Como se determina a idade dos fósseis?

Uma das questões recorrentes durante palestras e também na correspondência com os leitores desta coluna é sobre como os pesquisadores são capazes de determinar a idade de um fóssil. Como alguns podem imaginar, a datação de um fóssil não é uma questão trivial e está ligada à complexidade do registro paleontológico – desde a formação do fóssil até o que ocorre com a camada sedimentar onde este se preservou. Até que os princípios gerais não são tão complicados, mas a aplicação destes na prática…

Para começar, os fósseis são preservados em rochas sedimentares. Essas rochas são geradas a partir da fragmentação de outras rochas (ígneas, metamórficas ou sedimentares), que resulta em pequenas partículas – os sedimentos –, transportadas (juntamente com os restos orgânicos candidatos a fósseis) e acumuladas em extensas áreas chamadas de bacias sedimentares. Nessas bacias, devido a processos físicos e químicos (denominados diagênese), os sedimentos são transformados em rochas e os restos orgânicos em fósseis. Dessa forma, a idade de um fóssil está ligada à idade da rocha sedimentar onde este tenha se preservado originalmente.

No que se refere à datação, dois conjuntos de informações são empregados e fornecem uma datação relativa e uma datação absoluta.

Datação relativa
Existem três princípios fundamentais, conhecidos como princípios de Steno – em homenagem ao naturalista dinamarquês Nicolau Steno (1638-1686) –, que ajudam na organização das camadas sedimentares. O princípio da horizontalidade original estabelece que os sedimentos são depositados em camadas geralmente horizontais. O princípio da continuidade lateral determina que as camadas são contínuas, tendendo a se estender até as margens da bacia onde são formadas, ou se afinam lateralmente. Por fim, segundo o princípio da superposição, uma camada é mais velha do que a camada imediatamente acima e mais nova do que a camada imediatamente abaixo dela.

É importante salientar que forças de grande magnitude no interior do planeta podem desencadear mudanças nas camadas, fazendo com que elas sejam deslocadas verticalmente ou mesmo dobradas, deixando de ser horizontais. Um mapeamento geológico revelará se isso ocorreu em determinada região.

Outra ferramenta extremamente importante para a datação das rochas sedimentares são os próprios fósseis. De forma simplificada, pode ser estabelecido que um período geológico tenha abrigado um conjunto particular de fósseis. Assim, surgiu o princípio da sucessão biótica, que aponta a possibilidade de se estabelecer uma seqüência cronológica das camadas a partir de seu conteúdo fossilífero. Esses fósseis também possibilitam uma correlação bioestratigráfica, ou seja: se em duas camadas de regiões distantes são encontradas as mesmas espécies de fósseis, existe uma grande probabilidade de elas terem a mesma idade.

Neste último aspecto, é importante frisar que nem todos os fósseis são bons indicadores de tempo ou permitem uma correlação bioestratigráfica. Sem entrar em muitos detalhes, os fósseis mais importantes para esse tipo de estudo são os microfósseis – organismos de diminutas dimensões, somente observáveis com lupas binoculares. Dinossauros, por exemplo, não são boas ferramentas para esse tipo de análise.

Resumindo, os princípios de Steno, aliados a certo tipo de fósseis, nos permitem estabelecer a idade relativa das camadas, mas não uma idade precisa em termos de anos. Seria como saber que o Flamengo foi campeão da Copa do Brasil antes do Fluminense, mas não saber exatamente em que ano esses times foram campeões nem o intervalo de um campeonato para o outro.

Datação absoluta
A idade absoluta das camadas em anos somente pode ser estabelecida com a chamada datação isotópica.

De forma simplificada, rochas são feitas de minerais, que são formados por elementos químicos que, por sua vez, são compostos de átomos. Alguns desses elementos – os radioativos – possuem átomos instáveis na natureza, cujos núcleos se desintegram espontaneamente até que os átomos se tornem estáveis. Por exemplo: o isótopo rubídio-87 ( 87 Rb) forma o isótopo estável estrôncio-87 ( 87 Sr). Isótopos são átomos de um elemento químico cujos núcleos têm o mesmo número de prótons, mas diferentes quantidades de nêutrons. O tempo requerido para que a metade do número inicial de átomos do elemento radioativo se desintegre é chamado de meia-vida.

O processo se inicia quando um mineral se forma, aprisionando na rede cristalina os elementos radioativos. Estes começam a decair e se transformar em elementos estáveis, que também ficam aprisionados no mineral. A relação entre as quantidades de elementos estáveis e instáveis presentes nos minerais fornecerá a sua idade e, dessa forma, a idade da rocha. Essa medida é feita com um aparelho chamado espectrômetro de massa, que pode medir quantidades bem pequenas de isótopos. A importância dessa atividade fez surgir um ramo da geologia – a geocronologia.

A idade do fóssil
As rochas onde estão os minerais empregados na datação absoluta são as rochas ígneas, que não preservam fósseis. Também não são feitas datações em minerais encontrados em rochas sedimentares, pois, nesse caso, eles não irão determinar quando a rocha sedimentar se formou e sim a idade da rocha que deu origem aos sedimentos que terminaram por formar a rocha sedimentar.

Dessa forma, a idade dos fósseis é estipulada por meio da associação de datações relativas e absolutas. Se, por exemplo, existir um conjunto de camadas sedimentares situadas entre rochas ígneas onde se possa estabelecer que a mais antiga tenha 100 milhões de anos e a mais nova, 80 milhões de anos, esse pacote sedimentar – e os fósseis nele incluídos – serão mais novos do que 100 milhões de anos e mais antigos do que 80 milhões de anos.

Por esse motivo, na maioria das vezes, o paleontólogo sabe que a idade dos fósseis pode variar bastante. Em alguns casos, como nos famosos depósitos de Liaoning (China), onde há rochas sedimentares intercaladas com cinzas vulcânicas – que têm excelentes minerais para datação absoluta –, a idade dos fósseis pode ser obtida com uma precisão maior.

Constante necessidade de pesquisa
Recentemente, um trabalho de K.F.Kuiper (Universidade de Ultrecht, Holanda) e colegas apresentou novos dados sobre como determinar idades geológicas, particularmente as do limite entre Cretáceo e Terciário, quando ocorreu a extinção de grande parte dos dinossauros.

No estudo, publicado em abril deste ano na Science, a equipe descreve um novo procedimento para calibrar as idades absolutas por meio dos isótopos argônio 40 ( 40 Ar) e argônio 39 ( 39 Ar), que são os mais utilizados para a datação de rochas. O resultado foi uma melhora na precisão: a margem de erro caiu de 2,5% para 0,25% – um considerável avanço. Segundo os autores, o limite entre o Cretáceo e o Terciário, geralmente datado de 65 milhões de anos, seria mais antigo e próximo a 65,95 milhões de anos.

Portanto, para determinar a idade de um fóssil, o paleontólogo não está sozinho. Ele conta com grande colaboração de outros profissionais, particularmente os que se dedicam à geocronologia.

Alexander Kellner
Museu Nacional / UFRJ
Academia Brasileira de Ciências
05/12/2008

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Paleocurtas 

As últimas do mundo da paleontologia

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O pesquisador Mark Witton (Universidade de Portsmouth, Inglaterra) acaba de publicar na Palaeontology a descrição de um novo pterossauro do Membro Crato da Formação Santana. A espécie, denominada de Lacusovagus magnificens, tinha cerca de 4 metros de abertura alar e, a exemplo do que já foi verificado por outros pesquisadores, é mais uma forma brasileira proximamente relacionada a espécies encontradas nos depósitos de Liaoning, na China.
Editado por Spencer Lucas (New Mexico Museum of Natural History & Science) e colaboradores, um volume especial sobre mamíferos fósseis do Neógeno (período que engloba depósitos com idade que varia de 23 a 2 milhões de anos) acaba de ser publicado. A obra reúne trabalhos de diversos autores sobre faunas das Américas do Norte, do Sul e Central e da Ásia, fazendo uma boa revisão sobre vários grupos de mamíferos. Mais informações: [email protected]
O pesquisador italiano Fabio Dalla Vecchia acaba de publicar um livro sobre os vertebrados fósseis da região de Friuli. Editado pelo Museo Friulano di Storia Naturale da comunidade de Udine, a obra abrange desde formas do Paleozóico até mamíferos do Pleistoceno. Mais informações com o autor ( [email protected] ).
Ainda falando em pterossauros, o pesquisador Kevin Padian acaba de concluir duas extensas monografias sobre Campylognathoides e Dorygnathus. Publicados pela Associação Paleontológica de Londres, esses trabalhos contribuem para o conhecimento das principais formas de répteis voadores do período Jurássico, quando os pterossauros já dominavam os céus do planeta.
Uma nova tartaruga fóssil da China acaba de ser descrita com destaque na Nature. Chun Li (Institute of Vertebrate Paleontology and Paleoanthropology) e colaboradores demonstraram que Odontochelys semitestacea, a nova espécie, é a mais primitiva tartaruga encontrada até hoje, tendo o plastrão bem desenvolvido, mas a carapaça ainda incompleta. A descrição é baseada em dois exemplares encontrados na formação Falang, cuja idade é estimada em cerca de 220 milhões de anos.
Acaba de ser publicado um artigo sobre o índice- h dos pesquisadores membros da Academia Brasileira de Ciências. Índices bibliométricos como o índice h têm sido cada vez mais empregados no exterior para avaliar um pesquisador e estabelecer um parâmetro comparativo para vários fins, como financiamento de projetos e obtenção de pós-doutorado. Publicado nos Anais da Academia Brasileira de Ciências, o artigo – que tece uma série de considerações sobre os efeitos desse tipo de índice no comportamento dos pesquisadores – pode ser obtido gratuitamente e é de interesse amplo, incluindo o de pesquisadores que estudam fósseis.