O sistema de respiração dos dinossauros é motivo de preocupação para muitos paleontólogos. Ainda existe alguma resistência em considerar que as aves são derivadas dos terópodes – grupo de répteis pré-históricos bípedes e carnívoros. Uma das linhas de debate está no desenvolvimento do sistema complexo de respiração dos vertebrados alados.
A questão não é de fácil resolução. Repetidamente, os paleontólogos enfatizam que a natureza do registro fóssil impede a obtenção de várias informações sobre um organismo, particularmente dados relacionados aos tecidos moles, como os órgãos internos.
No caso dos dinossauros, por exemplo, nunca se encontrou nenhuma evidência de algum órgão interno preservado nas rochas. Mesmo no terópode Scipionyx samniticus, do Cretáceo Inferior da Itália, caso em que se acreditava inicialmente existirem evidências da impressão do fígado e do intestino, essas interpretações são bastante questionadas no meio científico.
No caso específico dos pulmões, nada de concreto foi apresentado até agora, nem mesmo em fósseis de depósitos excepcionais com os de Liaoning, na China, ou da Bacia do Araripe, no Brasil. Mas essa discussão acaba de ganhar novo fôlego, graças a um novo dinossauro descoberto na Argentina pela equipe liderada por Paul Sereno, da Universidade de Chicago (EUA).
Descoberta surpreendente
O dinossauro em questão, denominado de Aerosteon riocoloradensis, foi descrito a partir de um esqueleto incompleto encontrado desarticulado em rochas da Formação Anacleto, com 84 milhões de anos. Dois outros exemplares, ainda mais incompletos, também foram e associados à nova espécie e complementam a sua descrição, publicada recentemente na PLoS One.
A descoberta se destaca por dois motivos. O primeiro está no fato de que Aerosteon representa uma terceira linhagem – bem primitiva – de grandes terópodes que competia com outras duas bem estabelecidas na América do Sul: os Abelisauria, tais como o Carnotaurus da Argentina ou o Pycnonemosaurus do Brasil, e os Carcharodontosauridae, entre os quais se destaca o Giganotosaurus do país vizinho.
O segundo motivo que chama a atenção nessa descoberta diz respeito às novas evidências a respeito do sistema de respiração dos dinossauros terópodes anunciados pela equipe.
A ilustração acima mostra a possível configuração do sistema respiratório do Aerosteon riocoloradensis, que pode ter sido muito similar ao das aves modernas (arte: Todd Marshall / Project Exploration).
Engana-se quem, à primeira vista, imaginasse que o Aerosteon tivesse preservado os pulmões fossilizados. O que foi encontrado no fóssil são ossos com grandes espaços vazios, sugerindo a presença de um complexo sistema de sacos aéreos, semelhante aos das aves modernas. Vejamos como elas respiram para entender melhor o significado desse achado.
A respiração das aves
Representação esquemática do sistema respiratório de uma ave moderna, com o pulmão (cinza, ao centro) ligado a vários sacos aéreos (brancos). Reprodução / PLoS One.
A maneira como as aves respiram é complexa e tida como extremamente eficiente. De forma bem resumida, esses vertebrados plumados possuem um pulmão rígido, cujo tamanho e volume não são substancialmente alterados durante o processo de respiração.
O pulmão está ligado a sacos aéreos por meio de brônquios. De parede bem fina, existem nove desses sacos, distribuídos de acordo com a sua posição no esqueleto. Os sacos aéreos craniais são divididos em cervicais, torácicos craniais e o clavicular (o único que não se apresenta em par); os caudais em sacos aéreos torácicos caudais e abdominais. Apenas os sacos aéreos cervicais não participam na respiração das aves.
Durante a inspiração, o ar desloca-se através dos pulmões para dentro dos sacos aéreos; na expiração, ele flui dos sacos aéreos para o meio ambiente, passando novamente pelos pulmões num fluxo unidirecional, que aumenta a eficiência da ventilação.
Podemos agora voltar ao Aerosteon riocoloradensis. Os espaços vazios encontrados nos fósseis desse dinossauro – chamados pelos paleontólogos de pleurocelos – foram identificados em praticamente todas as vértebras, na fúrcula e nos ossos que formam a região pélvica.
Fúrcula de Aerosteon riocoloradensis (no alto) e de ave moderna Anseras semiplamata. A comparação mostra que ambas são pneumáticas e sugere semelhanças no sistema respiratório de dinossauros e aves modernas (reprodução / PLos One).
Comparações com aves modernas sugerem que os pulmões do Aerosteon funcionavam de forma semelhante ao das aves modernas. Os autores do estudo enfatizam, porém, que ainda existem importantes pontos obscuros quanto ao sistema de respiração desse e de outros dinossauros – o principal deles diz respeito à unidirecionalidade do fluxo do ar.
Os fósseis e suas interpretações
A falta de evidências diretas muitas vezes limita sobremaneira o que pode ser inferido de um fóssil e, sem dúvida, a descoberta do Aerosteon e as interpretações de seus fósseis serão alvo de discussões futuras. No entanto, é com base nos vestígios dos tecidos moles como órgãos internos deixados nos ossos que um paleontólogo é obrigado a trabalhar e fazer inferências. O fato ingrato é saber que nem sempre os tecidos moles deixam suas marcas nos ossos…
No caso em questão, Sereno e sua equipe propuseram um modelo de evolução do sistema respiratório aviano em quatro fases. Na primeira delas, haveria um desenvolvimento de sacos aéreos cervicais, não ligados à respiração, que poderiam se estender a partes mais posteriores da coluna vertebral. Na fase seguinte, ocorreria uma diferenciação dos sacos aéreos em craniais e caudais.
Em seguida, mudanças no esqueleto (costelas, esterno) possibilitariam um sistema de respiração aviano primitivo que, na fase seguinte, teria sido aperfeiçoado. Todas essas mudanças teriam se dado, de acordo com o modelo proposto pela equipe, entre a parte final do Triássico e a parte superior do Jurássico. Se eles estiverem certos, o sistema complexo de respiração das aves seria bastante antigo.
Com a publicação desses resultados, cabe agora aos demais pesquisadores tentar encontrar novos dados que possam corroborar ou refutar essa teoria.
Alexander Kellner
Museu Nacional / UFRJ
Academia Brasileira de Ciências
03/10/2008
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