomateriais. Entender o impacto das nanopartículas na saúde e no meio ambiente ainda é um desafio para a ciência. (montagem: Sofia Moutinho)

Outra dificuldade enorme apontada por Maynard é que a definição de um ponto de corte para qualquer parâmetro pode depender dos outros. Ou seja, cada tipo de nanomaterial deverá ter seu conjunto de limitações em relação aos diversos parâmetros, o que dificulta, se não praticamente inviabiliza mesmo, uma regulamentação genérica caso não sejam dedicados esforços de pesquisa científica para a devida definição desses pontos de corte.

Forte interação, grandes efeitos

Comentando o recente artigo de Maynard, Diana Boraschi, do Instituto de Tecnologias Biomédicas, do Conselho Nacional de Pesquisa da Itália, acrescenta que mesmo um conjunto maior de parâmetros, como defende Maynard, não é suficiente para avaliar a nanotoxicidade dos nanomateriais, pois cada um, ao entrar em contato com um sistema biológico, tem suas características rapidamente alteradas, transformando-se em algo diferente, dependendo do seu próprio sistema biológico.

Isto sugere a quase impossibilidade de categorização dos nanomateriais baseada em parâmetros físico-químicos.

A questão é séria, sobretudo pela gravidade dos potenciais riscos à saúde e ao ambiente e pelo tamanho do mercado industrial envolvido, que costuma minimizar os possíveis impactos negativos de tecnologias emergentes.

A Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial (ABDI) estima que o mercado global da nanotecnologia em 2015 deverá superar o valor de um trilhão de dólares, ultrapassando os 3,5 trilhões na opinião dos mais otimistas.

Trata-se de um crescimento extraordinário, considerando que em 2007 o faturamento com a nanotecnologia girou em torno de146 bilhões de dólares.

O poder de penetração das nanopartículas as leva a lugares do corpo antes inacessíveis às partículas micro e macroscópicas

Quanto aos riscos à saúde, devemos lembrar que os nanomateriais interagem com todas as partes do corpo humano, tendo como porta de entrada processos de ingestão, inalação e contato com a pele. O poder de penetração das nanopartículas as leva a lugares do corpo antes inacessíveis às partículas micro e macroscópicas.

Em um cenário tanto grave quanto instigante, preocupa-nos que não tenhamos detectado trabalho sobre nanotoxicologia indexado no Science Citation Index com a participação de instituição brasileira.

Carlos Alberto dos Santos
Professor-visitante sênior da Universidade Federal da Integração Latino-americana